domingo, 21 de fevereiro de 2010

Lamúria em excesso

Devo confessar que gosto daqueles dramas americanos com personagens sofrendo e olhando para o nada, dilemas existenciais franceses e alemães chegando ao limite da loucura, mas “Preciosa – Uma história de esperança” é demais até para mim. O segundo trabalho do diretor Lee Daniels, cuja estréia foi com “Matadores de Aluguel” (2005), mostra basicamente uma adolescente, Clarice Precious (vivida por Gabourey Sidibe), negra, semi-analfabeta, portadora do vírus da Aids, que vive em uma família desestruturada, foi estuprada pelo padrasto e por causa disso teve dois filhos, sendo um com síndrome de down, tentando se reerguer de alguma forma de toda essa situação difícil.

Baseado no livro “Push”, da escritora Sapphire, “Preciosa” concorre a seis Oscar, mas aparentemente não é favorito em nenhum deles. Apesar das elogiadas atuações de Gabourey e da comediante Mo’Nique, que faz a mãe de Precious, elas seriam aparentemente zebras nessa disputa. Principalmente Sidibe, que concorre com a favorita Sandra Bullock (nunca pensei que um dia leria ou escreveria isso), cujo filme “Um sonho possível” ainda não estreou no Brasil.

Produzido pela apresentadora Oprah Winfrey e com cantores pop fazendo participações de uma maneira como nunca imaginávamos que os veríamos – Mariah Carey larga toda a sua, bem, digamos, “sensualidade”, para viver uma assistente social comportadinha e de cara fechada e Lenny Kravitz toda a sua marra de rock star poser para viver um enfermeiro – “Preciosa”, porém, não é tudo aquilo que dizem que é.

O filme, contudo, tem todo o perfilzão de Oscar pelo tema abordado e porque a Academia gosta de um sofrimento ou uma dedicação extrema. Basta lembrar “Crash” (2004), que era um (bom) rio de lágrimas e venceu em 2006, ou a entrega de Nicole Kidman que por duas horas abriu mão de sua beleza para viver a escritora Virgínia Wolf no belíssimo filme “As Horas” (2002) e foi premiada com uma estatueta em 2003. Estes são apenas alguns dos exemplos que me vem a mente. Por outro lado, “Preciosa” é um filme comum que causa entre algumas reações o extremo incômodo com o tamanho sofrimento de sua protagonista ou aquela sensação de enfado. Pessoalmente, achei o filme uma verdadeira chatice.

O roteiro de Geoffrey Fletcher é no máximo ok e a direção de Daniels não tem nada que justifique uma indicação ao Oscar. E mesmo a tão propalada atuação de suas protagonistas não é muito diferente do que já vimos por aí em outros filmes. Mo’Nique, por exemplo, poderia entrar naquela “cota de sacrifício” que listei acima por ser uma comediante que se desprende de sua veia cômica para viver uma violenta e atormentada mulher que maltrata com requintes de crueldade a sua filha. Mas é pouco. Muito pouco para verdadeiramente competir, por exemplo, com Vera Farmiga, que brilha com mais intensidade em “Amor sem escalas”.

Por outro lado, ela até poderia ganhar, pois não há uma grande favorita no Oscar de atriz coadjuvante. Concorrem ainda Penélope Cruz, por “Nine”, Anna Kendrick, também por “Amor sem escalas”, e Maggie Gyllenhal, por “Coração Louco”, ainda inédito em Pindorama.

Fato é que “Preciosa” não me empolgou nem um pouco. É um filme comum sem muitas interpretações inspiradas. Mas depois de “Quem quer ser um milionário?” no ano passado, não cravo nada na disputa do dia 7 de março em Hollywood.

Indicações ao Oscar: Melhor filme, melhor diretor para Lee Daniels, melhor atriz para Gabourey Sidibe, melhor atriz coadjuvante para Mo’Nique, melhor roteiro adaptado para Geoffrey Fletcher e melhor edição.

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