domingo, 26 de outubro de 2008

Da solidão

Na casa dos 60 anos, o professor David Kepesh (Ben Kingsley numa de suas melhores atuações) desafia o tempo com os mesmos hábitos que tinha aos 40 e aos 50. A cada semestre, escolhe uma vítima para levar para o seu abatedouro particular. Tudo é planejado. Da seleção que é feita nos primeiros dias de aula ao momento certo, no caso, uma festa precedida das notas finais de sua matéria.

Foi assim há 20 anos com Carolyn (Patrícia Clarkson), hoje empresária de sucesso e habitué da sua cama, será assim com Consuelo Castillo (Penélope Cruz), jovem por quem ele desejará simples e loucamente transar.

Divorciado e com um filho com o qual não mantém bom relacionamento desde que se separou de sua mulher, Kepesh “vampiriza” a juventude de suas mulheres para se manter espiritualmente jovem. Ele mesmo reconhece que devia estar “fazendo coisas da sua idade”, mas não consegue parar. A arte da sedução é algo que o excita e o estimula. Ainda mais numa cidade com tantas mulheres interessantes.

Kepesh não contava, porém, que Consuello retornasse. Não apenas uma, duas ou três noites. Mas com a freqüência suficiente para concluir que estavam apaixonados. Eis que Kepesh, tão seguro de si, com sua vida de conquistas e transas corriqueiras, perde o chão. Vê-se tendo sentimentos juvenis, sofrendo com a distância como um adolescente. Torna-se um novo velho jovem.

Baseado no livro “Dying Animal”, de Philip Roth, “Fatal”, péssimo e incompreensível título em português para “Elegy”, aborda sob um diferente ponto de vista uma relação mais do que carnal entre professor e aluna. Se o óbvio, o chavão, sempre foi marcado pela aluna que seduz o professor bobalhão, “Elegy” coloca um duplo mestre – na arte de ensinar e seduzir – como ponta da lança. Kepesh é o desencadeador de uma relação cujo rumo invariavelmente será o do questionamento sobre o futuro que inexiste para um e que aparentemente é longo para a outra.

E este é um dos temas do filme dirigido por Isabel Coixet. Diante da inevitável finitude das coisas e da vida, é necessário planejar tanto a ponto de 30 anos de diferença entre duas pessoas serem um empecilho para um relacionamento?

Por outro lado, o medo de Kepesh de ser mais dia menos dia trocado por alguém mais jovem faz com que ele mesmo mine esse relacionamento. Um caso que, ao mesmo tempo em que curte, o incomoda, acomodado que está com sua vida solitária aplainada por visitas constantes e diferentes para suas necessidades primitivas (ou primevas).

Sua indefinição e sua paixão juvenil, parecendo, inclusive, ser o seu primeiro grande amor, acabam minando o relacionamento com Consuelo, jovem até certo ponto pacata e centrada. Nem os conselhos do poeta George O’Hearn (Dennis Hopper, excelente), construídos sempre em deliciosos encontros no café da cidade ou numa quadra de squash o fazem amadurecer. Não do ponto de vista da experiência amplamente acumulada, mas nas idéias.

Ainda lidando com suas angústias, Kepesh ainda terá de O’Hearn é um novo ensinamento com sua morte fruto de problemas decorrentes da própria velhice. E quando a jovem Consuelo lhe reaparece com um câncer de mama, ele desaba em lamentações, dores e percebe o valioso tempo que perdeu ao não ter feito nada de relevante com Carolyn ou assumido verdadeiramente o relacionamento com Consuelo. Ou mesmo de não ter se esforçado mais para melhorar o relacionamento com seu filho, Kenneth (Peter Sarsgaard).

Quando tenta de alguma forma recomeçar, já é tarde para alguns. Carolyn diz que já não dá mais para fazer alguma coisa depois de 20 anos naquela vida. Perdeu a esperança em qualquer mudança e também está acomodada. Mas com seu filho, a conexão que é o hospital onde Consuelo se opera é a largada para uma reconciliação. Uma reconciliação paterna e, quem sabe, com a própria vida.

É por isso que o filme de Coixet é muito menos “Fatal”, que pode significar a proximidade da morte, mas também um nível de sedução, e mais a elegia do título em inglês. Um poema, no caso cinematográfico, devotado ao luto e à tristeza, mas que busca um balanço reflexivo da existência.

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