sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O justiceiro em outra batalha

Beto Nascimento (Wagner Moura) entra no seu apartamento pequeno e escuro cuja sala é equipada por uma TV antiga e um pequeno sofá. Da mesma perspectiva se vê o solitário justiceiro entrando na cozinha para abrir uma geladeira vazia onde a água é a bebida que refresca a alma de um corpo marcado pela guerra. Estamos no Rio de Janeiro, onde o outrora capitão, hoje tenente-coronel "caiu para cima" depois de anos de serviço ao Bope e assumiu a subsecretaria de Segurança do estado. Seus ideais são os mesmos aos quais ele dedicou toda a vida. A caveira passou a ser mais importante do que ele próprio, que viu sua vida pessoal se acabar no divórcio junto com o afastamento do filho.

Pior do que ter que lidar com as ausências, é saber que sua ex-mulher se casou com um almofadinha pacifista que acha que bandido tem que ser tratado de forma humana enquanto ele tem em mente apenas o melhor plano de dizimá-los da face da terra. O futuro deputado Fraga (Irandhir Santos) é a antítese do caveira Nascimento e aliado improvável de uma guerra que agora é mais complexa do que o velho esquema caubói mocinho vs bandido.

Agora a corrupção e a podridão do Rio de Janeiro estão expostas em valas coletivas. Ela fede em cada esquina, em cada gabinete de políticos corruptos, apresentadores de TV aproveitadores, da classe alta e da classe média conivente e de policiais que na pior lógica darwinista se adaptam em meio ao caos para tirar vantagem de tudo e sem intermediários.

O subtítulo do petardo do diretor José Padilha intitulado "Tropa de elite 2" é "O inimigo agora é outro". O inimigo está no sistema, essa entidade que tem tentáculos de polvo e rede digna da mais aterradora máfia italiana. Ele está nas comunidades sufocadas pelo tráfico que busca uma solução. O sistema tem agora outra ponta na sua pirâmide e seu nome genérico é milícia.

É com ela que Nascimento agora terá que lidar dessa vez pegando menos em armas e fazendo um trabalho de inteligência a partir de um fato que vai mudar a sua visão e fazê-lo botar a mão no lixo que domina o governo.

Nascimento é uma espécie de Frank Castle brasileiro, um justiceiro como o personagem dos quadrinhos que narra o seu filme como o seu diário de guerra. O Rio é o seu Iraque, o seu Afeganistão ou a Nova York de Castle, e a sua vida é com movimentos extremamente pré-determinados para que ele não seja surpreendido. Nascimento precisa estar sempre um passo a frente dos inimigos. É assim que ele escapa de emboscadas e consegue salvar da morte as pessoas que ama. É assim que é a sua vida.

Longe da questão comparativa, “Tropa de elite 2” é mais do que melhor ou pior do que o primeiro, uma continuação da história desse anti-herói chamado Nascimento que lida com seus demônios para tentar levar segurança a uma cidade caótica como o Rio. Ele nunca foi fascista como o acusaram no primeiro filme (e o roteiro de Bráulio Mantovani dá uma alfinetada no tema), e nem “amoleceu” ou “se sentiu culpado pelo passado” agora. Apenas saiu de frente do campo de batalha para lutar em outras frentes numa batalha muito mais complexa, numa guerra de trincheiras em um complicado e intrincado xadrez em que se ganha uma vez e se perde outras 15. Reconhece erros, é verdade, mas continua sendo um caveira.

Padilha conseguiu juntar neste segundo filme todos os elementos que jogaram o Rio no fundo do poço e dar um retrato fiel da cidade a partir disso. Ele declarou certa vez que fez o filme que gostaria de ter feito. Enquanto isso eu me pergunto se certos personagens da cultura local facilmente identificáveis vestiram a carapuça.

Não terei essa resposta. Independentemente dela, a conclusão a que posso chegar é que o excelente trabalho capitaneado por Padilha é daqueles filmes fundamentais para entender o Rio. Além de ser uma obra cinematográfica única.

2 comentários:

Anônimo disse...

Mto bom o texto de um excelente filme.
Comprei os dois livros e o Padilha conseguiu montar a história de maneira inteligente e Arrojada.

Abs, fabio balassiano

marcelo alves disse...

É verdade. Obrigado pelo elogio.
abs,
marcelo