segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Manchester cruel

Que roubada que eu me meti
Até pintarem os indicados ao Oscar deste ano, Casey Affleck tinha uma indicação ao careca dourado. Era pelo assassino de Jesse James em "O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford" (2007). Tanto lá como em "Manchester à Beira-Mar" ele fazia um tipo que quase o tempo todo na tela tinha uma cara de cachorro abandonado. Deve ser uma especialidade da casa. 

Fato é que, tal qual o irmão Ben Affleck, Casey não é dotado exatamente de um talento incrível para a interpretação. Mas ele achou um nicho entre os atores que fazem cara de cachorro abandonado. E, de vez em quando, acha um personagem ideal para ele.

Lee Chandler é um deles. Lee é um zelador que vive em Boston tirando a neve do prédio em que trabalha e limpando vasos sanitários. Leva a vida de forma pacata e discreta. Quase grita: não me notem! Uma pessoa bem diferente do seu irmão, Joe Chandler (Kyle Chandler), cidadão que parece ter se dado melhor na vida, mas tem um grave problema de saúde. Um dia Joe bate as botas, vai para o paraíso, desencarna, segura na mão de Deus e vai, e deixa um pepino para Lee. Ele tem que ser o tutor do seu filho, Patrick (Lucas Hedges). 

Lee pensa: "Não quero essa roubada! Adoro meu sobrinho como sobrinho. Não quero meu sobrinho como filho". Aí começa realmente o filme. Antes disso, eu dei até uma bocejada. 

Lee não tem nada contra o jovem adolescente. O que ele não quer é ter que voltar para a pequena cidade de Manchester. Por que, você, leitor da Corneta, perguntaria? Porque essa Manchester tem sido mais cruel com Lee do que a Manchester inglesa com o Guardiola. 

Digamos que o mapa astral da cidade não bate com o de Lee. E isso causou um mercúrio retrógrado feroz na vida do rapaz. Tudo de ruim aconteceu com ele como se todo o período em que viveu na cidade fosse um grande ano de 2016. E vamos descobrindo toda essa história em flashbacks marotos preparados pelo diretor Kenneth Lonergan.

Tipo assim, não dá para ficar nessa cidade. A solução é levar o garoto para morar com ele em Boston. O problema é que Patrick é adolescente. Bate o pé e diz que não dá. Ele tem tudo em Manchester. Leia-se como tudo uma banda de rock ruim e duas namoradas (isso é MUITO ERRADO, Patrick! Ai, ai, ai). Você vê aquilo e só pensa que quando ele tiver 18 anos tudo o que vai querer é sair daquela cidade que não tem nada para fazer para uma faculdade maneira de Boston e conhecer o Tom Brady. Adolescentes...

O filme todo se desenvolve nesse dilema, nesse "vou/não vou" que corrói Lee e amplifica a sua cara de cachorro abandonado. Para piorar, o cara ainda esbarra com a ex. Tudo bem que a cidade é um ovo, mas a Lei de Murphy é implacável. Principalmente com os losers. Pior que a ex fica chorando, dizendo que não é bem assim e pedindo uma segunda chance mesmo estando em outro relacionamento e com um bebê no carrinho. Se fosse o Patrick pegava, mas Lee não quer saber disso. Bom, por causa dessa cena muito boa mais pelo não dito e pela força e a mágoa que os dois passam que Michelle Williams conseguiu uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante. Aliás, essa coisa de tentar expressar o que não é dito é uma característica bem interessante do filme.

E assim prossegue "Manchester à beira-mar". Um bom filme (um bom de boca vazia, não um bom de boca cheia de farofa), mas nada que você nunca tenha visto antes. Assim, o filme ganhará uma nota 6,5.

Indicações ao careca dourado: filme, ator (Casey Affleck), ator coadjuvante (Lucas Hedges), atriz coadjuvante (Michelle Williams), direção e roteiro (ambos para Kenneth Lonergan). 

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