sexta-feira, 17 de julho de 2015

Cotação da corneta: 'Samba'

Observando Paris do alto
Depois de comer o pão que o diabo amassou nas mãos de Lars von Trier, Charlotte Gainsbourg sorriu. Foram anos complicados os da atriz entre 2009 e 2013, quando ela fez uma sequência de mulheres que passaram pelas mais diferentes provações: luto, melancolia, culpa, ninfomania, autocomiseração, autoflagelo, depressão, dor psíquica. A tudo Charlotte sobreviveu para olhar para Omar Sy e finalmente sorrir.

Convenhamos, não é spoiler dizer que Alice (Charlotte) vai se envolver com Samba Cissé (Omar Sy) em "Samba". Isso fica claro, brilhando em neón na sua cara, na primeira cena em que os dois se encontram. Tudo óbvio como uma comédia romântica.

Alice é uma executiva que está tirando um forçado período sabático ajudando Manu (Izia Higelin) como voluntária numa ONG que ajuda imigrantes na França. Ela está de licença do trabalho por causa de um pequeno episódio de estresse: quebrou um celular na cabeça e escalpelou um colega de trabalho. Um pequeno surto que é fichinha perto do que Charlotte passa em "Anticristo" (2009), "Melancolia" (2011) e nos dois volumes de "Ninfomaníaca" (2013).

Sy vive mais uma vez um imigrante senegalês em um filme da dupla Olivier Nakache e Eric Toledano. Dessa vez, ele precisa da ajuda de Alice para não ser deportado de volta para o Senegal.

O romance entre os dois é só um detalhe para dar leveza (assim como os momentos de humor) à uma discussão séria proposta pelos dois diretores: a questão da imigração. Enquanto centenas de pessoas morrem a todo momento tentando entrar na Europa sob o olhar enviesado de políticos do Velho Continente e o famoso comigo não está, os diretores resolveram fazer um filme mostrando as condições abjetas que os imigrantes ilegais vivem em Paris.

A proposta é a mesma de "Intocáveis", o belíssimo filme anterior da dupla. A leveza, as situações de humor e um texto bem amarrado para contar uma história que tem uma carga dramática. Se em "Intocáveis", a amizade proporcionou uma união improvável que trouxe lições importantes para os dois protagonistas, em "Samba" é o amor é a vontade de vencer que movem o protagonista a tentar superar as intempéries de uma vida quase indigna (é nesse momento que vocês puxam o lenço para secar a lágrima que escorre pelo olho).

Sy é um ator carismático que fica muito bem sempre que trabalha com Nakache e Toledano. Ele está, por exemplo, em “Jurassic World”, mas poucos reparam porque o papel dele é minúsculo. Com os diretores franceses, ele tem espaço para brilhar. Sabe dar o tom necessário tanto nas cenas de humor quanto quando pe preciso impor uma carga dramática. As cenas de humor, aliás, quase sempre contam com a presença do impagável Wilson (Tahar Rahim), argelino que se faz passar por brasileiro só para pegar mulher (danadinho!).

Por mais que haja toda essa leveza no filme, “Samba” te faz refletir sobre a vida difícil do imigrante, com subempregos, uma vida de incertezas em que é preciso ganhar o dinheiro suficiente para comer a cada dia, fugas da polícia, medo de ser descoberto, preconceito e todas as dificuldades de se viver em um país que não se é desejado, ainda que você seja útil para serviços que nenhum francês almofadinha gosta de fazer.

Nakache e Toledano também colocam em campo um debate sobre uma questão da identidade. Em um momento do filme, Samba Cissé já não sabe mais quem é, tamanho o número de identidades que ele teve que assumir com documentos ilegais.

- Eu não sei mais quem eu sou - questiona ele.

- Mas eu sei. E você pode gritar o seu nome quando precisar lembrar que as pessoas acharão que você quer dançar - retruca Alice, ao lembrar do ritmo musical brasileiro que dá o nome ao protagonista. Bom, seria mais agradável então se ele se chamasse Rock Cissé (ok, essa piada foi péssima).

São, portanto, questões complexas, interessantes e atuais que são abordadas pela dupla de diretores. “Samba” vale a pena e vai ganhar da corneta uma nota 7, 5.

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