segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Daniel Blake nos representa

Fazendo arruaça em Newcastle
Daniel Blake (Dave Johns) me representa. Ou melhor, nos representa. Representa qualquer um que já ficou horas ao telefone ouvindo musiquinha de elevador à espera de um atendimento para uma reclamação qualquer ou a solicitação de algo importante. 

Acompanhar a sua jornada é estafante e desesperante. Viver é dramático demais para aqueles que estão sendo engolidos pela face perversa da globalização, perdendo empregos, rendas e deixando de ser pessoas para tornarem-se números. Pode ser o número do seguro social, da carteira de trabalho, da previdência... Todos nós somos números frios perante o governo e as empresas. 

Para Ken Loach, a vida resultante disso tudo é kafkiana. O adjetivo que remete ao escritor tcheco não poderia ser melhor aplicado dentro do conceito de absurdo que é a jornada de Blake para receber o dinheiro do governo enquanto não pode trabalhar. 

Loach é, em muitos trabalhos, a voz do trabalhador comum inglês que tenta superar um sistema e conta com a solidariedade de algumas pessoas que encontra em sua caminhada. É assim em “Jimmy’s Hall” (2014), “A parte dos anjos” (2012) e até “Ventos de Liberdade” (2006). Apenas para ficar em alguns dos seus filmes mais recentes.

Em "Eu, Daniel Blake", Loach acompanha a Via Crucis de um carpinteiro que é impedido pelos médicos de voltar ao trabalho depois que sofre um duro ataque cardíaco. Blake é excelente num trabalho cada vez mais escasso. Já tem quase 60 anos e começa a sentir o peso de um mundo que está excluindo-o. Ele mal sabe o que é internet numa realidade tomada por formulários on line. 

Como não pode trabalhar, Blake precisa dar entrada num pedido para receber um seguro social para se manter, mas tudo é negado. Afinal, ele pode vestir a camisa e colocar um chapéu na cabeça. Logo, está apto a trabalhar. Nenhum médico o avalia. Apenas uma vaga "profissional de saúde", que determina que ele está bem simplesmente porque fez 12 pontos num questionário. Para ganhar o benefício, ele precisaria de 15. 

A vida é um jogo cruel, mostra o diretor inglês. É nesse meio tempo que ele conhece Katie (Hayley Squires), jovem mãe de duas crianças que é expulsa de Londres por não conseguir se manter numa casa alugada. Consegue um lugar na fria Newcastle, mas não tem dinheiro sequer para pagar a eletricidade que manteria o apartamento aquecido para os jovens Daisy (Briana Shann) e Dylan (Dylan McKiernan).

Katie tem fome. E como é dramática a cena em que ela abre uma lata de molho de macarrão para comer enquanto está colhendo seus alimentos da cesta básica fornecida pelo governo. 

Blake e Katie se ajudam como podem. Cedendo o pouco que têm ao outro para tentarem sobreviver. Até irem no limite da dignidade e tomarem medidas extremas. Irritado, Blake grita para o mundo que é uma pessoa. Um ser humano que merece ser tratado com respeito e não com frieza por uma empresa americana que presta serviços burocraticamente ao governo britânico. 

Loach tem uma visão pessimista do mundo atual. E deixa bem claro o quanto acha a realidade áspera a partir de um microcosmo em Newcastle. Por mais que tente lutar, o trabalhador é sufocado pela burocracia. E o absurdo prevalece numa realidade que todos tentam sobreviver. 


"Eu, Daniel Blake" é mais um bom trabalho do diretor inglês e conta com uma excelente interpretação do comediante Dave Johns no papel principal. A Corneta dará uma nota 8.

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