sábado, 27 de junho de 2009

O Rei se vai

Uma das maneiras de conhecer a força de um artista é perceber que ele atravessa gerações mesmo quando passa por um longo período de hibernação. Como explicar que uma criança de apenas oito anos consiga lembrar, ou melhor, saber quem é Michael Jackson a ponto de falar de seu jeito inconfundível de dançar mesmo jamais o tendo visto cantar ao vivo, no auge, ou mesmo numa turnê caça-níquel?

Sim, porque quando essa criança nasceu, Michael lançava o dispensável “Invincible” (2001) e estava mais preocupado em se defender das acusações de pedofilia do que em fazer música. Se lembrarmos que o artista prolífico “morreu” há 16 anos então, fica difícil acreditar nessa história. Mas ela me foi contado nesta semana, um dia depois da morte daquele que outrora foi chamado de o Rei do Pop. É uma prova da força de sua música.

Indo para uma geração mais antiga, que acompanhou o auge do cantor em sua carreira solo – leia-se os discos “Thriller” (1982) e “Bad” (1987) – dizem que não havia festa que não tocasse Michael Jackson e saber fazer o moonwalking, o passo de dança mundialmente conhecido em que você anda para trás sem deixar que os pés não fiquem em contato com o solo um único momento, poderia ser o diferencial entre conquistar a garota da festa e ficar sozinho na pista.

Eu nasci dez meses antes do lançamento de “Thriller”, mas, criança, também gostava de imitar Jacko, de assistir aos seus revolucionários videoclipes, e, já adolescente, comprava seus discos antigos como qualquer fã. Uma das 100 milhões de cópias vendidas de “Thriller”, um recorde que jamais será batido porque a indústria fonográfica morreu antes de Michael, ocupa lugar de destaque na minha “CDteca” particular.

Revolução é uma palavra que acompanhou toda a carreira de Michael Jackson. Muitos o comparam a um Elvis negro e com muita razão. Se o Rei do Rock aproximou o ritmo que antes era dos negros as conservadoras famílias americanas e é considerado um dos precursores de tudo o que viria em seguida, Michael também fez sua pequena revolução ao misturar ritmos que iam da black music e do soul ao rock num liquidificador pop vitaminadíssimo com um balanço cada vez mais aperfeiçoado por ele e que ganhou elogios até do mestre dos mestres Fred Astaire.

O moonwalking era apenas o seu cartão de visitas numa série de coreografias criadas por sua mente genial que não se resumiam apenas as suas letras. Michael Jackson cantava com o corpo. Daí a importância dos clipes.

Antes de Jackson, salvo algumas exceções, os clipes musicais mostravam trechos de shows, artistas cantando ou simulando cantar com uma banda num palco. O máximo de ousadia eram trechos de filmes dos Beatles condensados em improvisados videoclipes.

Com o cantor, o videoclipe vira negócio, entretenimento, diversão, lucro e linguagem. Envolve produção de cinema em microfilmes que fizeram história como os 13 minutos de “Thriller”, que consumiu dezenas de milhares de dólares. Suas coreografias foram repetidas centenas de milhares de vezes. Copiadas, parodiadas. Michael Jackson atingia o Olimpo da música para nunca mais sair por mais que se esforçasse em tragédias como o já citado “Invincible” e resquícios encontrados em coletâneas e remixes como “History” (1995) e “Blood on the dance floor” (1997).

Ao lado de Madonna, Michael Jackson foi um dos pilares da música pop numa era completamente diferente da de hoje, quando o sucesso se media mais facilmente através da venda de discos.

Bem antes dele, os Beatles do amigo e depois desafeto Paul McCartney dominavam o planeta. Quando a banda acabou, uma série de outras ótimas bandas puderam se declarar as melhores do mundo, mas talvez nenhuma delas tivesse o nível de idolatria que tiveram Elvis ou que teve Jackson.

Junto com Madonna já nos anos 80, quando se consolidava com sua carreira solo após a saída dos Jackson 5, eles eram o Rei e a Rainha do Pop, dando as cartas na indústria fonográfica. Chegaram a ensaiar uma parceria para o disco “Dangerous” (1991), último sopro de vida do artista, mas, diz a lenda, Madonna queria primeiro que Jackson assumisse uma homossexualidade que nunca se soube se ele tinha. A idéia morreu. Mas seria retomada na série de shows que o cantor já tinha marcado na O2 Arena, em Londres, para 2010, num adiamento de um ano em relação ao prazo inicial que deixou todos desconfiados sobre as reais condições físicas do astro.

Sua imagem junto ao mundo da música jamais foi arranhada em 50 anos de vida e mais de 30 de carreira. Mas seus hábitos estranhos e as constantes mudanças de aparência fizeram com que Jackson figurasse com destaque numa galeria de freaks do show business.

Sua obsessão por gostar de dormir com crianças (o que gerou não apenas críticas como processos milionários, embora ele em seguida tivesse sido inocentado de todas as acusações), a construção de um rancho chamado “Neverland”, a Terra do Nunca criada pelo escritor J.M.Barrie para as histórias de Peter Pan, um lugar onde não se crescia, e seus hábitos infantilizados e presenças constantes em lojas de brinquedos que ele comprava para si conotavam sérios problemas psicológicos. A exploração que seu pai fazia dele e de seus irmãos cobrava seu preço. Jackson foi uma criança que não teve uma vida normal, uma vez que desde a tenra infância já era um artista famoso.

Trabalhava arduamente como um adulto enquanto outros de sua idade tinham uma vida mais prosaica. Pode-se argumentar que se não fosse assim, ele não teria sido o gênio que foi. Talvez. A genialidade cobra um preço muito alto das pessoas que a desenvolvem em todos os ramos da arte. Mas Jackson foi levado, controlado, meio sem saber se realmente queria tudo aquilo. Pelo menos essa é a impressão de quem viu de fora os acontecimentos.

Ao mesmo tempo em que agia como criança, o cantor era cobrado a ter uma postura de homem, o que gerou constrangedores e meteóricos casamentos com Lisa Marie Presley, filha de Elvis, e com a enfermeira Debby Rowe, que na verdade serviu apenas de barriga de aluguel para seus dois primeiros filhos, Paris, e Prince Michael, hoje com 11 e 12 anos, respectivamente. Prince Michael II, terceiro filho do cantor e hoje com sete anos, nunca teve a mãe identificada. Além disso, houve uma pergunta na lata feita numa entrevista pela apresentadora Oprah Winfrey se ele era gay. O que gerou uma resposta ainda pior após uma risadinha infantil: “Eu sou um cavalheiro”.

Com suas virtudes e defeitos, Jackson apesar de tudo foi um verdadeiro gênio da música pop. Ajudou crianças, pediu com sua música mudanças e que cuidassem melhor do planeta ("Earth Song") e dos mais pobres na África ("We are the world").
Foi um artista daqueles que merecem ter ao lado do seu nome o termo “divisor de águas”. E um artista que morreu depois do seu tempo, que era o da venda exorbitante de discos. Bem diferente de faixas compradas e baixadas, que não exigem mais toda aquela produção de hoje em dia. Com sua morte, a música perde a sua majestade.

Haverá outro rei no futuro? Jamais. Da mesma forma que a indústria mudou, os artistas de hoje andam cada vez mais efêmeros. O herói de hoje é o decadente e desaparecido de amanhã. A música virou fast food e isso é ainda mais frenético no pop, sua versão mais comercial. Em diferentes momentos, bandas como Babyshambles e Luxúria, por exemplo, brilharam e desapareceram na poeira da estrada. Os grandes de outrora, portanto, são insubstituíveis e ficarão apenas na lembrança de quem gostava de vê-los e ouvi-los.

Discografia de Michael Jackson: “Got to be there” (1972), “Ben” (1972), “Music and Me” (1973), “Forever, Michael” (1975), “Off The Wall” (1979), “Thriller” (1982), “Bad” (1987), “Dangerous” (1991), “History” (1995), “Blood on the dance floor” (1997) e “Invincible” (2001).


Abaixo, alguns clássicos de Michael Jackson numa homenagem do blog a este grande artista:

"Beat it"

"Smooth Criminal"

"Thriller"

"Bad"

"Dirty Diana"

"The way you make me feel"

"Man in the Mirror"

"Billie Jean"

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