segunda-feira, 18 de abril de 2011

Finalmente, um show do U2

O U2 cantando "Where the streets have no name"
Gabriela tem nos olhos o brilho de uma criança de 12 anos que está indo ao seu primeiro show de rock. Vestida de preto como a ocasião pede, faixa na cabeça em alusão à banda e à turnê que em poucas horas vai se tornar a mais lucrativa da história, ela abre o sorriso de quem jamais se cansaria mesmo se a viagem até o estádio do Morumbi, em São Paulo, levasse horas e horas para assistir aos seus ídolos.

No sábado, dia 9 de abril, todos os caminhos levavam a um destino. Gabriela veio de Piracicaba com os pais veteranos de guerra do rock and roll que citam datas e momentos inesquecíveis para eles da história dos shows no Brasil. Momentos estes que se confundem com a história de suas próprias vidas.

“No show do U2 de 1998 eu não fui porque preferi ir nos Rolling Stones que tocariam pouco tempo depois. Priorizei a antiguidade da banda. Vai que eles não tocavam mais aqui? O U2 ainda estava em forma. Mas ele, que era meu namorado, preferiu ir no U2”, diz a mãe com todo o sotaque carregado no “r” do interiorrrr de São Paulo e fascinada com aquela garra fincada no gramado do Morumbi que mostraria ser um dos palcos mais espetaculares que já passou pelo Brasil.

A mãe de Gabriela pensou de forma pragmática, mas acabou se dando bem por outros motivos. Ao contrário do que ela imaginava, os Rolling Stones voltariam mais duas vezes ao Brasil, mas a escolha dela foi mais sensata porque 1998 não era um bom momento para o U2. Sua turnê, a “Pop Mart” era grandiosa como a atual “360 graus”, mas o disco “Pop” (1997) era um dos mais fracos da história da banda, que resultou num show que não condizia com o que representa o U2.

Eu tinha 16 anos, estava no Autódromo do Rio e tinha um sorriso semelhante ao que Gabriela estampava ali na arquibancada do Morumbi. O da primeira vez num show de rock. Vi tudo aquilo com o mesmo encantamento que ela testemunharia em poucas horas.

Sem conseguir ficar parada, Gabriela levantava e sentava freneticamente. Ajeitava o cabelo castanho enquanto as argolas gigantes na orelha quase do tamanho do seu rosto balançavam. Educada, pedia autorização da mãe para gritar. Diante do sim de quem tem muita história para contar, liberava todas as cordas vocais. Faria qualquer cantor de death metal cair para trás.

“É o primeiro show de rock dela. Por isso está tão empolgada”, contava a mãe, interrompida por uma pergunta de supetão da menina.

“O que está escrito na sua camisa?”, questionou ela olhando para o meu modelo preto-clássico estampando a capa de um dos grandes discos ao vivo da história do rock, o “Rattle and Hum” (1988), quando o U2 mergulha nas raízes do blues numa turnê pelos Estados Unidos e faz um disco que todo fã tem em diferentes versões e tecnologias.

“A gente tem esse mãe?”

“Temos em vinil, CD e DVD. Esse é muito bom, né?”

“Excelente. Mas não espero algo desse nível aqui hoje. Isso é para os livros de história”.

Atrás da família de Piracicaba, Rodnei vivia emoções distintas. Ele saiu de Belo Horizonte com a família para acompanhar o U2 no Morumbi, mas não estava plenamente feliz. Naquela mesma noite, Ozzy Osbourne, ou “Ôzzy”, como eu descobri que os mineiros chamam o Senhor das Trevas, também tocaria na capital mineira, o que o deixou contrariado.

“Belo Horizonte nunca tem nada. Aí marcam um show do Ôzzy hoje. Mas eu já tinha comprado o meu ingresso do U2. Preferi vir”, lamentou o mineiro, mas sem deixar de levar o Black Sabbath na camisa para ver o U2.

Foi uma sábia escolha. Ozzy fez um show emocionante no Rio, mas seu melhor momento foi em 2008. A música favorita de Rodnei, “Changes”, não é tocada. Assim como “No more tears”, apesar dos apelos do público. Já o U2, bem... o U2 poderia reservar alguma surpresa especial para compensar o mineiro e os muitos que passaram até duas noites na fila para conseguir ficar no melhor lugar possível para ver Bono Vox (vocal), The Edge (guitarra), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria), o quarteto que se mantém unido há 30 anos nessa máquina irlandesa de fazer música.

Bono numa plataformas cantando "Miss Sarajevo"
O sofrimento desse povo não foi em vão. Primeiro houve um competente e  lamentavelmente curto show do Muse, abertura de luxo de um trio de Devon, Inglaterra, formado por Matthew Bellamy (guitarra e voz), Christopher Wolstenholme (baixo) e Dominic Howard (bateria) que seria saudado mais tarde por Bono como um power trio como o Cream e o Jimi Hendrix Experience. Menos, Bono, menos. Mas no palco os caras são realmente muito bons e por vezes me fizeram lembrar alguns bons momentos de shows de Radiohead e Franz Ferdinand.

Quando um relógio no telão fazia a contagem regressiva para a entrada do quarteto de Dublin no palco, a chuva que desabara no show do Muse parou. O despedaçar do relógio foi sucedido por “Space Oddity”, de David Bowie, a senha final para o início do espetáculo.

Saudado por 70 mil pessoas, o U2 não entra no palco quebrando tudo ou com um arrasa-quarteirão como muitas bandas normalmente fazem. Caminha lentamente, acena para os fãs do alto da montanha do rock e começa o espetáculo com “Even better than the real thing” num tom quase desleixado.

A canção do “Achtung Baby” (1991) significa pouco mais de três minutos e quarenta segundos de aquecimento. Na letra, Bono pede mais uma chance, garantindo que vai satisfazê-lo. Com duas chances, não haverá como se arrepender. “Me dê uma última chance e eu farei você cantar” / “Você pode me levar mais alto/você vai me levar mais alto”. A letra me faz lembrar de 1998, Pop Mart e um show que merecia ser esquecido.

Mas era preciso dar uma nova chance ao U2 e quando o “hino informal do Twitter” surge da guitarra de The Edge, o Morumbi vem abaixo e as arquibancadas balançam. É “I will follow” que faz jovens como Gabriela, quem nem era nascida quando a banda lançou o álbum “Boy” (1980), e mais velhos como Rodnei, que viram a gestação do disco, vibrarem com a mesma intensidade.

De uma ponta a outra do set list, o U2 passeia por 30 anos de história em que os sucessos são muito maiores do que os fracassos. Se o novo disco, “No line on the horizon” (2009), que é o que justifica a atual turnê, está longe de clássicos como “War” (1983) e “The Joshua Tree” (1987), isso não significa que seja um álbum descartável como mostram algumas canções tiradas para o show.

É o caso da mais dançante “Get on your boots”, que segue a linha de “Beutiful day” e “Vertigo” dos discos anteriores “All that you can leave behind” (2000) e “How to dismantle an anatomic bomb” (2004), embora sem a mesma qualidade destas, com refrão fácil de gravar na cabeça e as marcas de The Edge e Larry Mullen Jr nas guitarras e na bateria, e da belíssima “Magnificent”, substituta que deveria ser natural no set list de uma já saturada “With or without you” com sua letra dizendo “eu nasci para estar com você/neste espaço e tempo” e “só o amor pode deixar tal marca/só o amor cura tal cicatriz”.

Pena que a banda pareceu meio de freio de mão puxado quando tocou esta, ao contrário da intensidade que a canção mostra no álbum. Da mesma forma, “Beutiful day” me pareceu mais declamada do que cantada. Ao contrário de “Vertigo” com seu empolgante início com Bono gritando “uno, dos, três, catorce” e o riff de The Edge.

No total, o U2 cantou 23 músicas em 2h10m. Neste período Bono encarnou todos os personagens que viveu nas últimas três décadas. É o astro do rock com consciência política que canta “Sunday Bloody Sunday” e “Miss Sarajevo” (incluindo aqui a parte do Pavarotti!) para protestar contra a guerra, a morte de inocentes, etc. É o cara que passou a ter um discurso quase messiânico (e para muitos virou um mala) para lutar contra a pobreza, a preservação do meio ambiente e que exalta a libertação da líder birmanesa e prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, e homenageia as crianças mortas no massacre da escola Tasso da Silveira em Realengo. O seu lado, digamos, messias fez até uma fã no fim do show exagerar ao comentar a coincidência de só ter chovido antes do show, durante a apresentação do Muse, e cinco minutos após o término do espetáculo.

“Gente, mas esse homem é iluminado mesmo. Choveu na abertura, não choveu no show e voltou a chover depois”. Menos, galera, menos.

Bono pendurado no microfone em "Hold me..."
Mas Bono também faz o tipo roqueiro metido da turnê do “Achtung Baby” (1991) e nos anos subseqüentes daquela década, que teve a sua melhor representação na interpretação de “Hold me, thrill me, kiss me, kill me”, e o romântico de baladas como “With or without you” e “One” e que também chama uma jovem ao palco para abraçar e beijar, além de fazê-la declamar um trecho de “Carinhoso” de Pixinguinha.

Tudo isso num palco que é o quinto integrante da banda irlandesa. Além do telão fenomenal que se desdobra e envolve a banda, o conceito da turnê 360 graus funciona perfeitamente. Com uma arena que deixa o U2 girando e plataformas que o aproxima dos seus fãs, a banda dá a um maior número de pessoas a chance de estar no “gargarejo” circulando pelos vários pontos, dando atenção a um público maior. Até o baterista teve o seu momento de encontro com a galera.

“Quando ninguém acha que é possível inovar, eles vêm com essa”, diz a mãe de Gabriela, absolutamente encantanda com o palco do U2 e boquiaberta como muitos em volta.

Esse foi o estado geral até o fim da apresentação, quando a banda, como é de praxe (e eu não consigo entender) encerrou com uma música lenta. A escolhida da vez para ocupar o lugar que já foi de “40”, “One” e “All I want is you” é “Moment of surrrender”.

O telão que abre e envolve a banda no palco
“Valeu a pena né mãe?”. Isso foi só o que a encantada Gabriela conseguiu dizer quando Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr. se despediram dos primeiros 70 mil fãs daquela primeira noite. Haveria ainda mais duas de casa lotada e novas emoções. Mas naquele dia, o U2 provou que cada centavo do ingresso foi bem investido.

Abaixo o set list e alguns momentos do espetáculo na primeira noite no Morumbi.

Even better than the real thing
I will follow
Get on your boots
Mysterious ways
Elevation
Until the end of the world
I still haven’t found what I’m looking for
Stuck in a moment
Beautiful Day
In a little while
Miss Sarajevo
City of blinding lights
Vertigo
I’ll go crazy if I don’t go crazy tonight
Sunday Bloody Sunday
Scarlet
Walk On
One
Where the streets have no name
Hold m, thrill me, kiss me, kill me
With or without you

Moment of Surrender












2 comentários:

Anônimo disse...

Es evidente que hay mucho que aprender acerca de esto. Creo que hizo algunas cosas buenas en características también. Sigue trabajando, gran trabajo!

marcelo alves disse...

Gracias. E volte sempre