segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Um time e um campeonato históricos

Corria o ano de 1994 e Nelson Mandela acabara de se tornar presidente de uma nova e democrática África do Sul apenas quatro anos depois de deixar Robben Island, prisão em que ele viveu durante 27 anos. O apartheid não mais existia no papel, mas a África do Sul ainda vivia sérios problemas de racismo com a desconfiança dos brancos e o desejo de vingança de muitos negros, além de focos de violência. Tudo isso num país com sérios problemas econômicos e a população sem ter suas necessidades básicas atendidas.

Neste cenário de pura pólvora, Mandela (vivido magistralmente por Morgan Freeman) resolve dar um passo absolutamente arriscado: dar todo o apoio aos Springboks, o time nacional de rugby, emblema do apartheid, na Copa do Mundo que seria disputada no ano seguinte na África do Sul.

Novo trabalho do diretor Clint Eastwood, “Invictus”, baseado no livro “Conquistando o Inimigo” do jornalista John Carlin, conta a história de como Mandela usou o esporte para tentar unir um país dentro de uma nação multirracial, a “rainbow nation” sonhada por ele.

Ao perceber que em um jogo contra a Inglaterra, os negros torciam para os ingleses enquanto os brancos torciam para a equipe nacional, Mandela teve a ideia de dar o apoio à equipe sul-africana comandada pelo capitão François Pienaar (Matt Damon, também irrepreensível), que contava apenas com um jogador negro, Chester Williams, para dar o exemplo que na nova África do Sul não haveria mais espaço para divisões. Os Springboks, portanto, acabaram se tornando um instrumento político. Não seria a primeira vez que isso aconteceu no esporte, mas talvez fosse a primeira por uma boa causa.

Aquele desacreditado time acaba servindo com perfeição à causa e contra todos os prognósticos que davam conta que a equipe só chegaria na segunda fase acabou levantando o torneio dando o pontapé inicial na tentativa da sociedade um pouco menos dividida desejada por Mandela.

Mas outra coisa também torna “Invictus” interessante. Se o foco principal é a jogada arriscada de Mandela, o trabalho de Eastwood também é a história de um time que não era nada e se tornou uma potência no esporte. Por causa daquela equipe, hoje o rugby é um dos principais esportes sul-africanos. Campeões daquela edição da Copa do Mundo de maneira invicta e enfrentando entre outros grandes times a então campeã Austrália e os temidos All Blacks da Nova Zelândia, a equipe ainda voltaria a repetir a dose em 2003.

Os Springboks são hoje uma seleção de primeira linha. Tudo graças àquele torneio que teve muito de componente político e começou a transformar o esporte na África do Sul. Quem dera Parreira pudesse ter uma injeção de ânimo semelhante para a combalida seleção de futebol que, assim como aquela equipe de rugby, é apontada como futura fracassada e a primeira da história que será eliminada na primeira fase de uma Copa do Mundo. É claro que os Bafana Bafana não serão campeões, mas bem que o trabalho de Eastwood podia inspirá-los a pelo menos chegaram nas oitavas de final.

Como filme, “Invictus” não é o melhor trabalho do diretor. Numa comparação com suas películas mais recentes, é sem dúvida superior a “A Troca” (2008), mas está bem abaixo de “Gran Torino” (2008). Ainda assim, no entanto, um trabalho de Clint Eastwood é melhor do que muita coisa que vemos no cinema.

Por que vale a pena então assistir ao filme? Em primeiro lugar pelas atuações de Freeman e Damon, indicados ao Oscar de melhor ator e ator coadjuvante. Em segundo lugar, porque apesar de sua direção mais conservadora - você não vê nada muito diferente do que em outros filmes que retratam casos de superação pelo esporte como “Um domingo qualquer” (1999), de Oliver Stone, ou “Duelo de Titãs” (2000), de Boaz Yakin, estrelado por Denzel Washington – o filme é realmente emocionante.

E ainda há o componente de que aquilo tudo verdadeiramente aconteceu. Claro que após a decisão, e isso não é mostrado no filme, os jogadores da Nova Zelândia reclamaram de que teriam ingerido comida estragada, o que os teria deixado debilitados para a final, mas ainda que isso tenha ocorrido, não desmerece a virada da África do Sul, a dramaticidade de ter que passar por cada decisão desde a estreia contra a Austrália, passando por Romênia, Canadá, Samoa e França até a final contra os All Blacks no Ellis Park. Tudo com aquele componente político ao fundo. Nesse ponto, portanto, o filme ganha paralelo com outro trabalho de Washington, “Hurricane” (1999), além de “Ali” (2001), de Michael Mann.

Em resumo, “Invictus” não é o melhor de Eastwood, mas ainda é um cinema de primeira linha que merecia não apenas as indicações que lhe foram dadas, mas também uma por melhor filme. Principalmente conhecendo alguns dos candidatos que estão entre os 10 da Academia.

Indicações ao Oscar: melhor ator para Morgan Freeman e melhor ator coadjuvante para Matt Damon.

Abaixo os melhores momentos da decisão da Copa do Mundo de Rugby de 1995 e a festa dos sul-africanos:


2 comentários:

Ana Paula Cardoso disse...

Quero muitover esse filme, ainda mais após ler seu post. Precisava tanto falar contigo...já estou morrendo de saudades do meu companheirão das madrugas! (tenho novidades sobre The Muse. Yours. Good News)

marcelo alves disse...

Foi mal. Mas durante esse carnaval eu submergi mesmo. Fiquei trancando vendo filmes em casa. Eu exagerei na locadora. Amanhã estarei de volta na redação e por aí.