domingo, 26 de setembro de 2010

Os vilões que amamos

Nunca achei Michael Douglas um grande ator. E os últimos filmes dele que vi - “Refém do Silêncio” (2001) e “O Sentinela” (2006) – só reforçaram esse meu conceito de que ele é um ator mediano de alguns bons filmes. Um Richard Gere melhorado. Mas é fato que quando o filho do também ator Kirk Douglas, uma das estrelas de Hollywood nos anos 40 e 50, penteia o cabelo para trás e veste o terno do vilão Gordon Gekko se transforma e quase me faz mudar a avaliação.

Gekko é o investidor sem escrúpulos e ética que seria capaz de colocar até a mãe a venda desde que o dinheiro fosse bom. Foi este vilão carismático que ninguém conseguiu odiar apesar de seus atos terríveis que deu a Douglas o seu único Oscar de ator em 1988 por “Wall Street – Poder e Cobiça” (1987). Na pele dele, Douglas se sente à vontade e centraliza as atenções no primeiro filme nos seus duelos com Charlie Sheen (Bud Fox), o pupilo que também virá a derrubá-lo num enredo tipicamente hollywoodiano de criador versus criatura.

Mal comparando, Gekko é para Douglas o que Catherine Tramell representa para Sharon Stone. A vilã de “Instinto Selvagem” (1992) e “Instinto Selvagem 2” (2006) torna Sharon melhor do que ela é e também é daqueles bandidos que não conseguimos deixar de gostar. Por coincidência, Douglas, no papel do detetive Nick Curran, é a primeira vítima das maldades de Tramell.

Aliás, seria interessante, curioso e um tanto quanto sádico ver um duelo num hipotético filme entre os dois personagens que fazem tudo por seus únicos objetivos na vida. Gekko cobiça ardentemente o dinheiro como Tramell o sexo e o que dele pode criar de histórias para seus livros com toques para lá de reais. Criar, inventar e especular é também uma arma de Gekko para atuar no mercado e na compra e venda de ações. Verdade e mentira são vias paralelas que volta e meia se encontram a partir do desejo de ambos, os senhores de suas próprias histórias e vetores delas. Se para Gekko “Greed is good” (“Ganância é bom”), o mesmo Tramell poderia achar do sexo selvagem e da provocação que ela faz com conseqüências diabólicas.

Sharon não ganhou nenhum Oscar, mas foi indicada uma vez por “Cassino” (1995). Por outro lado, fez mais filmes bons do que Douglas. Na minha opinião, apenas. Deve-se descontar dela, meus desejos nada ocultos.

Mas voltando ao objeto de observação deste post, Douglas está de volta aos cinemas na pele de Gordon Gekko. Novo trabalho e o melhor em muitos anos do diretor Oliver Stone, “Wall Street – O dinheiro nunca dorme”, coloca novamente o diretor americano no mainstream depois de bobagens como “Comandante” (2003) e “South of the border” (2009) e filmes de qualidade para lá de discutível como “Alexandre” (2004), “As Torres Gêmeas” (2006) e “W” (2008). Sem contar a amizade com Hugo Chávez que depõe contra qualquer um.

O novo Wall Street se passa quase duas décadas depois do primeiro. Gekko acaba de sair da prisão e o mundo vai começar a sofrer com a tal da bolha que levou à crise mundial jogando a economia americana e boa parte da mundial no fundo do poço. Quem leu jornal nos últimos dois anos não terá dificuldades em entender o que se passa nesse cenário ao mesmo tempo em que Gekko está deixando a prisão e usa um ponto de interrogação sobre a sua famosa frase para inverter a lógica, vender livros e faturar alto dando palestras. Greed não é mais tão good, mas se questiona se “Is greed good?”.

Stone usa do artifício americano de quase idolatrar os seus vilões meio canalhas para fazer Gekko dar a volta por cima após ter passado muito tempo mofando na cadeia. Quando ele sai, tem total consciência da nova ordem mundial onde não se usa mais celulares do tipo tijolão e rappers fazem tanto sucesso que podem pagar por limusines que ele costumava usar para iniciar suas festinhas com drogas e prostitutas na sua versão bastante própria de bon vivant.

Mas Gekko é um animal do mercado que sabe agarrar as oportunidades e multiplicar os seus ganhos. Faria US$ 10 renderem cem vezes em uma semana. Imagina o que não faria com os US$ 100 milhões que ele conseguiu esconder muito bem das autoridades federais a partir de uma conta criada para a sua filha Winnie (Carey Mulligan, de “Educação” – 2009)?

Em diversas oportunidades, Stone disse que “Wall Street – O dinheiro nunca dorme” é um filme sobre a família, relações familiares, um pai tentando reatar com a filha. Nada tem a ver com mercado, bolsa de valores e subprimes. De fato, o economês está bem menos presente neste filme do que no primeiro, que era a história de um jovem absolutamente ganancioso querendo enriquecer fácil e rapidamente no mercado a partir do aprendizado com um verdadeiro tubarão de Nova York.

Aqui o papel deste jovem pupilo cabe a Jake Moore (o horroroso Shia LeBeouf), jovem ambicioso que se vê em meio ao furacão da crise, mas tem os mesmos sonhos de fazer dinheiro rápido e vai se casar com Winnie. A relação familiar é que vai aproximar Jake de Gekko e este passará a trocar informação de mercado por reaproximação familiar numa relação que se equilibra entre uma suposta sinceridade e a ganância, sempre ela, de Gekko. Afinal, ela ainda é boa.

Nesse ponto, o roteiro de Allan Loeb e Stephen Schiff tenta mostrar que Gekko deseja redenção, mas não deixou de ser o canalha de sempre. Mas é difícil acreditar que tubarões virem golfinhos, ainda mais num homem que demonstra amargura com a família e o sistema e se sente injustiçado por ter ficado tantos anos na cadeia por um crime supostamente sem vítimas. Ele fora preso por informação privilegiada e fraude na bolsa de valores.

Mas se esse fosse o único problema de “Wall Street”, o filme estaria muito bem posicionado no mercado. A questão é que LeBeouf não segura um trabalho desses em que não precisa correr, pular e gritar como em “Transformes” (2007) e “Transformers – A vingança do Fallen” (2009) como protagonista. Então não há duelo, disputa. Douglas o engole a cada vez que aparece em cena e o espectador deseja ansiosamente que ele retorne. Stone é bem econômico nas aparições de Douglas. O mesmo acontece quando LeBeouf tem que lidar com Josh Brolin, que vive Bretton James o novo senhor do mercado, que subiu na vida a partir da queda de Gekko.

E quando Gekko reencontra Bud Fox numa deliciosa homenagem-reencontro do diretor ao primeiro filme, a falta de um antagonista de peso para Douglas fica absolutamente evidente na tela.

Também incomoda o excesso de merchandising em “Wall Street”. Não se pede nem cerveja, mas a marca numa relação metonímica que o roteiro não precisava. O diretor justificou isso como algo normal, pois é preciso dinheiro para realizar a película. Acontece que nem em filmes de James Bond, o rei do merchandising, se vê algo assim.

Implicância com o excesso de publicidade à parte, aos 64 anos, Stone também parece estar em busca de sua redenção cinematográfica após tantas bolas fora que nem lembram o diretor de ótimos trabalhos como “Platoon” (1986), “Nascido em 4 de julho” (1989), “Assassinos por natureza” (1994) e “Nixon” (1995), para ficar em alguns exemplos. Gekko pode ser o primeiro passo, embora o diretor tivesse pecado um pouco na sua tentativa de amansar a fera. Os fãs de Gekko gostam dele exatamente por suas vilanias e não por sua compaixão e alegria de avô babão. E quem diria que no final das contas não seria um dos predadores do mercado que iriam derrotá-lo, mas apenas um neto gordinho e sorridente.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

David Lynch feelings

Ao levantar cabeça se deparou com uma perspectiva jamais imaginada quando deixou aquele pedaço de asfalto para subir uma escada que igualmente se erguia a cada passo dado. A surpresa com a escada que subia acompanhando as passadas dos seus tênis pretos só não foi maior do que o que os seus olhos castanhos viram quando adentrou o que parecia ser uma floresta encravada numa paisagem urbana onde deveria estar aqueles tão comuns prédios de vidros espelhados em que não se vê nada do que está dentro ao mesmo tempo em que todos te observam do lado de fora.

O cenário era quase paradisíaco. O clima, perfeito. O que o fez jogar fora o casaco usado numa tarde invernal apesar do sol que batia no seu rosto. Não havia escuridão, mas a copa das árvores trançadas naquela estrada de terra batida e deserta agiam quase como uma redoma natural para o mundo lá fora. Poucos raios de sol desafiavam os buracos entre as folhas.

A beleza era única. Jamais vira tamanha harmonia na natureza. Não tardou em sacar do bolso a câmera fotográfica que volta e meia o acompanhava para registrar aquilo tudo. Ao empunhar a câmera em busca da melhor imagem, porém, viu o cenário virar-se surpreendentemente num ângulo de 30 graus que quase o fizeram cair. Abaixou a câmera e tudo estava na sua órbita normal. Ergueu-a e a vertigem retornou.

- Isso não pode ser verdadeiro – exclamou.

Tentou uma tacada rápida, um flash, dois segundos. O suficiente para cair no chão. A câmera nada sofreu com a queda, mas o cenário ficou sem foco. Rendido, tentou recuar e viu que a escada havia sumido. As portas não mais estavam ali. Era preciso caminhar e descobrir uma saída, ao mesmo tempo em que estava inebriado com aquele lugar desconhecido.

Percebendo que o único registro possível do lugar só poderia ser feito com os seus olhos e as lembranças que ficariam no cérebro, guardou a câmera e tratou de caminhar.

A cada passo, a floresta o acolhia e se abria um novo caminho, um novo cenário. Estaria ele conduzindo a si mesmo ou sendo conduzido pela floresta? Estaria num labirinto sem paredes? Perdido num estado onírico ou vivenciando aquilo tudo. Não lembrava de ter adormecido.

Enquanto duvidava do que via, entrou por um caminho amplo e ao atravessar duas árvores a frente viu se abrir na sua frente um imenso campo de flores azuis intercaladas por um gramado verdinho e simetricamente aparado pela natureza.

Maravilhado com aquela imagem, não percebeu a mão delicada que o acariciou no pescoço e sem que percebesse que se tratava de uma velha amiga que não via há dez anos era arrebatado por um beijo na boca. Em instantes estava entregue a uma cama natural formada pela grama e as flores azuis.

Em êxtase, abriu os olhos para buscar energia do cansaço e viu a sua frente uma casa de madeira que não se lembrava de ter visto antes. Dois andares uma porta com uma janela ao lado. Três escadas, sempre elas. As escadas o trouxeram a floresta. Poderiam tirá-lo daquela suposta loucura?

Num verdadeiro transe largou a amiga em estado orgasmático e seguiu para a misteriosa casa onde parecia não haver ninguém morando há muito tempo. Ao colocar o pé direito no primeiro degrau da escada e se erguer não sentiu a mesma sensação de horas antes. Eram escadas, digamos, normais. Ganhou confiança e foi em frente sem sequer ter percebido que não estava nu. Quando vestira a roupa? Pergunta que ficou sem resposta.

O interior da casa era escuro, mas não impossível de enxergar. Não sentia medo, talvez pelo clima ameno e o leve e acolhedor perfume. Tomado pelo cansaço não hesitou em deitar na cama que se encontrava próxima a janela. Apesar do ambiente desconhecido adormeceu.

Quanto tempo dormira? Quantas horas passara? Não sabe dizer. Mas acordou com um enorme e repentino calor vindo da janela. Quando levantou percebeu que não mais estava numa casa e sequer na floresta. Era o quarto de um apartamento. Estava escuro, parecia noite, mas o céu era iluminado por clarões vermelhos e amarelos. Foi até a janela e viu um enorme incêndio. Enormes labaredas lambiam o grande morro em frente ao apartamento.

Nada por ali sobrava. As chamas eram gigantescas e não havia bombeiros capazes de interromper a grande tragédia que presenciava. Mesmo estando num andar alto, talvez o 15º ou 16º, conseguia ver na rua grupos religiosos de diferentes matizes rezando por uma chuva. Apenas um dilúvio bíblico, porém, salvaria a vegetação daquele morro.

Sem poder suportar todo aquele calor, fechou a janela. Embora do lado de fora as chamas estivessem consumindo toda a região, não sentia mais o incômodo com o calor. Deu uma última olhada no cenário devastador antes de se virar para explorar o apartamento em que acordara.

Parecia estar sozinho no local, mas ao chegar na sala, encontrou a TV ligada. Ali, as imagens num preto e branco cheio de riscos e áudio ruim revelavam uma figura conhecida a frente de centenas de milhares de pessoas. O homem negro de terno com aura de herói da multidão se postou diante do microfone e iniciou sua fala com a frase elucidatória:

- I have a dream...

sábado, 18 de setembro de 2010

Quarenta anos sem o gênio

Quando James Marshall Hendrix resolveu fazer uma visita ao inferno para nunca mais voltar eu não era nem um projeto de sêmen. Não havia eu. Apenas o nada. Enquanto isso, este americano com nome de xerife do Velho Oeste, mas chamado apenas de Jimi, já carregava legiões de fãs. Foi em 18 de setembro de 1970 que Hendrix resolveu tomar uma overdose de barbitúricos misturado com bebida e deitar na cama. Vomitou tudo, mas não botou para fora e foi aos poucos morrendo de forma estúpida afogado pelo próprio vômito.

Hendrix tinha 27 anos e estava no quarto de sua então namorada Monika Dannemann em um hotel de Londres na região de Notting Hill. Assim o guitarrista conhecido como o maior da história deixava o mundo após três discos obrigatórios e algumas apresentações memoráveis. A mais conhecida delas no Woodstock de 1969, quando mandou o hino nacional americano às favas e fez sua própria interpretação sem escrúpulos.

Aquela altura já tinha conseguido realizar o sonho do início da carreira quando era um guitarrista que gostava de ouvir feras como B.B. King, Muddy Waters e Elmore James.

- Quero fazer com a minha guitarra o que Little Richard faz com a sua voz – disse o músico que nasceu em Seattle, mas conheceria a fama primeiro em Londres.

Hendrix fez muito mais. É comum vê-lo no topo de todas as listas imagináveis de maiores guitarristas de todos os tempos. Alguns podem até contestar com argumentos consistentes (há quem prefira deus Eric Clapton ou Jimmy Page) ou meras birras iconoclastas. Mas Hendrix é o preferido de nove entre dez cidadãos que tentam honrar esse que é o instrumento do rock and roll. Gente que é tida como genial ama Hendrix e bebeu direto em sua fonte. E, convenhamos, como já disse o velho Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.

Entre os gênios Hendrix foi o maior. Suas performances eram sempre incendiárias e não apenas quando ele colocava fogo na guitarra. Três delas podem ser encontradas em DVDs ou vídeos no YouTube. Além do show de Woodstock, há sempre os excelentes registros do Festival de Monterrey de 1967 e o festival de Isle of Wight de 1970. Basta apenas vê-lo no palco para entender algo que texto nenhum deste blog conseguiria explicar. Neste último, ele tocou 18 dias antes de morrer. Posso imaginar qual deve ter sido a sensação de quem estava presente quando soube que ele tinha batido as botas.

Certa vez li que Hendrix não gostava de sua voz e evitava cantar. É verdade que se sentia mais à vontade com sua guitarra, a extensão da sua alma. Alternava poucos versos com longas performances com o instrumento, experimentava, fazia o que se poderia dizer numa linguagem popular, “miséria” com a guitarra. Tudo sem precisar ser um poser se fazendo de deus do rock. Sua música falava por si.

Hendrix deixou de herança musical para a eternidade “Are You Experienced?” (1967), “Axis: Bold as Love” (1969) e “Eletric Ladyland” (1969). O primeiro, além da faixa-título tinha canções como “Foxy Lady”, “Manic Depression”, “Red House” e “Fire”. A versão americana ainda contava com “Purple Haze”. O segundo tem canções como “Up from the skies”, “Spanish castle magic” e “Castles made of sand” enquanto no terceiro se destacam “Voodoo Child” e o cover “All along the watchtower” entre outras ótimas músicas.

Após a sua morte, Hendrix foi canibalizado e mais 11 discos póstumos foram lançados. O mais recente deles, o “Valleys of Neptune” neste ano, supostamente com algumas canções novas tiradas de sobras de algum sótão de Hendrix e que foi recebido friamente pela crítica. Eu confesso que ainda não ouvi. Não posso opinar.

O que importa, porém, são os três discos lançados em vida e suas apresentações ao vivo disponíveis em CDs e DVDs. Alí você vai encontrar o mestre em ação no auge de sua forma. Infelizmente é o máximo que pode ter alguém que não teve a sorte de ver este gênio ao vivo.

Vamos ao que interessa. Jim Hendrix ao vivo.

"Purple Haze"



"Hey Joe"


"All along the watchtower"


"Voodoo Child"



"Foxy Lady"



"Star Spangled Banner"

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Um álbum já clássico do Iron Maiden

Há 35 anos na estrada, o Iron Maiden já mudou duas vezes de vocalista, ganhou e perdeu membros, mas sempre foi uma indústria muito bem controlada pelo seu baixista, Steve Harris, fundador do grupo lá pelos idos de 1975 junto com os guitarristas Dave Murray e Dennis Stratton, o vocalista Paul Di’Anno e o baterista Clive Burr. Deste quinteto, apenas Harris, que assina boa parte das músicas da donzela de ferro, e Murray permaneceram no Iron que no terceiro disco, “The number of the beast”, de 1982, ganhou o vocalista que mudaria a história da banda.

Substituto de Di’Anno, que afundava em drogas e não se recusava a sair do seu processo de autodestruição, o baixinho Bruce Dickinson assumiu com personalidade a função e foi a voz do Iron nos seus discos mais bem sucedidos. De “The number of the beast” passando por outros álbuns clássicos como “Piece of mind” (1983), “Powerslave” (1984), “Seventh Son of a Seventh Son” (1988) a “Fear of the dark” (1992), da canção-símbolo do Iron.

Um ano depois do lançamento de “Fear of the dark”, Bruce abandonou a banda para cuidar de sua carreira solo e deixou um Iron apático com um vocalista – Blaze Bayley – muito fraco e dois discos que não deixaram saudade, “The X-Factor” (1995) e “Virtual XI” (1998). Seis anos depois, Bruce e o guitarrista Adrian Smith retornaram à banda que desde então mantém a atual formação com três guitarristas – além de Smith e Murray, Janick Gears – mais Harris e o baterista Nico McBrain.

A volta de Bruce não poderia ter sido melhor. Eles fizeram um discaço, “Brave New World” (2000), cuja turnê passou pelo Brasil para um antológico show no Rock in Rio. Na seqüência, outro ótimo disco, “Dance of death” (2003), e nova passagem no Rio para um grande show no então Claro Hall, hoje Citibank Hall (pelo menos até o fechamento desse texto). Há quatro anos, “A matter of life and death” quebrou o encanto. Um disco bem meia-boca e que nem ganhou muito destaque, logo depois atropelado pela turnê retrô da banda “Somewhere back in time”, que mais uma vez visitou o Brasil para um show na Apoteose.

Mas agora Bruce, Harris e os demais membros do sexteto de Leyton, ao leste de Londres, podem se orgulhar e sair pelo mundo em mais uma turnê tocando um disco inteiro se quiserem. Lançado no mês passado, “The Final Frontier” é o melhor disco do retorno de Bruce à banda e rivaliza com as melhores obras que a banda já produziu. É de levar os fãs a se regozijarem e fazerem sacrifícios em nome dos deuses do metal em celebração pela obra-prima que receberam. “The Final Frontier” é a saída para um dia de trabalho estressante e para um bombardeio de tanto lixo que recebemos hoje em dia nos ouvidos. Não precisamos citar nomes, né...

Mais longo trabalho do Iron (são 76 minutos do mais puro metal), o 15º álbum de estúdio da donzela de ferro é bem diferente dos recentes discos da banda. Não tem canções fáceis e de refrões que fixam na cabeça como o que encontramos em “Brave New World” ou mesmo em “Fear of the dark” e “The Number of the beast”. Os “ôoos” e “lálalalas” de “Brave...” também ficaram definitivamente para trás num processo que já se iniciara no álbum seguinte e fora concluído em “A matter of life and death”.

O Iron claramente optou por sair de sua zona de conforto criando letras (todas contendo a assinatura de Harris) mais complexas e difíceis de acompanhar e canções mais longas (apenas uma tem menos de cinco minutos. Uma tem 11 minutos e outras duas têm nove minutos). Tudo isso mantendo os conhecidos e longos solos de guitarra da banda.

O risco corrido por uma banda que não precisaria se arriscar mais por ter um grupo de fãs fiéis e que consumiria qualquer coisa vindo dela foi louvado pela imprensa internacional e ganhou também retorno comercial. O álbum estreou em primeiro lugar nas vendas em 21 países, incluindo o Reino Unido e o Canadá. Duas semanas depois, estava em primeiro em 28 países. Números que o Iron não colhia desde “Fear of the dark”.

Entre as críticas positivas, a revista “The Quietus” disse que “The Final Frontier” leva tempo, exige esforço, mas é esmagadoramente brilhante. Eles (o Iron) não optaram apenas pela opção mais fácil, que teria sido chato para nós, e, mais importante, que você sente que seria chato para eles também”. A “Metal Hammer” disse que “somos inacreditavelmente sortudos por eles ainda estarem por aí. Longa vida ao reino do Maiden”. A “Mojo” afirmou que era um dos álbuns mais ambiciosos do Iron enquanto a “One Metal” chamou o disco de uma “odisséia prog rock que confirma que o Iron Maiden é a melhor das grandes bandas em atividade hoje”.

A “MusicRadar” disse que o Iron “criou uma obra cheia de emoção, hipnótico, com uma estrutura não-convencional e visão estonteante”. E encerrou afirmando que o “grupo tem conseguido ir além dos seus sonhos”. Já a “BBC” elogiou o disco como “uma realização notável”.

Não é fácil sucesso de público e crítica e o Iron conseguiu com um disco que, como disse, é um dos mais bem trabalhados pela banda e um disco em que todos participaram ativamente do processo criativo mais do que em outros trabalhos como disse Smith em entrevistas um mês antes do lançamento do álbum.

Musicalmente, “The Final Frontier” tem um quê de metal progressivo como disse a "One Metal", mas a assinatura do Iron Maiden está em cada um dos seus 76 minutos que não o fazem confundir com bandas especialistas no estilo como o Dream Theater. Estão lá os longos e trabalhados solos como em “Satellite 15...the Final Frontier”, belos riffs como o que abre “Starblind”. Sem contar a absurda introdução de Harris no baixo em “El Dorado”. De fazer qualquer fã do Iron soltar urros e palavrões de emoção. Deve ser de arrepiar ao vivo. Bruce está cantando ainda melhor lembrando as turnês do “Brave new world” e do “Dance of death”. No último disco de estúdio, achei sua voz um pouco distante e perdida em meio aos instrumentos. Em “The Final Frontier”, há espaço para todos brilharem e se complementarem numa obra que se encaixa perfeitamente, em engrenagens que se movem de forma sincrônica. É devastador de se ouvir.

Os temas do álbum vão de histórias de terror a preocupações econômico-climáticas do Iron. “Satellite 15”, que abre o disco e foi o primeiro videoclipe lançado pelo grupo (clique aqui para ver), é a história de um astronauta num planeta desconhecido que se vê na sua “fronteira final”, diante da morte que será causada por uma versão alienígena do Eddie Hunter, o mascote da banda. Mas ele não se arrepende de nada. Queria apenas uma chance de falar com a família que não terá. Afinal, Eddie não perdoa. Esmaga.

“El Dorado” tem como tema a crise econômica. Fala sobre uma “noite fria de inverno em que você navega para a glória sem saber o que é certo”. Após falar sobre as “pirâmides de ouro” e avisar que “o seu dinheiro foi deixado para queimar”, a letra de Smith, Harris e Bruce diz que “não há caminho fácil para um homem honesto hoje”.

“El Dorado tem uma letra cínica sobre a crise econômica que aconteceu. Parece com uma tempestade perfeita, pessoas emprestando dinheiro como loucas. Eu pensei: 'Isso vai ferrar algumas pessoas o suficiente e estamos numa boa'. E é sobre isso que é El Dorado. É sobre vender o mito que as ruas estão pavimentadas de ouro e perguntar depois: Onde eu assino?”, disse Bruce ao explicar a letra.

As guerras sem sentido como as do Iraque e do Afeganistão são o tema de “Mother of mercy” (“Sempre pensei que estava fazendo o certo/agora não tenho tanta certeza”, “Você me disse o que é certo/Mas eu vou lhe contar a verdade/Você me disse o que é honesto/Mas tudo a volta é morte e crueldade”) e “Coming Home” (Na agridoce reflexão/quando damos o beijo de despedida na terra/quando as ondas e ecos da/cidade se tornam fantasmas do tempo”), dois musicaços que vem na seqüência.

Mais rápida do que a média do disco, “The Alchemist” pode ser encarada como uma metáfora para um período de obscurantismo na vida de alguém que foi mergulhado na ignorância e nas trevas manipulado por um alquimista de histórias e informações. Agora o personagem tenta ser resgatado dessa caverna numa alegoria platônica que parece ressurgir de forma ainda mais iconoclasta em “Starblind” (“Somos a luz que traz o fim da noite”).

“Isle of avalon” parece uma alegoria para um renascimento enquanto o pregador Bruce Dickinson anuncia nietzschianamente a liberdade em “The Talisman”. O momento é de “abraçar o oceano” e se livrar das amarras.

Fechando o belíssimo disco do Iron, “The man who would be king” fala sobre arrependimentos de decisões tomadas enquanto “When the wild wind blows” parece uma alegoria de um apocalipse ambiental como se as decisões equivocadas do rei na canção anterior levassem ao clímax negativo do planeta quando o “vento sopra selvagem”.

É quando se chega a fronteira final da existência e deve-se buscar uma saída. A do Iron foi não optar pelo óbvio. E com isso seus fãs ganharam um álbum daqueles inesquecíveis e que já nascem clássicos.

Abaixo, algumas canções do novo disco:

“Mother of mercy”


“El Dorado”



“Coming Home”



“Satellite 15...The Final Frontier”



“Starblind”

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Mais um típico filme de Tarantino

Quentin Tarantino é extremamente previsível. Em todos os seus filmes, você vai encontrar aquela linguagem pop, homenagens ao cinema com citações de filmes em diálogos do roteiro ou em cenas e os indefectíveis closes de pés femininos. Um certo jeitão trash e de filme B também é esperado.

Paradoxalmente, apesar de sua previsibilidade, quem gosta de Tarantino não se cansa dele. Seus roteiros têm quase sempre como tema central a vingança (como “Cães de Aluguel - 1992, “Pulp Fiction” – 1994, “Kill Bill” – 2003 e 2004 e “Bastardos Inglórios” – 2009) e são sempre de uma originalidade que só pode ter saído de uma cabeça no mínimo insana. E isso é um elogio.

“À prova da morte” tem tudo isso. Finalmente em cartaz no Brasil depois de três anos de espera, o filme estava incluído no projeto “Grindhouse”, parceria de Tarantino com Robert Rodriguez. A idéia dos dois era fazer o espectador ter a mesma sensação que eles tinham ao ir para uma sessão-poeira no cinema, ou seja, ver dois filmes quase sempre toscos, sem contar os trailers e propagandas bizarras.

As salas, porém, não compraram a idéia e para piorar os filmes foram mais malhados do que exaltados. “Planeta Terror”, o trabalho de Rodriguez, passou em torno de duas semanas por aqui há dois anos e poucos viram.

Beneficiado pela grife Tarantino que vem junto com as indicações ao Oscar de “Bastardos Inglórios” no início do ano, “À prova da morte” vai resistindo um pouco mais, embora em poucos e bravos cinemas do Rio de Janeiro. E o que é “À prova da morte”? Ora, um filme de Tarantino com tudo aquilo que eu já descrevi no início do texto.

Há um transbordar de pés femininos para todos os gostos, uma ode aos filmes B, diálogos criativos, belas mulheres com pouca roupa e, claro, é mais uma obra com a vingança como tema central.

No filme, Kurt Russel é Stuntman Mike, um dublê de cinema que dirige um carro potente e tem como único objetivo passar o rodo nas mulheres, matando-as com requintes de crueldade. Os motivos dele não são muito bem esclarecidos, mas Tarantino é um homem de ação e a idéia é fazer um filme tosco (inclusive com aqueles riscos e cortes surpreendentes na tela).

Mike, porém, só não contava que depois do seu primeiro e bem sucedido plano, ele fosse encontrar três garotas casca grossa na sua segunda investida dispostas a tudo a ponto de arquitetarem uma contra-vingança. É aqui que Tarantino faz sua homenagem às boas e velhas imagens de perseguições de carro para deleite dos fãs.

Em comparação com “Planeta Terror”, “À prova da morte” é menos trash e sanguinolento. Mas ambos não passam de diversão gratuita e uma grande brincadeira da dupla Tarantino/Rodriguez. Pena que poucos verão o filme na tela grande, onde as perseguições de carro e os closes na bunda de Rose McGowan ficam bem melhores.