quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Um 'A Bela e a Fera' que deu certo

Um mergulho apaixonado
Guillermo del Toro curte uma fábula. E curte uns personagens desajustados para tratar do respeito ao que é diferente, ao que tem uma cultura que não é a da maioria, para falar do medo do diferente e do que vem de fora e de como usamos a ignorância e expomos cruelmente os nossos preconceitos. Para isso, ele gosta de usar monstros. Podem ser criaturas próprias como as do “Labirinto do Fauno” (2006), ou mesmo Hellboy, o personagem dos quadrinhos em dois filmes de 2004 e 2008.
E o que podemos dizer sobre “A forma da água”? É sobre tudo isso aí no parágrafo anterior. E é bonito, é singelo, é fofo e.... convenhamos, não é nada original. “A forma da água” nada mais é do que um “A bela e a fera” que deu certo. Isso porque “A bela e a fera” é um desenho ruim e um filme medíocre. Tudo o que “A forma da água” não é. Talvez a Disney pudesse contratar o Del Toro para um reboot para ver se ele consegue salvar aquela história brega.
Então, o filme do diretor mexicano é uma fábula bonita sobre o amor. Aliás, quantos filmes sobre as mais diferentes formas de amar neste Oscar, hein? É o amor idílico e fugaz de “Me chame pelo seu nome”, é o amor através do ódio mútuo e da manipulação de “Trama Fantasma”, é o amor transcendental freudiano de “Corpo e alma”, o amor incondicional e sem barreiras de “Uma mulher fantástica”.... e eu nem terminei de ver todos. Hollywood deve estar carente.
Mas apesar desse momento amorzinho, “A forma da água” vale por duas coisas.
1- A participação impagável de Octávia Spencer como a faxineira Zelda Fuller. Os diálogos feitos pelo Del Toro para ela são maravilhosos, as histórias do marido mala são muito divertidas e a atriz está inspirada como o personagem cômico do filme.
2- Sally Hawkins no papel da outra faxineira, a Elisa Esposito, que se apaixona pelo anfíbio Aquaman da Amazônia com sérias restrições orçamentárias. Sem dúvida é um dos seus grandes trabalhos no cinema. A sua personagem é apaixonante e uma das grandes criações de Del Toro. Essa mulher muda e solitária que mora num apartamento no topo de um cinema que exibe filmes hoje considerados clássicos, divide o espaço com um homem gay e se apaixona por uma entidade que só ela tem a paciência e a ternura de tentar se comunicar (e fazer uns ovos para ele lanchar). E que no seu silêncio nos faz refletir sobre o que é ser humano e o que é ser monstruoso.
Muito bonita essa descrição acima né? Uma pena que eu não posso dizer o mesmo dos personagens de Michael Shannon e Nick Searcy. Toda a criatividade e ACUIDEZ que Del Toro usou para criar as suas personagens femininas, transformou-se em preguiça e caricatura no caso dos militares Richard Strickland e do coronel Hoyt. Duas figuras sem camadas usadas apenas para serem os homens maus, pois toda história de amor precisa de homens maus. Qual eram suas motivações? Por que tiraram o Aquaman da Amazônia, onde ele era adorado pelos índios? De onde veio a informação que tinha um Aquaman lá? Por que o governo João Goulart não se manifestou sobre esse roubo? Ou será que foi no início da ditadura e os militares colaboraram com o governo americano? Nunca saberemos.
E aí no meio disso tudo surgem os russos, que não querem ser passados para trás na Guerra Fria, mas ninguém sabe como eles se infiltraram no laboratório e receberam as informações. O doutor Hoffstetler está lá, mas por que ele está lá? As instalações aparentemente não têm outras criaturas inanimadas e X-Men em geral. Pelo contrário, o tal laboratório, que ninguém sabe a quem pertence e que trabalho desenvolve não parece ter nada interessante até a chegada do anfíbio que grunhe e gosta de comer ovo e ouvir música. Por que os russos estão lá? E que esquema de segurança é esse que qualquer faxineira pode entrar nos lugares mais top secrets e mandar um how you doing em linguagem de sinais para monstros marinhos?
Mas você sempre pode acreditar no amor sem fronteiras e preconceitos. E como fábula desse amor “A forma da água” talvez te faça até escorrer uma lagriminha. Não foi o caso da Corneta porque aqui é trabalho sério.
Antes de ir embora, um parênteses. E o Michael Stuhlbarg hein? Resolveu aparecer em todos os filmes do Oscar? Ele é o cientista Hoffstetler aqui, é o pai do Elio, o menino gay de “Me chame pelo seu nome”, é o diretor de redação do “New York Times” em “The Post”. Acho até que eu vou rever os outros filmes para ver se ele está bancando o Stan Lee na Marvel e aparecendo em todos os filmes do Oscar.
Cotação da Corneta: nota 7,5.
Indicações ao careca dourado: melhor filme, atriz (Sally Hawkins), atriz coadjuvante (Octávia Spencer), ator coadjuvante (Richard Jenkins), diretor (Guillermo del Toro), trilha sonora, roteiro original, fotografia, montagem, figurino, mixagem de som, edição de som e edição.

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