sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A força de duas mulheres

"Roma" transborda em beleza
À primeira vista, “Roma” parece um interminável filme de 2h15min onde nada acontece. Mas é na dramaticidade da vida que reside a força do novo filme de Alfonso Cuarón. 

Na história de um ano da vida de uma família de classe média do México, Cuarón soube captar e entender que a essência de tudo está nos detalhes. Está na dor expansiva de Sofia (Marina de Tavira), cujo marido a trocou pela amante deixando-a sozinha para cuidar dos quatro filhos. Ou está na dor silenciosa de Cleo (Yalitza Aparicio), jovem empregada da casa que se vê envolvida num problema ao engravidar de um homem que apenas a usou. 

A jornada de amor, carinho, dor e respeito une Sofia e Cleo, patroa e empregada, mundos tão diferentes, fragmentos de suas famílias que se unem para manter a sanidade enquanto segue-se o curso dessa caminhada muitas vezes dolorosa que conhecemos como vida.

Desde o início Cuarón vai quebrando os signos dessa história para mostrar a união de duas mulheres tão diferentes que tentam, de certa forma, encontrar forças uma na outra enquanto lidam com a ausência e inoperância dos seus homens lixo que a deixaram para trás. 

“Você está sempre sozinha”, alerta Sofia, num momento de sarjeta ao chegar bêbada em casa e batendo com o carro enorme em todas as paredes da estreita garagem da casa da família. Um claro contraste com o cuidado que o marido tinha com o carro ao mesmo tempo em que não exibia o mesmo zelo com a sua própria família. 

Em tempos de grande sucesso da obra de Elena Ferrante, a tetralogia que começa a ganhar vida com a série da HBO e que conta uma história de empatia e rivalidade entre duas amigas, “Roma” também é uma história de duas mulheres tão distintas que precisam se apoiar para manter a sanidade. Ainda que nesta obra não haja momentos de rivalidade, mas a dor de cada uma que atravessa pela outra e que encontra empatia de ambos os lados.

Quando se espera que o filme se encaminhe para mostrar as dificuldades da empregada diante da falta de compaixão dos patrões, Cuarón mostra que o seu filme caminhará por outra vertente. É na acolhida da patroa diante da empregada temerosa de perder o emprego ao descobrir que está grávida que fortalece-se ainda mais a relação destas duas mulheres. 

A jornada de Cleo, no entanto, não deixa de ser a mais interessante. Por mais que se sinta inserida naquela família, aquela nunca é a sua família. Quando anda pela casa, seus passos são marcados, seus olhares são auto-vigiados, seu desconforto é evidente, pois o seu lar não é o seu lar. Ela só se sente à vontade com a irmã. 

Talvez por isso ela tenha tentado buscar um amor como a irmã. E a associação com Fermin (Jorge Antônio Guerreiro), foi a pior possível, pois ele se revela alguém que não é confiável em todos os aspectos. 

Cleo também se vê num profundo incômodo com a gravidez. Ela não lhe agrada, a culpa só a consome. E somente o mar limpa a sua alma a ponto de fazê-la finalmente desabafar, em meio aos prantos, o quão indesejado era aquele filho. 

“Roma” tem uma força enorme, mas não é um filme fácil. São muitas as cenas lentas em que nada além da vida acontecem. Mas há muita beleza no trabalho de Cuarón. E nessa jornada da vida, com diferentes turning points, marcas profundas e a necessidade de ressignificações é que “Roma” é tão grande. 

Cotação da Corneta: nota 8,5

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