sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Cotação da corneta: 'Homens, mulheres e crianças'

É duro ser adolescente
Defina "Homens, mulheres e crianças" em uma frase? Duas horas de pessoas paranoicas, solitárias e infelizes conversando pelo WhatsApp. É uma possibilidade. Aqui vai mais uma: Como as redes sociais transformaram os seres humanos em indivíduos freaks e sem alma. Mark Zuckerberg não curtiu. Acho que nem "A rede social" (2010), que conta a história de como ele construiu o Facebook com algumas passagens pouco republicanas de sua biografia, depõe tanto contra ele, quanto o novo filme de Jason Reitman.

Não que Zuck se preocupe com isso. Afinal, além de ser um dos criadores da rede pela qual você vai compartilhar esse texto para ajudar a tornar a corneta popular, ele já comprou para o seu império de valorização do próprio ego dos anônimos o Instagram e o WhatsApp. E Twitter e Tumblr que se cuidem. Zuck também tem uma fortuna estimada em US$ 33,1 bilhões e fala mandarim. Deve ser muita onda falar mandarim.

Enfim, eu estou fugindo do assunto. Mas nem tanto, pois para Jason Reitman os brinquedinhos de Zuckerberg  e seus concorrentes, aliados aos nossos maravilhosos smartphones, são objetos de transformação de seres humanos em vegetais. Sem querer ofender o brócolis.

 A intenção era até boa. Em entrevista recente, Reitman explicou que o objetivo era uma reflexão sobre o que toda essa nova tecnologia está fazendo conosco, além de acabar com as nossas colunas.

"Julgar a internet é um pouco como fazer um julgamento de nós mesmos. É uma criação humana construída a cada microssegundo por qualquer um que tenha um telefone, uma conta de e-mail ou de Facebook. Para ser sincero, é um lugar onde nos tornamos honestos e explica de uma forma assustadora o que vemos e o que procuramos. Mas é um momento de referência para nós para decidir quem você quer ser" disse o diretor ao jornal inglês “Guardian”.

A premissa soa interessante não é? Porém.... não funciona. Isso porque "Homens, mulheres e crianças" nos exibe uma coletânea de personagens vazios sim, insignificantes sim, mas que surfam a onda da caricatura. E como não é uma comédia, fica difícil acreditar naquela galera que está "forçada" demais. No filme, nós temos:

1- A mãe extremamente paranoica que checa diariamente cada mensagem da filha nas redes sociais e gasta pilhas de papel para ler tudo com atenção. Ou seja, além de achar equivocadamente que está protegendo a cria ao colocá-la numa bolha, ela não tem nem consciência ambiental. O único refúgio da filha é no Tumblr.

2- Tem ainda uma outra mãe que é o extremo oposto e faz da filha cheerleader uma verdadeira mercadoria, sendo vendida pela internet e onde mais aparecer para se tornar uma estrela. Claramente ela deposita na jovem as suas frustrações da juventude.

3- Filha essa que faz de tudo para ser a nova celebridade do mundo moderno. Desde inventar experiências sexuais que nunca teve até manter um website sexy e fazer de tudo para participar de programas de TV estilo "Big Brother" e "A Fazenda".

4- E não podemos esquecer do jovem tarado de internet que, no entanto, não consegue seguir adiante na hora do “quem sabe, faz ao vivo”.

Poderiam ser personagens interessantes se o comportamento deles não fosse tão surreal até para as mais altas escalas de viciados em pornografia na internet ou mães superprotetoras. Tudo é um tom e meio exagerado. Parece um daqueles filmes dos irmãos Coen com personagens esquisitões.

A corneta pode estar sendo preconceituosa. Pode não ter entendido direito a proposta, mas não consegue achar que funciona. Afinal, o filme não tem aquele humor para personagens tão exagerados. Lembrem-se, eles são todos, eu disse TODOS, desolados, infelizes e solitários. O que é outro problema. Não tem ninguém que tenha um comportamento mais positivo em toda essa cidade. Deve ser horrível viver num lugar assim.

Além de mostrar que a internet é um lugar perigoso, “Homens, mulheres e crianças” dá uma viajada pelo espaço com direito a teorias de Carl Sagan. Eu realmente não consegui captar a intenção de Reitman nesse caso. Acho que perdi todos os meus neurônios na batalha tentando entender “Interestelar”.

Reitman é um cara de filmes legais que não encontrariam censura naquele horário da “Sessão da Tarde”. Ele fez “Juno” (2007), aquele filme fofinho sobre uma adolescente grávida que entrega a criança para uma outra família, que ganhou um Oscar pelo roteiro escrito por Diablo Cody, e “Amor sem escalas” (2009), aquele filme em que o George Clooney sai pelos Estados Unidos demitindo pessoas com um sorriso no rosto de quem está tomando um café daquelas maquininhas, que concorreu a seis Oscar.

São dois filmes que têm fãs e detratores. Eu gosto de ambos (um gosto sem muita empolgação, sem exibir um sorriso cheio de dentes, mas gosto). Contudo, “Homens, mulheres e crianças” não é do mesmo nível. E toda aquela superexposição de redes sociais na tela, toda aquela conversa de WhatsApp durante duas horas em algum momento cansa e torna o filme um tanto enfadonho, ainda que ele não seja necessariamente pavoroso. E a mensagem que se tenta passar definitivamente não convenceu a corneta. Assim, o filme ganhará uma nota 5.

OBS: Enquanto esse texto era produzido, eu chequei o Facebook três vezes, abri o Twitter duas vezes, o Instagram uma vez e travei 15 conversas pelo WhatsApp. Meu Deus! Será que Reitman está certo? Eu estou virando um vegetal? Um brócolis com telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor?

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