terça-feira, 8 de março de 2011

Um programa furado

Apoiada em “Fake Plastic Trees”, Raquel Pacheco constrói um mundo oco a partir de uma realidade deslocada da qual ela nunca pertenceu nem mesmo por questões sanguíneas. Na canção do Radiohead que a embala, Raquel virou Bruna, a menina que tem jeito de surfistinha. Experimentou a ascensão, queda e volta por cima num curto espaço de tempo “numa cidade cheia de planos de borracha/para se livrar de si mesma”.

Assim nasceu a prostituta mais famosa do Brasil, cuja história foi contada no livro autobiográfico “O doce veneno do escorpião” e agora ganha as telas pelas mãos do diretor Marcus Baldini e com Deborah Secco se entregando de corpo (e que corpo!) e alma ao papel principal sem medo de nada. Principalmente de cenas que podem marcar uma atriz e que serão comentadas na eternidade do cinema brasileiro.

O problema é que a música do Radiohead que poderia ser a inspiração máxima para um filme que tinha tudo para ser intenso, profundo e com um certo lirismo surge apenas perto dos créditos finais e o que fica de “Bruna Surfistinha”, o filme, é uma história cheia de clichês e artificial com uma atriz que até se esforça para fazer a película única, mas nem sempre dá para você conduzir o barco sozinho.

“Bruna Surfistinha” tinha tudo para ser um puta filme, mas é apenas um filme sobre uma (ex-)puta (eu precisava fazer esse jogo de palavras infame). É um filme tão artificial quanto uma boneca inflável, a relação de uma prostituta com o seu cliente ou... nas palavras de Thom Yorke e cia: “Ela parece a real coisa/ela tem o gosto real/meu amor artificial de plástico”.

Baseado na autobiografia da ex-prostituta, o filme conta a história de Raquel desde o momento em que deixa a casa dos pais adotivos e vai tentar a vida como uma prostituta num puteiro de São Paulo. Do início difícil em que fatura 40% de cada trepada de R$ 100 com seus clientes até a high society da prostituição quando já podia cobrar uns R$ 300 a hora, é um viagem relativamente rápida que se torna perigosamente lisérgica quando Raquel, já com a alcunha de Bruna, se entrega à cocaína com afinco e vê tudo o que conquistara virar literalmente pó.

A grande sacada de Bruna foi a criação de um blog em que relatava suas experiências sexuais e dava notas ao desempenho sexual de cada homem com quem ela ia para cama. Foi o que levou a ter sucesso e a se tornar uma das prostitutas mais conhecidas do país. Só que as drogas falaram mais alto, as contas vieram cada vez mais altas e Bruna acaba no fundo do poço num pardieiro vendendo o corpo por R$ 20.

Deborah faz essa trajetória com afinco. No início, quando faz a tímida estudante, ela parece que vai botar tudo a perder, mas cresce no filme justamente quando Raquel vai se transformando em Bruna. E Deborah ainda tem o mérito de não ter medo de fazer o que tem que ser feito para viver uma prostituta no cinema. Talvez outras tivessem alguma restrições ao grande número de cenas de nudez ou um pouco mais ousadas. Mas ora, é uma história em que a cama e o que se passa nela tem papel fundamental.

O problema para a atriz é que o roteiro de José de Carvalho, Homero Olivetto e Antonio Pelegrino não funciona. O texto é fraco, resumindo-se a colagens de passagens da vida de Bruna sem muita ligação. E isso se se reflete na câmera de Baldini.

Além disso, Deborah é uma exceção. Cássio Gabus Mendes, que faz o cliente apaixonado que vai tirar Bruna daquela vida, parece um robô que eventualmente demonstra algum sentimento pela prostituta. Fabiula Nascimento (Janine) até poderia rivalizar com a protagonista, mas pouco aparece. O mesmo acontece com Drica Morais, que faz Larissa, a dona do primeiro puteiro de Bruna.

Com isso, “Bruna Surfistinha” não decola. Era um filme que tinha tudo para ser marcante, mas o seu melhor momento acaba sendo na trilha sonora já no apagar das luzes do espetáculo. Nada, porém, que vá impedir o sucesso comercial da película. Afinal, sexo ainda vende. E muito bem.


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