terça-feira, 5 de abril de 2011

A crueldade em dois tempos

Num pobre país africano, o médico Anton (Mikael Persbrandt) tem que lidar com toda a forma de violência e crueldade possível de líderes tribais locais para salvar vidas. Numa Dinamarca que não gosta de suecos como ele e sua família, seu filho Elias (Markus Rygaard) é alvo de bullying na escola enquanto Anton tem que lidar com os seus próprios erros que acarretaram no pedido de separação de sua esposa Marianne (Trine Dyrholm).

A violência e a capacidade humana de ser tão cruel em um conflito com a ética e a necessidade de ser justo e, mais do que isso, humano, são o tema central de “Em um mundo melhor”, filme da diretora dinamarquesa Susanne Bier que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro, mas merecia muito mais. Merecia pelo menos ter concorrido aos principais prêmios da festa americana e não ficar segregado a um quinteto que não ganhou lugar na festa principal hollywoodiana.

Numa Dinamarca fria, soturna, um tanto quanto fosca, Anton vive da culpa de ter traído a confiança da esposa, mas mantém uma relação próxima com o filho Elias. O mesmo Elias que sofre com a violência dos colegas de escola.

É com a amizade de Christian (William Johnk Nielsen) que Elias começará a dar o troco. O perturbado garoto que tem uma relação distante com o pai e sofre com a morte da mãe em consequência de um câncer é puro napalm ao fazer da vingança o alimento e a sua única razão de viver. Se não existe a justiça divina, se as instituições nada fazem, ele resolve fazer justiça com as próprias mãos ao espancar o valentão da escola com uma bomba de bicicleta e planejar um plano explosivo para vingar o pai de Elias que fora agredido bobamente por um idiota qualquer após tentar apartar uma briga entre duas crianças.

Ao tentar dar o exemplo de dignidade e ética para o filho, Anton precisa manter a cabeça fria, mas até mesmo ele testa os próprios limites ao atender na África o líder tribal que comete o crime atroz de rasgar a barriga das grávidas apenas por pura diversão num sadismo medieval. Embora tenha a necessidade de cumprir a sua função enquanto médico, Anton acaba ultrapassando a barreira a que se impôs quando provocado e, mesmo que não tenha participado de um massacre, acaba se abstendo de evitar que a violência vire o caminho natural da sede de sangue de um povo que sofrera nas mãos daquele bandido.

Da África para a Dinamarca, independentemente do desenvolvimento ou diferentes aspectos dos dois povos, só o que move é o sentimento de vingança. Por vezes Anton parece perdido. Tenta educar o filho da maneira correta, ensiná-lo a fazer o que é correto e a se defender com inteligência contra os chamados valentões da escola. Mas a influência prática de Christian se torna mais eficaz para um garoto que já sofreu muito e anseia por dar um troco.

Só que o próprio Christian vai aprender da pior maneira possível ao colocar a vida de Elias em risco que a velha máxima de que para toda ação há uma reação contrária é uma verdade absoluta. Se o problema menor do bullying pode ser resolvido com um troco bem dado, nem todas as questões podem ser tratadas a partir do olho por olho dente por dente.

No final, feridas são curadas, outras permanecem, mas o que fica é que a violência deixa marcas indeléveis na sociedade. São cicatrizes que “Em um mundo melhor” não faz questão de esconder.

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