sábado, 10 de abril de 2010

A ressurreição de Axl Rose

Nós fãs do Guns N’Roses parecemos aquela mulher de malandro que não se importa de apanhar desde que o orgasmo venha no fim. Só assim você explica que a galera "abra as pernas" assim que Axl Rose e sua competente banda adentram o palco da Apoteose depois de pelo menos duas horas de chá de cadeira para abrir os trabalhos da madrugada (a hora exata da peleja foi 1h03m) com “Chinese Democracy”.

Por ser uma canção que não é das melhores do até há pouco tempo interminável novo disco do Guns, ainda havia alguns resistentes que se alternavam entre vaias, xingamentos e homenagens à mãe do cantor. Mas quando o guitarrista Richard Fortus deu a introdução para um dos clássicos da banda, a plateia engoliu a raiva a seco e se derreteu por completo, esquecendo as excentricidades de Axl de gostar de equilibrar seus fãs entre o amor e o ódio atrasando seus shows de maneira quase épica. Mas isso não é novidade e já se disse até no passado que Axl chegaria atrasado até no próprio enterro. Enterro que pelo menos do ponto de vista artístico está muito longe de acontecer pelo que se viu na Apoteose.

Mas como eu dizia, daqueles acordes de Fortus se seguiu um petardo cruel e delicioso na alma de cada gunner: a seqüência “appettite for destruction” formada por “Welcome to the jungle”, “It’s so easy” e “Mr. Brownstone”. Orgasmos múltiplos na galera. A partir daí Axl poderia sair e voltar mais duas horas depois que ninguém mais iria se importar.

“Valeu a pena a espera”. “Que show!!!”. “Ele está cantando como nos discos”. “Parece que estou ouvindo os discos do Guns”. Estas foram algumas das frases colhidas durante a notívaga apresentação do Guns em diferentes momentos da madrugada que se estendeu por 2h30m, encerrando a apresentação por volta de 3h30m com uma bonita homenagem do guitarrista Ron Bumblefoot que tocou o hino nacional brasileiro enquanto Axl fazia os agradecimentos. Acho até que as autoridades de Pindorama deviam adotar o modelo. É bem melhor que o tradicional.

Sim, meus amigos. Como vocês vêem nas frases acima, Axl continua fat, mas apresentou uma surpreendente forma física e vocal. Surpreendente porque muitos dos 30 mil incautos que estiveram na Apoteose também estavam entre os 180 mil da Cidade do Rock há nove anos e se lembra bem que aquele show foi marcado por duas coisas. Primeiro a emoção de reencontrar uma figura que estava desaparecida do cenário musical após o esfacelamento da banda que alçou o Guns ao status de mega grupo de rock. Segundo pelos graves erros cometidos nas execuções de muitas músicas, bem como a total falta de fôlego e alcance vocal de Axl.

O marco daquele show no Rock in Rio para mim não foi a secretária brasileira que tirou o Axl do buraco entrando no palco, mas a absoluta falta de sincronismo da banda e de Axl em “Paradise City”, que fechara o show por volta de 4h depois de também 2h de atraso para começar, afinal vocês não achavam que atrasar show fosse uma novidade na vida dele.

Até a entrada de Axl no palco havia um certo temor mais ou menos geral de decepção, que só aumentava a cada minuto em pé com as dores nas costas e nos pés aumentando na espera pela democracia chinesa que jamais vinha. Isso porque algumas horas antes, o ex-vocalista do Skid Row, Sebastian Bach, fizera um ótimo show calcado nas músicas do seu mais recente disco solo, “Angel Down” (2007), além dos sucessos da velha banda, que foi o que levou mesmo a plateia a balançar a cabeça junto com ele. Especialmente em músicas como “Monkey Business” e nas baladas “In a darkened room”, “18 and life” e “I remember you”.

Amigo pessoal de Axl e, portanto, conhecedor do seu estilo de lidar com os fãs, Sebastian já dera a letra de que a noite seria longa antes de cantar “You don’t understand”.

“Muitas pessoas me perguntam: Sebastian, você é mesmo amigo do Axl? Eu respondo que sim. Então elas dizem: Ora, então onde está o Axl? E eu respondo: Oh. man, você não entende”. “Mas ele está vindo”, completaria depois o cantor. Como quem diz, tu não sabe que o cara é assim?

Simpático e sempre tentando falar algumas frases em português graças a uma providencial colinha no palco, Sebastian conquistou a galera e até ganhou um parabéns da aterradora área vip por causa dos 42 anos que completara na véspera.

O ex-cantor do Skid Row foi infinitamente superior ao Majestike, que iniciou os trabalhos da noite com um som meio Pitty, meio Nightwish tupiniquim, mas cuja apresentação foi comprometida por um inexplicável cover de Lady Gaga. Quando a vocalista Tatiane Rulêz anunciou que já conhecíamos a saideira esperávamos algo mais no clima da noite e não o que se ouviu. Mas o show teve o seu lado interessante. Vale a pena ouvir melhor o Majestike antes de emitir qualquer opinião definitiva.

Mas quando o show do Sebastian Bach terminou a sensação que ficou era de que Axl teria que sacudir muito aquela pança para superá-lo. E foi exatamente o que ele fez. Como eu dissera, Axl está em forma. Não se deixe enganar pelo tecido adiposo extra. Aos 48 anos, ele mostra no palco a mesma disposição de priscas eras. Aqueles piques de um lado ao outro do palco, sua dancinha característica com os quadris, pulos do piano. Está tudo lá como no século passado. A única diferença é a banda que o acompanha. Mas Axl conseguiu reunir um sexteto tão bom quanto o do Guns original.

Além do velho companheiro Dizzy Reed (teclados), fazem parte do império de Axl atualmente o tecladista Chris Pitman, o baterista Frank Ferrer, o baixista Tommy Stinson e os guitarristas Richard Fortus, Ron Bumblefoot e DJ Ashba.

Ferrer é melhor que Matt Sorum, um baterista que confesso que nunca gostei nem no Guns, nem no The Cult, muito menos no Velvet Revolver. E Stinson não deve nada a Duff McKagan, embora este seja mais carismático. Já Fortus, Bumblefoot e Ashba são excelentes guitarristas que não ficam atrás de Gilby Clark, Izzy Stradlin e do lendário Slash.

Os três, aliás, se revezam nos solos que eram de Slash, algo que fica bem claro durante a execução de “November Rain”, enquanto cabe a Ashba a clássica introdução de “Sweet child o’mine”.

Diferentes nos estilos, Fortus é aquele guitarrista performático que sacode e maltrata o instrumento e tira a camisa para mostrar que é macho. Bumblefoot é técnico e minimalista. Cabe a ele manusear a guitarra de dois braços. Já Ashba é o mais carismático e excêntrico. Reúne um pouco das qualidades dos outros dois e está ali para ser o novo braço direito de Axl. Foi um achado do cantor. Inclusive, em alguns momentos ele toca com um chapéu, o cigarro no canto da boca e uma guitarra Gibson que nos lembra vocês sabem muito bem quem. Natural para alguém que antes de entrar se dizia um fã da banda.

Cada um também ganha um momento para solar em paradas estratégicas que servem para apresentar a banda. Fortus usa um tema de James Bond que serve como boa introdução para o cover de “Live and let die”, dos Beatles, trilha sonora de “007 – Viva e deixe morrer” (1973) e um dos quatro covers da noite, que contou ainda com Knock on heaven’s door, de Bob Dylan, “Another brick in the wall”, do Pink Floyd, e Whole Lotta Rosie, do AC/DC. Bumblefoot, por sua vez, atacou de pantera cor de rosa.

Esta foi uma tática que poderia ser interpretada maldosamente como momentos estratégicos para Axl descansar o corpo e a voz, mas que já era usada na década de 90. Basta observar os DVDs da turnê dos discos “Use your illusion” (1991), onde são mostrados o sonolento solo de bateria de Matt Sorum, Duff cantando “14 years” e Slash solando o tema de “O poderoso chefão” (1972).

Com uma banda competente e Axl em forma, o repertório do Guns fala bem alto. O show é praticamente uma reunião de clássicos do “Appetite for destruction” (1987), primeiro disco do Guns, com músicas de “Chinese Democracy”, o álbum que há nove anos era uma lenda que circulava pela internet e foi lançado em 2009 depois de 14 longos anos de espera e gravações e regravações. O resultado, como eu já descrevi aqui no ano passado, foi um trabalho irregular, mas com algumas boas músicas que casaram bem com o repertório antigo do Guns na Apoteose. Estou falando de músicas como “This I Love”, “Madagascar”, “Street of Dreams” e “Sorry”.

Além dos já citados “Welcome to the jungle”, “It’s so easy” e “Mr. Brownstone”, são do primeiro álbum do Guns algumas canções inesperadas no show como “Rocket Queen” e “Nightrain”, além de “Paradise City”, que fecha espetacularmente o show.

Permeando as músicas destes dois álbuns, os covers e faixas pinceladas de outros discos. É assim que entra “Patience”, do “Lies” (1988), e “You could be mine” e “November Rain”, da dupla “Use your illusion”. Claro que por conta da óbvia preferência dada a “Chinese Democracy”, muita coisa boa ficou de fora como “Civil War”, “Don’t Cry” e “Stranged”, mas estas duas, por exemplo, também não estavam no set list do show de 2001.

O importante, contudo, é que o show do Guns é redondo e conduzido por uma banda afiada. Valeu a pena a espera dos anos para a volta e das horas para o início. Numa madrugada de segunda, pós-domingo de Páscoa, pode-se dizer que assistimos à ressurreição de Axl Rose. O que vem daí para frente, só o próprio Axl pode responder. Esperamos que na hora certa e sem atrasos.

Abaixo o set list do show e alguns bons momentos dos shows do Guns e do Sebastian Bach.

Chinese Democracy
Welcome to the jungle
It’s so easy
Mr. Brownstone
Sorry
Better
Live and let die
This I Love
Rocket Queen
Street of Dreams
You could be mine
Sweet Child O’Mine
Another brick in the wall
November Rain
Knockin’ on heaven’s door
Nightrain
Madagascar
Whole lotta Rosie
Patience
Paradise City
Guns N'Roses - "Welcome to the jungle"

Guns N'Roses - "November Rain"

Guns N'Roses - "It's so easy"

Guns N'Roses - "Mr. Brownstone"

Guns N'Roses - "Sweet child O'Mine"

Guns N'Roses - "Paradise City"

Sebastian Bach - "I remember you"

Sebastian Bach - "In a darkened room"

Sebastian Bach - "18 and life"

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