terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Tubarões canibais

O mercado financeiro não é para santos. E isso é uma coisa que “Margin Call – o dia antes do fim”, deixa bem claro. Desde o início é um individuo querendo puxar o tapete de outro para salvar a própria pele e ainda faturar alguns milhões de dólares para garantir uma vida mais tranquila.

Primeiro trabalho do diretor J.C. Chandor, o cenário deste filmaço é a crise econômica de 2008 que iniciou com a quebra do Lehman Brothers. O nome do banco nunca é citado, mas sua história está nas entrelinhas da companhia comandada com inteligência e sagacidade por John Tuld (o sempre ótimo Jeremy Irons). Tuld não entende absolutamente nada de mercado financeiro. Nada do que faz nos mínimos detalhes a empresa que comanda. Mas é um líder e tem visão a frente do seu tempo e isso basta para fazê-lo sentar na cabeceira da mesa e prever o apocalipse com algumas poucas palavras ditas pelo jovem Peter Sullivan (Zachary Quinto), que, para resumir tudo e usar uma linguagem que até um cachorro entenderia, descobre que tem coisa fedendo ali e vai dar merda.

Voltemos um pouco no tempo. Um passaralho está voando pelo banco e cortando cabeças em doses industriais. É um massacre de alta proporção e quem permanece pode se considerar vitorioso.

Uma das vítimas dos agentes de demissão (igual aquele personagem do George Clooney em “Amor sem escalas”) é Eric Dale (Stanley Tucci), da área de riscos. As mulheres com cara de poucos amigos o oferecem um acordo que é aceitar e pegar a grana ou aceitar na marra e ficar sem nada. Dale ainda argumenta sobre uma pesquisa que está fazendo e recebe o seco: “Isso não é mais problema seu”. Em seguida, como um prisioneiro culpado deixa o local escoltado por um segurança mal encarado sem nem ter a chance de retirar suas coisas do seu computador. Sua senha foi bloqueada, seu telefone ficou bloqueado e só lhe resta pegar uma caixa com seus poucos pertences e voltar para a casa.

Antes, porém, entrega um pen drive-bomba para Sullivan, o jovem promissor que ele contratara. Pede que analise os dados com carinho e, principalmente, muito cuidado. O que se segue é a crônica da tragédia da qual os Estados Unidos ainda tentam se reerguer e pode custar a cabeça de Obama na eleição do ano que vem. Afinal, o problema sempre foi a economia, estúpido.

Sullivan tem uma mente brilhante, mas é esta mente que vai provocar o ocaso da companhia a menos que um plano de emergência canalha seja posto em prática. Vender todos os ativos podres para gente que não sabe que eles são podres o mais rápido possível antes que a imprensa comece a investigar e descubra que há algo de, com o perdão da redundância, podre no reino de Wall Street.

Tuld sabe que o que acontece no seu terreno é o divisor de águas. E como águia do mercado quer se antecipar até na tragédia para se reerguer mais forte e antes de todos. O problema é que, aparentemente, Sam Rogers (Kevin Spacey, brilhante), ainda tem um resquício de dignidade nos seus olhos. Talvez a doença do seu cachorro, o único companheiro de um homem separado e sem nada além do trabalho como motivação, tenha amolecido o coração deste velho homem de 34 anos bem frisados na companhia.

Mas Rogers sabe o que deve ser feito. Tuld também. Assim como Will Emerson (Paul Bettany) e Sarah Robertson (a constrangedora Demi Moore). Sarah é a cabeça que Tuld entregará aos investidores, o boi de piranha que terá que aceitar seu destino em troca de um bom acordo. Emerson é o cara que vai se dar bem por estar no lugar certo e na hora certa. É outro que se antecipa aos acontecimentos por conhecer a história da economia do mundo. Sabe que não será demitido e ainda vai faturar uma grana. Previra um colapso, afinal algo tinha que estar errado com tanta gente comprando carros e casas e consumindo cheia de felicidade. Uma hora a bolha iria explodir.

Assim, estes e outros personagens vão se digladiando enquanto o mercado estremece. Uns tiram vantagem de outros, uns se dão bem, outros saem pela porta dos fundos e a tensão toma cada segundo do filme.

“Margin Call” tem muita linguagem econômica. Neste ponto lembra o primeiro Wall Street, “Poder e Cobiça” (1987), mas não é preciso ser versado no glossário de bônus e hipotecas para sentir a tensão do filme. Mérito dos ótimos atores e da direção e roteiro de Chandor. E o que se tem no fim é um filme sensacional. Talvez o melhor que eu tenha visto sobre a mais recente crise. Agora os outros é que vão ter que correr atrás para produzir algo melhor sobre a lama de Wall Street.

Nenhum comentário: