terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A nada mole vida do escritor

Dovlatov perdido entre palavras censuradas
O cenário russo é pesado. Talvez seja o clima, a língua, as roupas fechadas para as pessoas aguentarem o frio inclemente. Talvez seja o excesso de bebida e cigarros, mas a olhos ocidentais que nunca pisaram na Rússia, o cinema daquelas bandas sempre parece pesado, com personagens de almas desgastantes e taciturnas. Vemos isso em filmes como “Leviatã” (2014) e “Sem Amor” (2017). De fato, nunca vi uma comédia russa. Nem sei se este tipo de filme existe. 

“Dovlatov”, por exemplo, passa longe disso. Pelo contrário. É uma história real sobre persistência, sobre resiliência em meio ao duro regime soviético então sob o comando de Leonid Brezhnev (1964-1982). 

Naqueles tempos dois artistas viviam na marginalidade. O poeta Josef Brodsky (Artur Beschastny) e o escritor e jornalista Sergei Dovlatov (Milan Maric). Ambos nunca tinham os seus trabalhos publicados em jornais e revistas simplesmente porque não exibiam um cotidiano idílico e heroico da pátria soviética ao mesmo tempo em que tinham relações com o Ocidente. Dovlatov, por exemplo, foi expulso do Sindicato dos Jornalistas da União Soviética porque havia publicado textos no Ocidente. Seu primeiro livro foi destruído por ordens da KGB. Brodsky teve a sua poesia considerada pornográfica e anti-soviética. Chegou a ter trabalhos confiscados, foi interrogado e, pelo menos duas vezes, foi internado num hospício. O poeta ainda foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados em uma fazenda em Norenskaya.  

A ambos não apetecia versar sobre a gigante União Soviética. Afinal, o filme mostra que boa parte da população vivia em condições de pouca dignidade, falta de dinheiro, sem satisfazer as necessidades básicas e comprando artigos básicos apenas através de contrabando internacional. 

Nesse clima, Dovlatov, o protagonista desta história, andava de jornal em jornal, de revista em revista, tentando publicar suas histórias. Era sempre rejeitado pelo viés crítico que dava às filmagens dos filmes de propaganda soviéticos. Era aconselhado a ser mais “otimista”. Todos deviam ser otimistas e falar sobre os heróis soviéticos. O filme de Aleksey German deixa transparecer que havia um pouco de uma grande alienação coletiva. 

Dovlatov, porém, não conseguia esbanjar tamanho otimismo. Retratava o que via sem heróis e a grandiosidade de épicos gregos que frequentemente o filme traz à tona para comparar com o hiperbolismo soviética. 

É curioso notar estas diferenças e ver como Dovlatov demorou a ser reconhecido. O que mostra como todo regime que detém um demasiado controle do poder e domina a sua população com rédeas curtas é maléfico para o povo. 

Tanto Brodsky quanto Dovlatov só vieram a ser reconhecidos depois de imigrar da URSS. O primeiro para Veneza. O segundo para os Estados Unidos. 

O primeiro livro de Dovlatov só foi publicado em 1989, ano da queda do muro de Berlim e em plena vigência da glasnost, quando houve o rompimento do bloco soviético. O escritor, porém, não viveu muito para ter o reconhecimento do seu trabalho. Morreu em Nova York, em 1990, de parada cardíaca, aos 48 anos. 

Mas de qualquer maneira Dovlatov conseguiu atingir o sonho de infância de tornar-se um escritor. Ao fim do século XX estava entre os favoritos dos russos. E por isso, para conhecer a sua história, seu filme é tão necessário. Por mais que soe um pouco pesado e de difícil digestão. 

Cotação da Corneta: nota 6,5.


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