domingo, 31 de agosto de 2025

Book Review: “Atos Humanos”, de Han Kang

“Todos os dias observo a cicatriz que tenho na mão. Este sítio onde outrora o osso esteve exposto, onde uma secreção esbranquiçada escorra de uma ferida putrefata. Sempre que vejo uma vulgar esferográfica Monami, fico com a respiração presa na garganta. Espero que o tempo me arraste como água enlameada. Espero que a morte chegue e me limpe, me liberte da memória dessas outras mortes esquálidas que assombram os meus dias e as minhas noites.

Luto sozinho, dia após dia. Luto contra o inferno a que sobrevivi. Luto contra a realidade da minha própria humanidade. Luto contra a ideia de que a morte é a única maneira de escapar a essa realidade” (Pág. 146)

Quando Han Kang foi laureada com o Nobel de Literatura em 2024, a Academia Sueca destacou a “intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana” da autora.

Até então eu não conhecia a escritora sul-coreana. Mas a premiação acabou por me chamar a atenção para o seu trabalho descrito por quem o conhece e estuda como uma escrita experimental e pela sua capacidade de explorar a fragilidade humana em contexto de dor, conflitos emocionais e físicos e traumas históricos.

A promessa era de uma leitura interessante. Entretanto, depois de três livros, posso dizer que infelizmente Han Kang não é para mim.

Acho interessantes os temas que ela aborda, mas acho que a pegada experimental da escrita me afasta um pouco de sua arte. Pensando em retrospectiva, talvez tenha sido isto que tenha me feito achar “O livro branco” (2016) um pouco indecifrável aos meus olhos. Na ocasião, cogitei que o meu afastamento fosse causado por uma diferença na língua entre o coreano original e a tradução para o português. Hoje, porém, penso que embora este fator ainda tenha importância, o estilo também é algo que me afasta do livro.

Perto de “O livro branco”, “Atos Humanos” (2014) é mais linear. Tal qual “A Vegetariana” (2007), o meu favorito dos três que li.

Se em “A Vegetariana” há um elemento de horror em como a sua protagonista vai além do limite pelas suas ideias, em “Atos Humanos” o horror está no Estado, que promoveu um massacre na região de Gwangju após os protestos iniciados por estudantes e abraçados pela população contra o fechamento de universidades e a falta de liberdade de expressão em 1980.

A partir da busca do protagonista pelo cadáver do melhor amigo, vamos acompanhando as histórias daqueles que cruzam o seu caminho antes e depois da fatídica noite em que seu amigo foi assassinado.

Infelizmente, a prosa de Han Kang não me prende. É um livro que por vezes eu me vi até um pouco perdido e desinteressado.

Por outro lado, “Atos Humanos” tem alguns méritos. Entre eles, os seguintes:

1- Registrar a história para mostrar ao mundo que ela não deve se repetir.

2- Em meio ao soft power sul-coreano de K-pop e K-drama, mostrar um outro lado bem sombrio da Coreia. Lembrando que tem apenas 45 anos que tais eventos terríveis aconteceram. Do ponto de vista histórico, isso é uma vírgula no tempo.

3- Expor a crueldade do ser humano, que frequentemente flerta com a barbárie.

A segunda metade do livro é bem interessante na exposição destes três pontos.

Queria ter gostado mais de Han Kang, mas acho que depois de três livros nossa relação termina aqui. Três obras é uma boa medida para determinar se devo continuar ou não investindo tempo num autor. E para mim a escritora sul-coreana não funcionou. Posso mudar de ideia no futuro. Mas hoje o sentimento é de ponto final. 

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