sábado, 15 de novembro de 2025

“O Agente Secreto” e a ditadura como o monstro sempre à espreita

Wagner Moura está excepcional no filme
É muito bom ver que um ano depois de “Ainda estou aqui”, um dos melhores filmes brasileiros de 2025 e o escolhido do Brasil para tentar uma vaga no Oscar de língua estrangeira seja outro filme que reflita sobre a ditadura brasileira.

Mais do que nunca, o Brasil precisa refletir muito e martelar muito no tema da ditadura da mesma forma que os alemães refletem anualmente sobre o nazismo em seus filmes.

Dirigido por Kléber Mendonça Filho“O agente secreto” é sobre um país que segue a sua vida sem olhar para os horrores que acontecem ao lado. Sobre um país que pula carnaval enquanto a polícia não se interessa pelos corpos no meio da estrada. Um país em que pessoas vivem escondidas com medo de serem assassinadas pelo regime militar enquanto a figura do ditador Ernesto Geisel paira onipresente.

Foi um período cheio de “pirraça”, como descrito com picardia pelo diretor no início. Neste país cheio de pirraça, Marcelo (Wagner Moura) é um professor especializado em tecnologia que precisa se refugiar em Recife depois de alguns acontecimentos violentos pelos quais passou.

Marcelo encontra refúgio na casa de dona Sebastiana (a maravilhosa Tânia Maria), que logo sabemos que hospeda uma série de pessoas perseguidas, os chamados “refugiados”. Com um novo nome e emprego, Marcelo sabe que o tempo não está ao seu lado. Que ele precisa o quanto antes pegar o seu filho e sair do país antes que seja tarde demais.

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Na Recife de Mendonça Filho, a ditadura é sempre um monstro à espreita. Crimes são cometidos e encobertos por corrupção e lenda urbana, mortes são encomendadas enquanto a vida segue seu fluxo normal.

Há uma certa sensação de alienação que décadas depois gerará um bando de viúvas da ditadura que acham que o Brasil era bom naqueles tempos. Que não havia corrupção nem violência. Por isso, o filme é muito feliz em mostrar exatamente tudo isso ao mesmo tempo em que passa uma sensação de vida normal. Uma falsa sensação, mas muito palpável em meio a tensão que o filme emana desde o seu primeiro minuto.

Marcelo tem sempre uma sensação ruim à espreita, está sempre olhando para todos os lados e desconfiado de quem se aproxima dele. Vive 24h sob a tensão de ser a próxima vítima da ditadura. Para ele, o único caminho é o exílio.

Refletimos muito pouco sobre o impacto da ditadura no Brasil e especialmente nas famílias que tiveram parentes perseguidos, torturados e mortos pela ditadura. Por isso o filme é muito feliz em ter um final seco, um curto abrupto da história para mostrar o reflexo da perseguição política décadas depois.

A partir da história de Marcelo e daqueles que o cercam, vemos retratos de vidas que foram prejudicadas e destruídas pelo Estado. O que esperamos que nunca mais ocorra. O Brasil não precisa de mais “pirraça”.

OBS: Nunca me perguntem qual o meu filme favorito do Kleber Mendonça Filho. Entre “O som ao redor” (2012)“Aquarius” (2016)“Bacurau” (2019)“Retratos Fantasmas” (2023) e “O Agente Secreto” eu escolho ficar com todos, pois são todos excelentes. Que filmografia excepcional deste diretor.

Nota 9/10

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