quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Godard

Jean-Luc Godard é daqueles cineastas que ou você ama ou você odeia. Sua obra parece não caber o meio termo e a análise pontual. E enquanto os seus fãs o defendem com ardor, seus detratores usam a mesma paixão para expor suas ideias, embora nem sempre na ágora pública, pois lamentavelmente parece ser um pecado na sociedade não gostar de Godard. Mal comparando, falar mal de Godard – ou de Ingmar Bergman ou François Truffaut – é como cometer um pecado venal entre os fãs de cinema. É quase como falar mal de Chico Buarque no Brasil.

Como em “Memórias da Alcova” impera a democracia participativa e o debate livre de ideias, há espaço para falar o que quiser de quem bem entender e estamos entendidos. Todavia, eu faço parte dos que amam Godard.

No ano em que completou 80 anos, o cineasta francês rompeu um silêncio de quatro anos para fazer uma confirmação de suas ideias através de mais um filme sim de difícil compreensão e obviamente sem roteiro, o que parece ser uma marca de Godard. Nem sei como é que aparece nos créditos dos sites o nome dele como roteirista.

Constituído por três partes diferentes, “Film Socialisme” é um Godard em grande forma abusando do que a cinematografia tradicional considera “sujeira” (ruídos, sons, luz estourando, imagens desfocadas) para criar uma obra sim de difícil compreensão imediata, mas que por incrível que pareça tem uma conexão – tênue, mas existente. A conclusão fica para quem vê e para o debate. Godard nunca foi de expor o caminho para um desfecho, de ceder à facilidade de um “the end”, deixando que o espectador construa como bem entender essa estrada.

“Das Coisas como” abre o filme do cineasta francês mostrando um cruzeiro pelo Mar Mediterrâneo numa verdadeira babel de línguas e cores associada a colagens de conversas em que o cineasta usa os fragmentos de textos para refletir, a partir dessas múltiplas conversas em múltiplas linguagens, sobre a guerra e uma suposta decadência da sociedade europeia. “Nossa Europa” mostra um casal de irmãos convocando os pais a comparecerem a uma espécie de tribunal de sua infância em que são discutidos liberdade, igualdade e fraternidade, os velhos temas da Revolução Francesa.

Já “Nossas Humanidades” resgata lugares cruciais ou não para a construção e a formação da sociedade que conhecemos e através deles (Egito, Palestina, Odessa, Grécia, Nápoles e Barcelona) Godard reflete sobre a evolução da sociedade, história, conhecimento, liberdade e a expressão do nacionalismo de diferentes formas.

Uma linha tênue liga os três momentos com o cruzeiro pelo Mediterrâneo (onde vemos uma participação especial da cantora Patti Smith) servindo de base para Godard expor conceitos como “o dinheiro foi inventado para que os homens não precisem se olhar nos olhos” ou “Se a lei está errada, a justiça passará por cima dela”. Afinal, questões discutidas no segundo momento ou passagens do terceiro são igualmente temas recorrentes daquele primeiro momento.

No quebra-cabeças de Godard, este cruzeiro é o ponto-chave para compreender “Film Socialisme”. A partir dele, o cineasta expõe sua crítica ácida e nos conduz nessa jornada só possível pelas mãos do cineasta que só é daqueles gênios sem meios termos porque também não tem meias palavras.

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