sábado, 14 de junho de 2025

Film review: “Echo Valley” e “Mountainhead”

Não é nada fácil ser mãe

Echo Valley (Echo Valley — EUA — 2025)

Estrelado por: Julianne Moore (Kate Garretson), Sydney Sweeney (Claire Garretson), Domhnall Gleeson (Jackie Lawson), Fiona Shaw (Leslie), Edmund Donovan (Ryan Sinclair), Albert Jones (Detetive Ballard), Kyle MacLachlan (Richard Garretson).

Roteiro: Brad Ingelsby.

Direção: Michael Pearce.

Peguei este filme para ver somente por causa da sua dupla de atrizes: a consagrada e quase sempre excelente Julianne Moore e a estrela em ascensão Sydney Sweeney, que desde a série “Euphoria” (2019) vem me chamando a atenção. Aliás, muita gente boa saiu deste série da HBO estrelada pela Zendaya e têm constantemente aparecido em outras produções tanto de cinema quanto de TV/streaming.

Assim meio sem saber nada além de ter visto um trailer que não me dizia muita coisa para além de uma complexa relação entre mãe e filha, cada uma vivendo seus graves problemas, e da presença de um corpo, embarquei no filme. E que grata surpresa.

Escrito por Brad Ingelsby, que também escreveu a excelente série da HBO “Mare of Easttown” (2021)“Echo Valley” é um deleite para quem gosta daquele gênero de filmes que trata de um crime e a complexa situação para solucionar um problema em meio a dilemas éticos e morais.

No meio disso, temos uma mãe em luto pela morte da esposa e com problemas financeiros para manter a sua fazenda, uma filha viciada em drogas e imprevisível, e um bandido igualmente imprevisível vivido por Domhnall Gleeson, que está muito bem no filme.

E mais do que isso não se pode dizer para não estragar toda a experiência do filme. A única conclusão óbvia é a constatação de que não é nada fácil ser mãe.

Nota: 8/10

Estamos perdidos nas mãos de bilionários
Mountainhead (Mountainhead — EUA — 2025)

Estrelado por: Steve Carrell (Randall), Jason Schwartzman (Souper), Cory Michael Smith (Venis), Ramy Youssef (Jeff), Daniel Oreskes (Dr. Phillips), Hadley Robinson (Hester), Ava Kostia (Paula).

Roteiro: Jesse Armstrong.

Direção: Jesse Armstrong.

Havia muito potencial em “Mountainhead”, mas parece que faltou ao roteiro ser um pouco mais bem lapidado. Especialmente no terço final do filme.

A ideia de Jesse Armstrong, o criador da excelente série “Succession” (2018–2023), de falar da cultura extremamente tóxica dos tecnofascistas em meio a um cenário de caos mundial extremamente perturbador e realista causado por inteligência artificial e deep fake era um tiro certeiro para o momento absolutamente preocupante em que vivemos.

Se por um lado Armstrong foi feliz em deixar bem claro como estamos enquanto sociedade nas mãos de verdadeiros imbecis bilionários, por outro senti falta de um pouco mais de profundidade no roteiro. E também das tiradas espertinhas e dos jogos de câmera que tanto víamos em “Succession”.

Não que Armstrong precisasse se repetir, mas era muito claro que ao fazer “Mountainhead”, o diretor escolheu ficar em sua zona de conforto em sua estreia no mundo dos filmes. Ou seja, falar da vida de bilionários e os ridicularizar no processo.

No fim, o filme parece um episódio menor de “Succession”. Mas nenhum dos quatro bilionários chega perto do Logan Roy de Brian Cox e isso faz muita diferença.

Até certo ponto diverte. Mas em um mundo em que o fascismo avança de forma galopante enquanto tentamos nos segurar contra o colapso da sociedade, o filme não deixa de causar uma certa apreensão. Principalmente porque sabemos que estes tecnobilionários estão entre os grandes culpados por este momento complicado em que vivemos.

Nota: 6,5/10

sábado, 31 de maio de 2025

Os filmes e as séries de maio

O esquema fenício (The Phoenician Scheme — EUA — ALE) — É maravilhoso viver no mundo de Wes Anderson. Em seus filmes, a vida é um grande oceano de absurdos pelo qual navegamos no barco da sua magia estética. Num filme recheado de estrelas, foi a Mia Threapleton quem mais brilhou. É maravilhosa a sua freira Liesl que vai se desencaminhando ao longo do filme é sobre a influência do pai, um magnata sem escrúpulos vivido por Benício del Toro.

Oeste outra vez (Oeste outra vez — BRA — 2024) — Filmaço. Um faroeste brasileiro melancólico calcado na solidão e no sentimento de vazio do homem do interior do Brasil.

O Senhor dos Mortos (The Shrouds — FRA, CAN — 2024) — David Cronenberg já fazia “Black Mirror” antes de existir “Black Mirror”. Neste filme de certa forma autobiográfico, Vincent Cassel vive seu alter-ego em um filme que reflete sobre a influência da tecnologia, o fato desta mesma tecnologia nos transformar em seres com um olhar voyeuristico e quase pervertido e nos usos politicos da evolução tecnológico.

Becoming Led Zeppelin (Becoming Led Zeppelin — ING, EUA — 2025) — O grande trunfo do documentário é colocar os três integrantes vivos da banda contando a sua história. O lado negativo é o fato de a história permanecer no controle do trio Robert Plant, Jimmy Page e John Paul Jones, sem mais vozes para enriquecer a história,

Missão: Impssível — O Acerto Final (Mission: Impossible — The Final Reckoning — ING, EUA — 2025) — A luta de Tom Cruise contra a inteligência artificial foi uma boa despedida do ator de Ethan Hunt e da série “Missão: Impossível”. Pode não ser o melhor filme, mas tem cenas de tirar o fôlego, e Cruise dando o seu melhor para nos entreter. O esforço do roteiro em conectar todos os filmes foi o ponto fraco e desnecessário.

Thunderbolts* (Thunderbolts* — EUA — 2025) — Gosto de como o filme é um pouco uma mistura de “Esquadrão Suicida” com “Guardiões da Galáxia”. Personagens meio desconhecidos, quebrados que precisam se unir por um bem comum e tentar resolver os seus problemas internos. Mas a sessão de terapia no final do filme me perdeu demais. Eu só queria que acabasse. Ainda assim é boa Florence Pugh e dá dignidade e alguma profundidado e um roteiro que por vezes é bem qualquer coisa.

The Pitt (The Pitt — EUA — 2025-, HBO Max) — Eu nunca gostei de séries médicas, mas resolvi dar uma chance a está só porque era da Mãe HBO. E que série absolutamente espetacular. Ela também me fez pensar que eu preciso me esforçar e me cuidar muito para nunca parar numa emergência porque é grande o potencial de dar uma merda neste mundo aleatório e de tentativa e erro das emergências de hospital.

The Last of Us (The Last of Us — EUA — 2023-, HBO) — Tudo bem que a série caiu de uma nota 10 na primeira temporada para uma nota 7,5 na segunda, mas ainda assim estamos aqui pela jornada. Tem alguns episódios maravilhosos, como o 2 e o 6, mas também foi uma temporada com mais carinha de videogame do que de série. E o final foi simplesmente covarde.

Black Mirror (Black Mirror — EUA, ING — 2011-, Netflix) — Eu já aceitei que “Black Mirror” nunca mais viverá na Netflix o apogeu que mostrou no Channel 4. A série mudou, o dono mudou, o Charlie Brooker mudou. Só que ainda assim, é possível pescar pérolas de revirar o cabeção. E nesta temporada, eu gostei muito de dois episódios, “Common People” e “Eulogy” e gostei também de “USS Callister — into infinity”. São episódios que renovam minha fé em “Black Mirror”, meu temor pelo presente e meu horror pelo futuro.

Handmaid’s Tale (Handmaid’s Tale — EUA — 2017–2025 — Hulu) — Se você foi uma das 17 pessoas que não largaram a mão da June até o último segundo da sexta e última temporada, você está pronto para casar. Vivemos está série na saúde e na doença, na tristeza e na alegria, na riqueza e na pobreza e chegamos (satisfeitos?) até o fim. Com o passar das temporadas, tive a sensação que a série foi virando mais uma visão da Elisabeth Moss sobre o mundo criado por Margaret Atwood do que uma obra baseada nos livros da escritora. Moss dirige quatro dos dez episódios da season final. Entre eles, o primeiro e os dois últimos. A série podia ter acabado antes, mas de qualquer forma termina num bom ponto, mostrando que nada será o mesmo depois de um trauma destes que foi a existência de Gillead. Azar dos estadunidenses, que escolheram ser a Gillead da vida real.

sábado, 10 de maio de 2025

Book Review: “As últimas testemunhas” e “A canção da espada”

A guerra é meu livro de história. Minha solidão…Perdi a época da infância, ela fugiu da minha vida. Sou uma pessoa sem infância, em vez de infância tenho a guerra” (pág. 34).

“A infância acabou… Com os primeiros tiros. Uma criança vivia dentro de mim, mas já ao lado de alguma outra pessoa…” (pág. 191).

“Aos dez anos fui para o primeiro ano. Mas eu era grande e sabia ler, seis meses depois me passaram para o segundo ano. Eu sabia ler, mas não escrever. Me chamaram para o quadro, era preciso escrever uma palavra com a letra “u”. Fiquei parado pensando horrorizado que não sabia como se escrevia a letra “u”. E já sabia atirar. Atirava bem” (pág. 109).

Nos tempos sombrios em que vivemos do ponto de vista geopolítico, Svetlana Aleksiévitch é uma das autoras mais necessárias. A jornalista bielorrussa é responsável por dar voz à dor extrema causada pelos desmandos e irresponsabilidades de políticos e poderosos. Seus livros são como facadas na alma do qual é difícil se recuperar. Contudo, fundamentais para entender o horror da guerra, o horror da fome, o horror da máquina de propaganda governamental e como as vidas são dilaceradas quando há um conflito armado. Inclusive, a vida dos sobreviventes.

É muito difícil ler seus livros. Talvez nem tanto ou nem tão doloroso quanto foi para ela escrever todos eles. Lembro de ter assistido a uma palestra dela na Feira Literária de Paraty (Flip) de 2016 em que ela dizia que já sofreu muito com tantos livros sobre guerras e que não consegue mais escrever sobre isso. Na ocasião, ela disse que gostaria de escrever sobre o amor em seu próximo trabalho.

“As últimas testemunhas” é exatamente sobre a guerra. Mais uma vez, ela se debruça sobre a Segunda Guerra Mundial, chamada pelos russos e soviéticos de Grande Guerra Patriótica, tema de “A guerra não tem rosto de mulher” (1983) e de parte de “O fim do homem soviético” (2013). Desta vez, o objetivo do livro é colher depoimentos de adultos que eram crianças durante a Segunda Guerra. As últimas testemunhas daquele conflito, as últimas vozes a serem ouvidas que ainda estão vivas enquanto a sociedade parece esquecer o quão terríveis foram aquelas primeiras quatro décadas do século XX. A forma é a mesma literatura oralizado que consagrou o seu trabalho como escritora.

Dois sentimentos perpassam os depoimentos de “As últimas testemunhas”: a perda da infância e a necessidade de amadurecer muito antes do tempo causado pelo impacto da guerra. É de uma enorme dor no coração ler os relatos de homens e mulheres que foram meninos e meninas que perderam a chance de estudar no tempo certo, de brincar no tempo certo, de ter uma vida normal. Crianças que sabiam atirar, mas mal sabiam ler e escrever. Crianças que passaram fome e se viram separadas de seus pais.

E é muito doloroso ver como estás crianças viraram adultos com traumas para o resto da vida.

Em todos os seus livros, Aleksiévitch nos convida a experienciar o terrível mal através dos depoimentos de quem se abriu com ela para uma entrevista.

A autora faz a sua parte para que a história não se repita. É uma pena que vivamos tempos tão enevoados em que entregamos o poder a incompetentes mal-intencionados que podem nos levar a caminhos tão sombrios quanto os documentados pela autora.

“Acredito que os homens que matamos ficam inseparavelmente ligados a nós. Os fios de suas vidas, tornados fantasmagóricos, são tecidos no nosso pelos Destinos, e o seu peso assombra-nos até uma lâmina afiada nos roubar finalmente a vida”. (Pág. 135)

“Nesses tempos, raramente utilizávamos essa designação, Inglaterra. Era então um sonho, mas Alfredo, na sua fúria, levantava a cortina desse sonho e eu soube que ele queria que o seu exército continuasse para norte, sempre para norte, até que deixassem de existir o Wessex, e East Anglia, e a Mércia e a Nortúmbria para existir apenas a Inglaterra. (Pag 287)

Há muito tempo que eu desejava ler algo do escritor e historiador Bernard Cornwell. Talvez influenciado por inúmeros filmes e séries baseados nos seus livros, mas também pelos períodos históricos que ele aborda, que sempre me interessaram. Por acaso caiu na minha mão um dos livros das chamadas Crônicas Saxônicas e mesmo sendo o quarto de uma série de seis livros, eu peguei para ler.

Como eu já tinha visto a série da Netflix, “O Último Reino”, foi mais fácil não se perder e entender os personagens. mas arrisco-me a dizer que daria para ler o livro mesmo sem este conhecimento prévio. Claro que seria melhor acompanhar as crônicas do início, mas o início do livro dá um panorama sobre o ponto da história em que estamos posicionados.

Dá para dizer que foi muito bom acompanhar agora na literatura um pedaço da história de Uhtred de Bebbanburg, o saxão criado com dinamarqueses que virou o guerreiro que prestou juramento a Alfredo, então rei de Wessex, no território que futuramente viria a ser conhecido como a Inglaterra.

As Crônicas Saxônicas contam exatamente este período da história inglesa. As invasões e ocupações vikings e a luta dos saxões para os expulsarem enquanto os quatro reinos começam a se formar em um só. Uhtred é um personagem fascinante. Ainda que seja muito mais fictício do que real, acompanhar os seus feitos em meio a fatos históricos que realmente aconteceram e outros que foram usados por Cornwell apenas para fins literários nos faz pensar como a história humana é cercada de barbárie. Nada diferente de hoje em dia, mas é fato que o mundo já foi bem pior.

Fato é que Cornwell é um ótimo contador de histórias. E sua ficção histórica me deixou fascinado. Definitivamente pegarei em algum momento os outros livros das Crônicas Saxônicas para ler. Como ainda não vi a última temporada de “O Último Reino” e o filme posterior a ela, ainda tenho muito o que acompanhar e me surpreender com a saga de Uhtred de Bebbanburg.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Quatro filmes e quatro séries de abril

Os filmes e a séries mais interessantes que eu vi em abril:

Pecadores (Sinners — EUA — 2025) — Ryan Coogler surfando na melhor onda de Jordan Peele, combinando com “Um drink no inferno” (1996) e criando um filmaço de vampiro. É cheio de alma, textura, tesão e com uma trilha sonora espetacular. Consegue ser original mesmo usando os signos batidos das lendas de vampiro. E a surpresa no final foi a cereja no bolo de um filme absolutamente incrível. Já está na pré-lista de melhores filmes do ano.

A mais preciosa das cargas (La plus précieuse des merchandises — FRA, BEL — 2024) — Primeira animação de Michel Hazanavicius, diretor de “O Artista” (2011), o filme é uma história sobre sobrevivência e as marcas indeléveis da guerra.

O Regresso de Ulisses (The Return — ITA, GRE, ING, FRA — 2024) — Foi um bom aquecimento para a versão da Odisseia de Christopher Nolan que deve ser lançada em 2026. Aqui o diretor Uberto Pasolini optou por cortar todo o lado místico do texto de Homero, excluindo os deuses e outras criaturas e focando num guerreiro amargurado, envergonhado e sofrido que volta para casa 20 anos após o fim da Guerra de Tróia.

À Chegada (Upon Entry — ESP, BEL — 2022) — Um filme sobre como o sistema de imigração estadunidense é perverso e cruel. A intimidação e a humilhação para entrar naquele país é surreal.

Gangs of London (ING — 2020-, Sky Atlantic) — A terceira temporada abusou um pouco da minha suspensão de descrença, mas a série sempre entrega. E se acabou por aqui, fomos felizes. Quer dizer, os bandidos não foram.

Demolidor: Renascido (Daredevil: Born Again — 2025-. Disney Plus) — Nova York virando um estado fascista nas mãos do Rei do Crime, Matt Murdock lidando com seus traumas, o Justiceiro cachorro louco de Jon Bernthal. O Demolidor voltou forte para uma nova temporada.

Adolescência (Adolescence — ING — 2025 — Netflix) — A série é realmente tudo de bom que andaram dizendo. E eu tenho fetiche por plano-sequência. É daquelas raras produções 10/10.

The White Lotus (The White Lotus — EUA — 2021-, HBO) — Faltou uma Tanya nesta terceira temporada, mas é sempre uma diversão ver rico se dando mal em cenários paradisíacos.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Seis filmes e quatro séries de março

Os filmes e as séries mais interessantes que eu vi em março:

Vitória (Vitória — BRA — 2025) — A realidade nua e crua do Rio de Janeiro, Fernanda Montenegro maravilhosa lembrando a minha avó, a sua avó, a minha mãe, a sua mãe, emulando todas as mães e avós do Rio sem que ela conhecesse boa parte delas. Uma história real com o resumo de tudo o que o Rio tem de bom e de terrível até hoje. As cenas de tiroteio causam gatilho (crítica completa aqui).

Código Preto (Black Bag — EUA — 2025) — Um delicioso filme à moda Scooby-doo em que o Michael Fassbender faz o papel de Velma. Adorei. Há muito tempo não me divertia tanto com um filme do Steven Soderbergh. Tudo o que a Cate Blanchett toca é ouro. Especialmente porque eu decidi ignorer que ela fez “Borderlands”.

Mickey 17 (Mickey 17 — COR, EUA — 2025) — Primeiro filme de Bong Joon Ho após “Parasita”. Tem seus altos e baixos, mas o debate sobre a precarização do trabalho e o desprezo pela vida, e o trio Robert Pattinson, Mark Ruffalo e Toni Collette valem o filme (crítica completa aqui).

A história de Souleymane (L´Histoire de Souleymane — FRA — 2024) — A via-crúcis do imigrante no mundo em que vivemos. Três dias de incertezas, medos e vivendo no limite, o que é a realidade de muitos imigrantes pelo mundo. Um filme importante por mostrar uma realidade crua de opressão, abusos e falta de esperança em meio a um sonho de buscar uma vida melhor longe do seu país e da sua cultura.

Parthenope: Os amores de Nápoles (Parthenope — ITA, FRA — 2024) — Um bonito filme em que o amor é uma forma de sobrevivência e onde Paolo Sorrentino mais uma vez fala sobre o seu amor por Nápoles a partir da jornada de sua protagonista.

Acompanhante Perfeita (Companion — EUA — 2025) — O trailer excessivamente revelador deste filme quase matou a experiência dele, mas a sua história é tão legal que funciona mesmo que iniciemos o filme sabendo de uma informação fundamental para a narrativa.

Ruptura (Severance — EUA — 2022- — Apple TV) — O maior problema da segunda temporada de “Ruptura” é a comparação com a excepcional primeira temporada. Contudo, esta season 2 tem muitos momentos ótimos. Lamento que tenha ficando tempo demais na Lumon, quando o mais interessante estava justamente no debate sobre os direitos dos internos e em como eles são tratados pela Lumon e pelos próprios externos. A cena dos dois Marks discutindo é puro ouro. E o episódio final é fantástico. E fica a pergunta no ar: “Ficar com o seu interno é traição?”

Mil Golpes (A Thousand Blows — ING — Hulu — 2024-) — Antes DAQUELA série sobre a qual o algorítmo das redes antissociais tem me empurrado insistentemente goela abaixo (Calma! Eu vou ver no tempo certo!), Stephen Graham e Erin Doherty estrelaram esta série do mesmo criador de “Peaky Blinders”. “Mil Golpes” conta a história de uma gangue de mulheres e da transformação do boxe de briga de rua em esporte na Londres do século XIX. É bem legal.

Reacher (Reacher — EUA — 2022 — Prime Video) — Adoro “Reacher”. É uma grande presepada atrás da outra. Ele está sempre certo, bate em todos os poderosos e leva uma vida minimalista pelos Estados Unidos. A terceira temporada é a mais fraca de todas, mas ainda assim é sempre uma diversão ver suas mentiradas. O Jack Reacher só podia ser mais aberto com os sabores de sorvete. Sorvete de lavanda pode ser legal!

A travessia (A travessia — RTP — POR — 2025) — Série portuguesa bem legal sobre a pioneira travessia do Atlântico de avião feita por pelo aviador, oficial da Marinha portuguesa e nome de rua no Rio de Janeiro Sacadura Cabral e pelo geógrafo, navegador, historiador, oficial da Marinha portuguesa e igualmente nome de rua no Rio de Janeiro Gago Coutinho. Eles deram o pontapé inicial para que hoje possamos pegar um voo diário para atravessar o Oceano em poucas horas. Para uma série barata, inclusive, os efeitos especiais estão bem ok.

domingo, 16 de março de 2025

“Vitória”: A luta de uma idosa contra a criminalidade e a impunidade no Rio

Lembro muito bem quando o jornal Extra publicou uma série de reportagens que contava a rotina do tráfico de drogas na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Na época, eu era um jornalista ainda iniciando a carreira, que trabalhava num jornal da minha cidade e achei impressionante a coragem que Dona Vitória teve movida por uma indignação pelo que ela via acontecer pela janela do seu apartamento em Copacabana. Conhecendo a realidade do Rio de Janeiro, eu não teria a mesma coragem.

Vale a pena demais ler as reportagens do jornalista Fábio Gusmão e que bom que o Extra as republicou recentemente. Leia aqui a série “Janela Indiscreta” do Extra.

Vinte anos depois das reportagens, chega aos cinemas “Vitória”, filme inspirado na história daquela senhora. Estrelado por Fernanda Montenegro e dirigido por Andrucha Waddington, que pegou o projeto depois do falecimento do diretor Breno Silveira, o filme infelizmente é um recorte muito real da vida no Rio de Janeiro.

Sob a interpretação magistral de Montenegro, Waddington soube captar tão bem a vida amalgamada que coexiste na cidade que é uma das vitrines do Brasil para o mundo. O Rio tem a beleza, as relações cordiais, as trocas de pequenos favores por dinheiro, as pessoas que se ajudam gratuitamente, a simpatia dos seus habitantes, mas também tem a corrupção, a má educação, o desrespeito, a relação simbiótica do poder com a ilegalidade. A crueldade do crime, a impunidade, o medo de não se estar seguro nem dentro de casa.

Qualquer um que já tenha vivido próximo a uma comunidade tão fortemente comandada pelo tráfico quase tem gatilhos de transtorno de estresse pós-traumático com as cenas do tiroteio que mostram Vitória deitada no chão, ou dormindo dentro do banheiro com medo de uma bala perdida. Para não falar de quem realmente tem que viver na linha de frente dentro das comunidades sob o jugo do tráfico.

O maior mérito do filme é dar essa textura tão viva a uma vida no Rio que nas últimas duas décadas teve pequenos picos de melhora em meio ao oceano sem fim de problemas. A própria Ladeira dos Tabajaras continua sofrendo de problemas semelhantes aos denunciados por Vitória há 20 anos, como mostra uma reportagem do Extra publicado neste mês de março.

Outro ponto forte do filme é aliar o drama social com uma reflexão sobre a solidão na velhice. Dona Vitória é sozinha e, por isso, valoriza tanto as interações que têm com Bibiana (Linn da Quebrada) ou o menino Marcinho (Thawan Lucas), que vive na favela perto do seu prédio, mas a ajuda com as compras e em pequenos favores no dia a dia. E por isso, ela faz de tudo para tentar protegê-lo quando Marcinho começa a ser cooptado pelo tráfico.

A solidão é inevitável na velhice, mas isso não faz de Vitória uma mulher triste e amargurada. Pelo contrário, mesmo antes de se indignar com o que acontece na frente da sua janela, Waddington mostra uma mulher ativa, que vive a sua vida com as limitações naturais do corpo. Uma mulher que tem a sua rotina, caminha na praia, tem os seus momentos de diversão e que tenta ajudar ao próximo e ser justa na medida do possível. Seus embates com o síndico e os moradores do condomínio em que vive são os momentos que demonstram muito bem que a sua indignação e senso de justiça vão para todos os lados. Do mais alto escalão da polícia às pessoas com quem convive diariamente.

“Vitória” toma algumas liberdades em comparação com a história original publicada na reportagem de Fábio Gusmão. O principal deles é o personagem Marcinho, mas seu acréscimo é um ganho para a história, pois mostra uma realidade bastante conhecida de quem mora no Rio. A transformação de um menino bom em soldado do tráfico pela falta de oportunidades e pela pobreza da família.

Por outro lado, muitas passagens que parecem irreais realmente aconteceram. Como o fato de Vitória afrontar o tráfico. Num dado momento, os traficantes realmente sabiam que ela estava filmando, mas aparentemente tinham tanta segurança de que nada aconteceria com eles que simplesmente pouparam a vida dela por acharem que ela era apenas uma velha maluca. Também é real a bala que atingiu a casa dela, uma realidade infelizmente bem comum de quem vive perto de zonas de conflito. Também é real a resistência em sair do apartamento em Copacabana conquistado com tanto suor. No fim, a reportagem só foi publicada porque Vitória aceitou deixar Copacabana e entrar para programa de proteção à testemunha.

A identidade de Vitória só foi revelada em 2023, quando ela faleceu em Salvador, na Bahia, onde foi morar quando entrou para o programa de proteção a testemunha. Joana da Paz desejava ter a sua história contada em um filme e sonhava até com Fernanda Montenegro no papel dela. Embora não tivesse tido a chance de ver o filme pronto, seu desejo foi atendido. E mais do que isso, ganhou um ótimo filme que ajudará a eternizar ainda mais o seu ato de coragem.

Nota 8,5/10.

sábado, 15 de março de 2025

Book review: “A máquina de fazer espanhóis” e “Baratas”

“éramos sempre noventa e três pessoas no feliz idade. sempre noventa e três velhos ali metidos. e não havia alteração disso. a cada fuga, alguém entrava de novo a compor o número preciso de utentes, como um universo perfeito, completo, que se alimenta dos restos de tempo que as pessoas têm”. (Pág. 273)

“A máquina de fazer espanhóis” é o terceiro livro que eu leio de Valter Hugo Mãe. “Descobri” esse escritor através de uma entrevista a um programa de TV do Brasil, o “Roda Viva”. Na ocasião, ele estava lançando o excelente “As doenças do Brasil” e eu me identifiquei muito com diversos pontos abordados por ele nessa entrevista.

O “Roda Viva” foi o estopim para eu abrir o caminho para a sua literatura justamente com “As doenças do Brasil”, que Mãe considerou na entrevista o seu melhor livro, e, aos poucos, eu tenho me aprofundado no seu trabalho tão interessante não apenas pelo conteúdo, mas também pela forma da sua escrita sempre subvertendo pequenas regras da língua ao abolir as letras maiúsculas.

“A máquina de fazer espanhóis” inicialmente me parecia um livro bem triste e que jogava a culpa na sua cara. Especialmente os que já tiveram parentes em asilos. Ou melhor, “casas de idosos” para usar um termo mais politicamente aceitável nessa nossa vida de eufemismos.

Ao descrever a realidade de uma série de idosos, o livro parece navegar entre uma reflexão sobre a finitude da vida e o nosso descarte da sociedade a medida em que envelhecemos.

Acontece que com o avançar da história, o livro vai ficando ainda mais fascinante. O “feliz idade”, maravilhoso nome do asilo que é uma ironia, mas também remete à “felicidade”, que não deixa de ser um eufemismo irônico, é o fim, mas também um recomeço nos estertores da vida daqueles personagens.

No convívio com os outros idosos, há muitas dores, angústias, doenças e a morte está sempre à espreita na medida em que o corpo e a mente começam a falhar. Contudo, há também novas amizades, companheirismo e um senso de comunidade criado entre iguais com algumas coisas em comum.

Se o asilo parece um corredor da morte com diferentes escalas até o fim, também é um espaço de boas e nostálgicas conversas, brincadeiras, arrependimentos, lembranças e um conforto no fim da vida.

Ao escrever este livro, Mãe disse que quis imaginar uma terceira idade para o pai, que morreu muito cedo. Com isso ele escreveu praticamente um arquétipo da vida em um asilo. Todos os padrões estão ali. Tudo em meio a reflexões sociológicas, antropológicas, culturais e políticas.

Valter Hugo Mãe é para mim cada vez mais um dos autores vivos mais interessantes de se acompanhar. Certamente hei de ler mais obras dele num futuro bem próximo.

Nota 9/10.

Review também publicada no meu perfil no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/7372673149

“Atle Moines, ex-político democrata-cristão, ex-presidente da Comissão de Finanças, era agora um ex em tudo o resto também” (pág. 18)

Tenho uma certa dificuldade em compreender o sucesso de Jo Nesbø como escritor. Ele não é exatamente um autor com um refinamento estético ou alguém que tenha inventado ou revolucionado um gênero. Paradoxalmente, porém, eu me vejo bastante interessado em acompanhar a saga do seu detetive Harry Hole, um clássico personagem bad boy incompreendido, alcoólatra e que usa de subterfúgios para resolver seus casos de assassinato.

“Baratas” é o segundo livro da saga de Hole. Depois de resolver um caso complexo na Austrália, Hole agora é mandado para a Tailândia para investigar o assassinato de um embaixador norueguês.

Nesbø usa uma fórmula consagrada para escrever a sua história: crime, investigação, primeiros suspeitos, desvio de rota, suspeito principal, correção de rota, clímax, resolução e explicação do caso. Eu diria até que suas histórias se assemelham a um tipo de literatura conhecida como pulp fiction, ou seja, aquele tipo de entretenimento rápido sem grandes pretensões artísticas.

Uma de suas qualidades é inserir elementos da história e cultura local nas suas narrativas e com notas explicativas. Foi assim em “O Morcego”, com uma série de informações sobre os aborígenes e a própria Austrália e agora em “Baratas”, com diversos dados interessantes sobre a Tailândia.

Em resumo, Nesbø não é genial, mas é agradável. Quem gosta do gênero policial/crime pode gostar dos seus livros. Eu mesmo não vejo a hora de partir para o terceiro livro da saga de Hole. Vai ver o segredo do seu sucesso está na forma como a sua escrita simples e direta associada a uma espécie de cor local conquistam muitos leitores.

Nota 7/10.

Review também publicada no meu perfil no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/7256212012

domingo, 9 de março de 2025

"MIckey 17", a precarização do trabalho e o desprezo pela vida humana

Pattinson é um dos pontos altos do filme
Desde que Bong Joon Ho venceu surpreendentemente o Oscar de melhor filme por “Parasita” (2019) em 2020, criou-se pelo menos para mim uma grande expectativa sobre os futuros projetos do diretor sul-coreano. O prêmio da Academia o deu visibilidade e, certamente, gerou interesse em quem quisesse investir capital financeiro em seus futuros trabalhos.

Adaptar o livro de ficção científica “Mickey 7” do autor pouco conhecido Edward Ashton e lançado em 2022 pareceu uma escolha intrigante para um diretor que vinha de um filme com uma fortíssima crítica social como “Parasita”. Intrigante, mas não estranha, pois o universo de sci-fi que traz um tema social por trás já havia sido explorado por Bong Joon Ho em “Expresso do Amanhã” (2013).

O resultado desta empreitada finalmente chegou aos cinemas com “Mickey 17”. Oitavo longa do diretor, “Mickey 17” é uma dark comedy futurista e uma sátira política sobre a precarização do trabalho e o desprezo pela vida humana não apenas pelo sistema explorador do mercado, mas também pelos líderes que escolhemos para nos guiar para um futuro seja dentro de um recorte de um grupo social, seja como nação. No filme, Bong Joon Ho usa da comédia com tons de absurdo para refletir e criar paralelos até bem óbvios, quase desenhados, com o mundo atual.

O filme gira em torno de dois personagens equidistantes na cadeia alimentar do sistema social. De um lado Mickey Barnes (Robert Pattinson), um homem vivendo no limite e vítima de suas escolhas fracassadas que o fizeram tomar uma decisão drástica. Do outro, Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), um político fracassado que perdera duas eleições, mas cujo dinheiro e influencia ainda o colocam no topo da pirâmide social, ainda que suas ideias variem entre o equívoco e o crime.

O projeto de colonização do planeta Niflheim une estes dois personagens. Para Marshall, ele é a volta por cima de criar uma sociedade em que ele pode comandar como um ditador bufão autocrata e seus ideais de eugenia. Na ausência de um cargo oficial, Marshall quer fundar o seu próprio mundo em Niflheim junto com seus seguidores ensandecidos usando bonés vermelhos. Qualquer semelhança com os tempos atuais da política estadunidense não é mera coincidência.

Para Mickey Niflheim é a única saída. Marcado para morrer por um agiota de quem deve uma fortuna, Mickey é o trabalhador braçal meio estúpido e sem grandes qualificações que abraça uma oportunidade bizarra para entrar na expedição e fugir da morte. Mal saberia ele, que ele se tornaria um especialista em evitar a morte, mas não de um jeito agradável.

Para partir para Niflheim, Mickey se alista num programa de “Dispensáveis”, um projeto pioneiro criado na Terra, mas dinamitado por questões éticas que Marshall quer retomar no caminho para Niflheim. O programa dos Dispensáveis consiste em criar clones infinitamente de quem faz parte dele para que o corpo desta pessoa possa ser usado em dezenas de estudos ou missões extremamente perigosas. Missões como descobrir os efeitos da radiação no corpo humano ou servir de cobaia para o desenvolvimento de uma vacina contra um vírus mortal. A única regra do programa é que só pode existir um único ser vivo naquele presente momento. Os chamados “Múltiplos”, ou seja, dois clones coabitando o mesmo espaço-tempo são proibidos e punidos com a extinção imediata da pessoa envolvida.

Quando escreveu o livro, Ashton disse que queria contar uma história que refletisse sobre uma espécie de imortalidade que fosse combinada como uma estrutura social exploradora. Por mais que tivesse feito uma série de alterações para o filme, como o próprio autor confirmou, Joon Ho manteve essa essência em “Mickey 17”. No seu filme, a vida de um Dispensável não vale absolutamente nada. Cada um dos Mickeys cumpre a sua missão de forma até resignada, mas detesta a morte e a consequente “reimpressão” que sempre vem com as memórias do clone anterior. Cada Mickey tem a memória das mortes anteriores. Num dado momento, um deles chega a dizer que “toda a nossa a vida é uma punição”.

Mickey é tratado como um experimento, uma figura dispensável, por praticamente todos os que estão na expedição para Niflheim. Além de ser tratado como um objeto vivo, Mickey ainda tem que conviver com as constantes perguntas de seus colegas: “Qual é a sensação de morrer?”. Curiosamente, Bong Joon Ho nunca deixa que esta pergunta seja respondida em todo o filme.

Mickey é a mão de obra mais barata e desprezível de um sistema opressor. A nave colônia para Niflheim é um microcosmo de uma fábrica. A maior parte usa o mesmo tipo de roupa, com a mesma cor e tem tarefas específicas designadas que devem ser cumpridas regiamente para dentro de um sistema rigorosamente controlado. Nesta cadeia, Mickey é o mais dispensável de todos. Tanto que ninguém faz o menor esforço para o salvar mesmo quando ele parece estar ainda vivo em determinadas situações.

Tudo muda, porém, quando uma de suas cópias, o 17, não é morta como se imaginava que ele seria ao se encontrar numa situação limite. Quando volta para o seu quarto, Mickey 17 se vê numa enrascada ao perceber que está deitado na sua cama o Mickey 18, a sua nova cópia. Agora eles são múltiplos e o perigo da extinção é iminente.

Curiosamente, é a existência de um clone-irmão que escancara o que já vínhamos percebendo e Pattinson soube construir com tamanha perspicácia ao longo do filme. A ideia de que cada Mickey pode ter as mesmas memórias, mas cada um deles é um indivíduo único. Apesar dos esforços externos de mostrar que um Mickey é só mais um Mickey e, portanto, irrelevante, cada um tem um traço único, uma característica de personalidade que o anterior não tinha. E isso fica mais cristalino quando 17 e 18 coexistem. O Mickey 17 é um people pleaser que evita conflitos e tenta cuidar da sua vida e das suas tarefas sem aparecer muito. Mickey 18 é agressivo, confiante e não leva desaforo para casa. E cada Mickey de Pattinson tem um detalhe diferente que o torna único e cuja vida não merecia ser tão desprezada e jogada no lixo como o sistema tenta fazer com que acreditemos.

Se Mickey é a metáfora da precarização do trabalho e a efemeridade da vida. Marshall é o símbolo do poder que constrói esta sociedade decadente e caótica. Interpretado de forma provocadora e caricatural por Ruffalo, Marshall é o exemplo cristalino do governante idiota, ignorante, incapaz de coordenar ideias que infelizmente temos visto com extrema frequência em posições de poder pelo mundo. Um dos exemplos cristalinos disso está na forma como Marshall lida com os seres vivos que habitam Niflheim, a ponto de, no momento mais desenhado possível do filme, chamar os seres de extraterrestes apenas para ser corrigido por um membro da tripulação que afirma que extraterrestes em Niflheim são os humanos.

Curioso que o adiamento do lançamento do filme em um ano o fez entrar em cartaz num momento bastante propício para traçar paralelos entre Marshall e Donald Trump. De fato, Ruffalo parece em alguns momentos emular os absurdos do atual presidente estadunidense, no que é muito bem acompanhado por Toni Collette, que faz Ylfa, a esposa de Marshall.

Quando traça estes paralelos com o sistema exploratório capitalista em que vivemos e a política estadunidense, “Mickey 17” vai bem. No entanto, o filme parece se perder um pouco quando tenta debater as questões de colonização e imigração a partir da relação dos humanos com as criaturas que habitavam Niflheim, que Marshall chama de “creepers”.

Todo este subplot se acumula no terço final do filme e se confunde com a resolução dos dramas de Mickey e Marshall e uma tentativa de golpe que surge subitamente num momento capital de “Mickey 17”. No fim, acho que faltou uma sintonia mais fina para concluir a história que vinha sendo bem desenvolvida nos dois terços anteriores do filme.

“Mickey 17” não tem o mesmo peso e a mesma excelência de “Parasita”, mas não deixa de ter reflexões igualmente importantes. É um filme menos sutil e em alguns aspectos mais expositivo do que o anterior de Bong Joon Ho. Contudo, o trabalho do diretor sul-coreano continua sendo um dos mais interessantes de se acompanhar nos últimos tempos.

Nota 7,5/10.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Algumas considerações e o meu ranking de filmes do Oscar-2025

Meus quatro favoritos do Oscar-2025
Bem amigos das redes antissociais. Chegou o grande momento. O momento de falar sobre o Oscar 2025. Esta edição especial. Esta edição em que, como diria o Galvão Bueno, será um grande Haaaaaaaaja Coração! Para todos os brasileiros. Menos para este que vos tecla, pois eu sou frio, calculista e aquariano. Me disseram que aquariano era frio e sem emoções feito um Peaky Blinder e eu resolvi assumir esta persona para manter o meu distanciamento crítico.

Mas enquanto ainda não sabemos se o Brasil vai finalmente ganhar a Copa do Mundo do cinema ou se permanecerá como uma espécie de Holanda da sétima arte (incrível, revolucionária, mas com teias de aranha na sala de troféus), vamos aos comentários implacáveis sobre a edição deste ano do prêmio da Academia.

Falando apenas sobre os indicados a melhor filme, este foi um ano bem interessante. Há filmes muito criativos e de baixo orçamento que foram feitos com o dinheiro de um salgado e um refresco. Há superproduções, há queridinhos da indústria americana (sim, estou falando de você “Wicked”), há filmes que foram do amor ao ódio nas redes antissociais (vixi, “Emilia Perez”, acho que tu não ganhas mais nem eleição para síndico) e há uma diversidade interessante de temas e histórias. Deixaram até o body horror entrar na festa.

No entanto, de acordo com o instituto de pesquisas CornetaStats, a nota média dos indicados a melhor filme caiu 0,65 em relação ao ano passado e ficou em 7,9. Em 2024, tivemos o melhor ano da série histórica com uma nota média de 8,55. No entanto, 7,9 não deixa de ser uma boa nota média.

Mas vamos aos comentários mais detalhados por categoria e, claro, o ranking dos filmes indicados ao Oscar. Consegui ver quase todos os indicados deste ano. Só fiquei devendo o documentário “Porcelain War”, que não consegui ver nem pelos meios legais nem pelos meios pouco republicanos. Nem parece que o filme existe.

FILME — Nosso apoio incondicional vai para…. “Ainda estou aqui”. O que é péssimo para o filme brasileiro, pois em geral o trabalho que eu mais gosto não é premiado. O filme do Walter Salles é definitivamente o melhor entre os indicados. E lamento até hoje que o diretor brasileiro não tenha ganhado uma indicação como realizador também. No entanto, ficaria bem feliz se “Anora” ganhasse. É um filme incrível. Tanto “Ainda estou aqui” quanto “Anora” estiveram no meu top-5 de melhores filmes de 2024. Acho que “O Brutalista” também seria uma boa escolha, mas eu duvido que o povo da Academia tenha visto o filme inteiro na velocidade normal (OBS: aproveitando o ensejo, é errado ver filme ou série em velocidade 1,5x ou maior ou pulando cenas). Também ia curtir se “Duna: parte 2” ganhasse, mas qual a chance real de o filme de Dennis Villeneuve sair campeão este ano? Parece improvável. Embora em maior ou menor nível eu goste dos outros seis indicados, acho que eles não merecem levar para casa o principal careca dourado da noite. Não que isso vá mudar a minha vida. Na segunda-feira eu terei que ir trabalhar normalmente do mesmo jeito.

ATOR — Aqui eu fico entre o Adrien Brody e Colman Domingo. Acho tão bom o trabalho de Brody em “O Brutalista”. Já o Domingo consegue ter tantas camadas em “Sing Sing”, que, aliás, merecia estar na categoria principal. Também gosto do Sebastian Stan em “O Aprendiz”, mas nem na ficção o Donald Trump merece ganhar qualquer coisa. Se tivesse que votar somente em um, acho que escolho Brody.

ATRIZ — Minha favorita é a Fernanda Torres por “Ainda estou aqui” (OBS: eu vou ter que repetir isso constantemente, mas eu não sou pachequista. Ela é minha favorita porque a acho a melhor). Também seria bem legal se a Mikey Madison ganhasse por “Anora”. Gosto da Demi Moore em “A substância”, mas a vejo abaixo, inclusive, da Cynthia Erivo em “Wicked”. Já a Karla Sofia Gascón é um dos pontos fracos de “Emilia Perez” e, portanto, acho que não seria um prêmio justo.

DIRETOR — Aqui o meu favoritaço é o Sean Baker, de “Anora”. Em segundo lugar, mas bem atrás, o Brady Corbet por “O Brutalista”.

ATRIZ COADJUVANTE — Não vejo um trabalho que se sobressaia muito entre as cinco indicadas. Se eu tivesse que votar em uma, seria na que mais me surpreendeu, a Ariana Grande, em “Wicked”. E se tivesse que descartar uma, talvez seja a Isabela Rossellini, mas só mesmo por ser muito pouco tempo de tela, embora ela tenha uma cena fundamental em “Conclave”. Não acharia de todo ruim se ganhasse a Zoe Saldaña (“Emilia Perez”) ou a Felicity Jones (“O Brutalista”).

ATOR COADJUVANTE — Aqui eu tenho três favoritos: Kieran Culkin, Yura Borisov e Jeremy Strong. Curioso que tanto Culkin quanto Strong parecem estar fazendo variantes de seus personagens em “Succession” em “A verdadeira dor” e “O Aprendiz”, respectivamente. Gosto mundo de ambos e meu favoritaço é o Culkin. Mas ficaria bem feliz se o Borisov vencesse por “Anora”.

ROTEIRO ADAPTADO — Gosto de todos, mas acho que “Sing Sing” merece alguns prêmios para compensar a injustiça de não estar na categoria principal. No entanto, também ficaria satisfeito se “Um completo desconhecido” ou “Nickel Boys” vencessem.

ROTEIRO ORIGINAL — Também gosto de todos, mas se tem um que, para mim, é MESMO original no sentido de algo nunca ou, vá lá, raramente visto, é “A substância”. Gosto da forma como o filme aborda os problemas que as mulheres vivem na indústria do cinema a partir do seu roteiro. Minha medalha de prata vai para “Anora” e o bronze para “A verdadeira dor”.

FILME INTERNACIONAL — Se “Ainda estou aqui” é o meu favorito para filme, naturalmente é o meu favorito aqui. Mas se tudo der errado, que o prêmio vá para “A semente do fruto sagrado”, pois é outro filmaço da lista.

ANIMAÇÃO — Mais uma vez eu terei que lamentar que a melhor animação não irá ganhar. O hype está em torno de “Flow” e “O robô selvagem”, que são animações bonitas, mas a melhor mesmo é “Memórias de um caracol”.

DOCUMENTÁRIO — Dos quatro que vi, meu favorito é o desesperador “No Other Land”, mas tanto “Black Box Diaries” quanto “Soundtrack to a coup d´etat” mereciam o prêmio.

FOTOGRAFIA — Fico entre “Nosferatu” e “Duna: Parte 2”. Se for para votar em um, vamos de “Nosferatu”.

MONTAGEM — Aqui meus favoritos são “Conclave” e “Wicked”, com vantagem para o primeiro.

TRILHA SONORA — “Wicked” parece uma escolha meio óbvia aqui, mas eu realmente acho que a trilha sonora do “Conclave” funciona muito bem e dá toda uma personalidade ao filme.

FIGURINO — Vamos esquecer que “Gladiador 2” está aqui. Vamos esquece que este filme sequer existiu. Os quatro restantes são todos trabalhos muito bons. Só que para além da exuberância de “Wicked” e do rigor de “Nosferatu”, eu ficaria com o figurino de “Um completo desconhecido”.

DIREÇÃO DE ARTE — Cinco candidatos e uma escolha muito difícil. Vou ficar com “Wicked” nesta disputa com “Nosferatu”, “Conclave” e “Duna: parte 2” pelo lugar no meu coração.

CANÇÃO ORIGINAL — Nenhuma canção é muito marcante para mim. Ficarei cm “Like a Bird”, de “Sing Sing”.

EFEITOS VISUAIS — Vou ficar com “Duna: parte 2” porque este filme merece ser premiado. Mas “Wicked” seria o meu segundo favorito.

MAQUIAGEM E CABELO — Mais uma vez me vejo no dilema entre luz (“Wicked”) e sombra (“Nosferatu”). Ficarei com o filme de Robert Eggers, especialmente pelo visual do seu Nosferatu. “A substância” é o meu medalha de bronze.

SOM — Mais um prêmio em que escolho “Duna: parte 2” como o meu favorito.

Dito isso, assim ficaram distribuídos os meus carecas dourados:

3 carecas — “Ainda estou aqui”

2 carecas — “Wicked”, “Sing Sing”, “Conclave”, “Nosferatu” e “Duna: parte 2”

1 careca — “O Brutalista”, “Anora”, “A verdadeira dor”, “A substância”, “Memórias de um caracol”, “No Other land” e “Um completo desconhecido”.

Para finalizar, vamos ao ranking do Oscar:

1- “Ainda estou aqui”

2- “Anora”

3- “Sing Sing”

4- “A semente do fruto sagrado”

(Os filmes acima estão classificados para a Libertadores)

5- “Duna: parte 2”

6- “O Brutalista”

7- “Nickel Boys”

8- “Setembro 5”

9- “Um completo desconhecido”

10- “No Other Land”

11- “Trilha sonora para um golpe de estado”

12- “A verdadeira dor”

(Os filmes acima estão classificados para a Copa Sul-Americana)

13- “Allien: Romulus”

14- “Conclave”

15- O Aprendiz”

16- “Emilia Perez”

17- “Um homem diferente”

18- “A substância”

19- “Memórias de um caracol”

20- “Wicked”

21- “Better Man: A história de Robbie Williams”

22- “Black Box Diaries”

23- “Elton John — Never too late”

24- “Nosferatu”

25- “Planeta dos macacos: O Reinado”

26- “Divertida Mente 2”

27- “Flow”

28- “Maria Callas”

29- “O robô selvagem”

30- “Sugarcane”

(Os filmes abaixo foram rebaixados para a Série B)

31- “Batalhão 6888”

32- Wallace & Gromit: Avengança”

33- “Gladiador 2”

34- “A garota da agulha”