quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Rio nostálgico e romântico de Jabor

Numa bucólica rua do subúrbio do Rio de Janeiro, um pipoqueiro fala algumas sacanagens para jovens que param por ali para discutir as reminiscências sexuais da adolescência enquanto outros discutem em um banheiro quem é melhor: Ademir Marques de Menezes ou Heleno de Freitas. O Rio tem seis grandes clubes com a presença de América e Bangu ao mesmo tempo em que um avô dá lições de vida ao jovem neto sob o testemunho de um céu estrelado e lindo, algo raro em tempos de poluição.

É um Rio menos veloz, menos sujo com a inocência do carnaval de rua e onde o jazz anda disputando espaço com o nascente rock and roll, invenção americana aportando na cidade que é o coração e a alma do Brasil. Mas na Lapa, essas “músicas moderninhas” não tem vez nas casas de dança onde brilham o samba e o choro. Casas estas coladas aos puteiros com o que há de melhor e pior para se satisfazer de acordo com o gosto do freguês.

Demorou 26 anos – desde “Eu sei que vou te amar” (1984) - para que o jornalista Arnaldo Jabor deixasse um pouco de lado sua verve ácida com que vocifera contra os desmandos e escândalos do governo Lula e sua futura sucessora Dilma Rousseff e voltasse a pegar numa câmera para rodar um Rio de Janeiro dos seus sonhos. Um Rio de Janeiro idílico presente na sua memória e por vezes retratado em suas crônicas no Segundo Caderno do Globo.

Agora o pipoqueiro, as prostitutas, o avô e tantos outros personagens ganharam imagem, cor, falas e movimento num roteiro de um filme essencialmente nostálgico com uma visão romântica da cidade que o cineasta conheceu a partir do seu nascimento há 70 anos.

Essa poderia ser uma definição apressada de “A Suprema Felicidade”, novo filme de Jabor após esse longo hiato. Outra descrição básica é o óbvio que o filme conta a história do crescimento e do amadurecimento do jovem Paulinho (Jayme Matarazzo, que faz o personagem na adolescência e idade adulta) e sua relação com o avô (um estupendo Marco Nanini, dono da película), num Rio de Janeiro entre o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 e o fim da década de 50 e início da década de 60.

É um enredo simples num roteiro que, é verdade, se perde por vezes nas suas idas e vindas (ou faz com que nos percamos) e tem cenas que parecem não ter muito nexo com relação ao resto da história. Mas assim também não é a vida? Por vezes não nos deparamos com situações sem sentido que nos tiram do eixo normal, do destino previamente traçado e depois que passamos por elas retomamos o rumo anterior? Ou não?

Poderia se dizer que o filme de Jabor é sobre nada. E alguns amigos deste blogueiro comentaram isso para criticá-lo. Mas é também sobre tudo porque ele é um pouquinho da vida. Uma reflexão sobre essa atividade pulsante que gosta de quem gosta dela como bem lembra o personagem de Marco Nanini.

Sim, “A Suprema Felicidade” é por vezes cansativo. Talvez funcionasse melhor com uns 20 minutos menos. Ele tem também um ritmo bem menos acelerado do que nos acostumamos a ver hoje em dia e por isso às vezes causa rejeição de quem o assiste. Mas não é diferente nessa questão específica do ritmo de qualquer Fellini ou Godard. E acho que isso é um problema mais do espectador, não do filme.

Se você se perde nestas idas e vindas sem ordem cronológica, é aí que vale se apegar aquela definição básica do neto que aprende os segredos da vida com o avô apaixonado por cada segundo que lhe resta e por tudo o que ela, a vida, lhe oferece descritas acima. E apreciar o filme sem moderação ou pré-conceitos.

“A Suprema Felicidade” pode não ser a película que entrará na lista de melhores da sua vida, mas ele é um trabalho simpático (ou fofo, como descreveu uma amiga minha) do diretor que consegue nos brindar com esse Rio mais romântico e único para quem o viveu. Eram tempos pré-“Cidade de Deus” (2002) e “Tropa de Elite” (2007).

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