sábado, 11 de julho de 2015

O troco

Tem menor não?
Os ânimos estão exaltados naquele fim de tarde no Hell de Janeiro. O stress do dia inteiro de trabalho deixa os pavios curtos, enquanto a paciência inexiste às 17h45min. Basta uma faísca para incendiar aquele 410.

Passageiro e cobrador se encontram num ponto de BotaSoho. O jovem de camisa branca, calça jeans e barbinha hipster saca da carteira a nota do demônio: R$ 50. A cobradora mantém a calma e faz a pergunta clássica:

Tem menor não?

Diante da negativa, a mulher pede para que o jovem permaneça onde está. Ele não pode atravessar a fronteira que delimita o setor entre os que pagaram e os que ainda não pagaram. É a faixa de Gaza da economia moderna. Outros passageiros seguem o fluxo com trocados generosos ou usando o benefício do Hellcard. É quando a cobradora desabafa.

- Quem facilita, tem troco. Quem não facilita, não posso fazer nada – ironiza ela, repetindo diversas vezes o mantra. – Quem facilita tem troco.

Se sentindo com a honra atingida como um Greyjoy castrado, o jovem reage:

- Como é que eu vou facilitar se eu não tenho trocado? – diz o jovem, já se exaltando.

Ué, eu não falei nada – devolve a cobradora, usando a tática de se fazer de sonsa.

A guerra já havia começado. Os dois pareciam deputados de partidos rivais gritando no Congresso, mas usando termos menos polidos.

- Você está dizendo que eu tenho que facilitar. A empresa que tinha que ter troco!

- Eu não estou falando nada. Só acho que quem facilita tem troco.

O volume começa a aumentar no ônibus. E tudo descamba para questões político-econômicas.

- Tem passageiro que é engraçado. Se todos os problemas do mundo fossem causados por causa de troco... Na hora de gritar pelas coisas importantes, por emprego, saúde, educação, ninguém grita. Tanta palhaçada por causa de um troco.

- Você fala isso porque não é o seu troco! – retruca o rapaz, já PENDURADO na roleta.

A cobradora se irrita e toma uma atitude drástica.

- Vai! Passa! Passa e some! Passa e some daqui que eu não quero te ver!

Por incrível que pareça, o jovem obedeceu a ordem. Talvez com medo do intimidante CORPANZIL da cobradora. Mas não sem antes dizer que ela não era dona do ônibus.

- Se eu fosse dona do ônibus você nem entrava! Ia ficar a pé. E se entrasse, eu ia mandar descer!

O rapaz resmunga pelos cantos, mas não retruca com a veemência necessária para continuar a briga. Vai para o fundo do ônibus e desiste de discutir. Está vencido pela retórica das ruas.

Três minutos depois, um novo ponto. Uma mulher entra e entrega uma nota. Passa, senta na primeira fila e espera o troco. A cobradora berra:

- Você me deu os R$ 10? VOCÊ ME DEU OS R$ 10? – vociferou ela, ainda com o sangue fervendo.

- Dei sim – disse a mulher, quase se sentindo culpada por pagar a passagem.

- Só estou perguntando.

A mulher pega o troco, levanta e vai para o fundo do ônibus sem entender nada.

- Eu hein. Que mulher estressada. Parece que dormiu de calça jeans.

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