sábado, 4 de outubro de 2008

Tabelinha de craques

Walter Salles é um craque que a cada dia parece jogar melhor. Tirando a bomba “Água Negra” (2005), que ele mesmo disse que não gostou, desde “Central do Brasil” (1998), muito elogiado e premiado, mas que eu não gostei muito, ele tem feito filmes cada vez melhores seja sozinho ou com Daniela Thomas, sua parceira habitual.

“Diários de Motocicleta” (2004), cinebiografia do jovem Che Guevara antes de ele se tornar um líder revolucionário, já era uma obra-prima. E “Linha de Passe”, seu mais novo trabalho construído ao lado de Daniela, segue o “absurdo” padrão de qualidade que ele impõe à sua filmografia.

Capitaneado pela atriz premiada em Cannes Sandra Coverloni (Cleuza), o filme conta a história de uma dona-de-casa grávida que trabalha como empregada doméstica e se desdobra para cuidar dos quatro filhos, o moto boy Denis (João Baldasserini), o frentista evangélico Dinho (José Geraldo Rodrigues), o aspirante a jogador de futebol Dario (Vinicius de Oliveira, uma das estrelas de “Central do Brasil” e hoje com 23 anos), e o jovem Reginaldo (Kaique Jesus Santos).

Quatro filhos de pais diferentes que vivem dramas paralelos. Denis tenta se equilibrar entre suas aventuras sexuais, o pouco dinheiro e um filho para sustentar. Dinho se apega à religião para se recuperar do passado de crimes que sempre o persegue. Dario busca vencer no futebol mesmo já tendo 18 anos, uma idade cruel para jovens promessas, mas descobre que é preciso mais do que talento e sorte no mundo corrupto da bola. E Reginaldo passa a vida entre a escola e passeios de ônibus à procura da identidade do pai, que ele sabe ser apenas um motorista.

Em meio a isso tudo, Cleuza tem que se equilibrar em ser a provedora da casa, enfrentar as frustrações de seus filhos e manter o emprego numa casa de classe média-alta, pois é ele que coloca a comida no prato.

Além da relação co-sanguínea, Cleuza é o elo de ligação entre estes irmãos que saem por São Paulo construindo e desconstruindo suas histórias, tentando vencer na dura realidade brasileira.

Se filmes como “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006), ambos de Alejandro Gonzalez Iñarritu, partiam de diferentes pontos para se cruzarem em alguns momentos na história numa narrativa fragmentada, Walter Salles inverte essa relação e faz da casa pobre na periferia de São Paulo, o ponto de partida para esta família ganhar de alguma forma o mundo com seus dramas pessoais nunca compartilhados entre si.

E destas histórias a mais interessante é a de Dario. Ao desnudar o mundo podre do futebol, Walter Salles (e provavelmente nem era essa a intenção dele) expõe o que todo mundo já sabe, mas um filme sempre reforça de maneira importante, como é o calvário de jovens que tentam o estrelato no mundo da bola.

Bom jogador, Dario sabe que não vencerá nessa vida se não molhar a mão de quem deve ser molhada. O pagamento de propinas é apenas uma das faces perversas das divisões de base do futebol, que envolve dirigentes corruptos, empresários interesseiros que querem apenas o lucro, e, como conseqüência, clubes falidos. Mais ou menos como tem mostrado a série de reportagens da ESPN intitulada "O Buraco Negro do Futebol"

Sempre arraigado ao último fio de esperança e sabendo que só o talento não basta, Dario, num ótimo trabalho de Vinicius de Oliveira, tem a história mais comovente na minha opinião. E seu desfecho ainda é deixado em aberto como uma grande obra cinematográfica. Coisa de feras como David Lynch em “Cidade dos Sonhos” (2001), “Veludo Azul” (1986) ou “Império dos Sonhos” (2006).

Mas ao contrário das loucas obras de Lynch, o trabalho de Walter Salles mostra um recorte da realidade e não uma história acabada. Adoro filmes com este tipo de construção.

Com seu título de metáfora futebolística, só posso dizer, portanto, que “Linha de Passe” é coisa de craque. De um craque chamado Walter Salles, que agora trabalha para finalizar seu mais novo trabalho, “On the Road”, filmagem do famoso e cultuado livro de Jack Kerouac com previsão de lançamento para o ano que vem. Alguém tem dúvida de que será outro grande filme?

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