quarta-feira, 22 de junho de 2016

O terrorismo no taxímetro

Já era madrugada quando o operário das palavras chegava de mais uma longa jornada de trabalho. A ausência de ônibus o forçava a novamente se aventurar no sempre imprevisível mundo dos táxis. E o motorista já se mostrava promissor.
- Boa noite, amigo. Quer ir pra onde? Nova York ou Londres? - disse ele, já cheio de graça e malemolência.
O operário das palavras riu. E foi sincero.
- Olha, se eu pudesse escolher seria Londres, mas eu vou para o Condado de Saint Rose mesmo. 
- Mas por que Londres? O que Londres tem de melhor do que aqui? - questionou o motorista com aquela fala de malandro da Lapa e protótipo de Evandro Mesquita. 
- Por que? Porque é uma cidade que funciona melhor, o metrô é melhor, tem menos violência. Não tem tiroteio com frequência. E mais do que isso, é uma cultura com a qual eu me identifico mais. 
- Ah, agora sim você me explicou. Porque eu outro dia peguei uma passageira e ela me disse que preferia ficar aqui. Eu não entendi. Eu pego um monte de passageiros e 99,9% deles dizem que preferem ir para Londres. 
- Nada contra quem prefira o Brasil - rebateu o operário das palavras. - Muitos se sentem em casa por aqui. É isso que importa. Onde você se sente bem.
Ao saber da experiência olímpica do operário das palavras na capital inglesa, o papo inegavelmente caiu sobre os Jogos do Rio. "O trânsito será um inferno", reclamou o taxista. "Outro dia levei um cliente até a Barra e levei três horas e meia para voltar. Um inferno".
Mas nada superou a preocupação que o taxista ainda revelaria naquela surpreendente corrida.
- Olha, vou te dizer. O que eu mais tenho medo é de terrorismo. 
- Ah, mas acho que não vai acontecer nada disso não. Assalto vai ser direto, mas ataque não acredito. 
- Vou te contar uma coisa - disse ele, com aquele olhar de quem está fazendo uma denúncia. - Eu já peguei gente do mundo inteiro aqui no táxi. Mas ultimamente eu tenho andado com uns clientes de lugares diferentes. Outro dia eu peguei uns caras do Paquistão. Eles eram muito esquisitos. Levei eles lá para aquele hotel de Icarai, onde eles estavam hospedados.
E ele continuou falando sobre aquele momento único.
- Eles eram muito esquisitos. E vou te dizer. Quando os outros hóspedes souberam deles, foi todo mundo embora! Com medo, é claro!
Com dificuldade para acreditar numa debandada de um hotel, mas curioso com os tais "paquistaneses", o operário tentou arrancar mais informações, já se sentindo o Fox Mulder tupiniquim.
- Mas como você sabia que eles eram do Paquistão? Eles se identificarem como paquistaneses? 
- Sim, sim! Se identificaram. Eles tinham cara de paquistaneses. Você sabe, eu vejo muito filme de guerra. Então identifico na hora - disse o aprendiz de Rubens Ewald Filho. 
- E eles nem falavam inglês. Aí eu perguntei: "Pakistan? Pakistan?". E eles disseram: "si, si, Pakistan". Esses paquistaneses estão tudo espalhados nesses hotéis de Niterói - completou o taxista, praticamente revelando uma célula terrorista papa-goiaba.
O destino é cruel. Quando o lead chegou, aquele encontro também se aproximava do fim. Após pagar a corrida, o operário das palavras nada pode fazer a não ser torcer para que as Olimpíadas comecem e terminem bem.
- Bom, só espero que não aconteça nada porque eu estarei lá. 
- Eu também. Afinal, com toda essa crise não posso me dar ao luxo de perder clientes - respondeu o taxista, mostrando toda a sua solidariedade.
E assim o nosso personagem se despediu na madrugada gelada de Niterói's Kingdom.

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