segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Após a morte

Hoje com 80 anos, Clint Eastwood tem feito da morte uma reflexão e uma companheira constante em seus filmes nos últimos sete anos. Se em “Menina de Ouro” (2004), ela usa a história de uma jovem boxeadora vivida por Hilary Swank para debater a questão da eutanásia, em “Gran Torino” (2008), é o próprio Clint quem vive um ex-militar aposentado que tem que conviver com a tristeza da solidão após a viuvez e se reinventar numa cidade que agora lhe é hostil por estar tomada de imigrantes que ele combateu e matou em guerras que os americanos volta e meia se envolvem.

“Além da Vida” é mais uma vez um Clint Eastwood que se defronta com a morte, mas que tenta buscar um sentido que vá além do fim. O diretor quer algo maior do que o mero desfecho de um pedaço de carne jogado num pedaço de madeira e este dentro de uma cova a sete palmos.

Utilizando uma técnica de narrativa de histórias que se entrecruzam num determinado momento que ficou bastante manjada depois de uma seqüência de filmes de Alejandro Gonzalez Iñarritu, Eastwood monta um filme delicado sobre um tema igualmente sensível que lida com fé e no que você acredita ou não que possa acontecer quando a sua hora chega.

Um dos pontos desse vértice é Marie LeLay (Cécile de France, num excelente trabalho). Jornalista famosa e competente, ela está passando férias na Tailândia com o namorado Didier (Thierry Neuvic) no momento em que um tsunami atinge aquele paraíso devastando tudo e causando centenas de milhares de mortes. Ali, Marie terá uma experiência de quase morte que a marcará profundamente e mudará para sempre a sua existência.

Corta para São Francisco, onde um ótimo Matt Damon é George Lonegan, vidente que tem poderes de ter contato com os mortos e envia mensagens para aqueles que estão no mundo carnal. Lonegan, porém, não quer mais viver essa vida, pois “uma vida dedicada aos mortos nunca poderá ser uma vida”.

Suas tentativas de se afastar do seu destino, do dom que ganhou para ajudar aqueles que sofrem com a perda de entes queridos, serão sempre frustradas ao mesmo tempo em que Lonegan não extinguirá a solidão que o deixa num vazio a cada noite em que come sozinho na apertada cozinha do seu apertado apartamento.

Enquanto isso, em Londres, Marcus e Jason (os irmãos Frankie e George McLaren) vivem dois irmãos gêmeos muito unidos que são filhos de uma mãe drogada e alcoólica. O problema é que quando Jason, o mais falante e extrovertido e uma espécie de líder da dupla acaba falecendo ao ser atropelado por uma van, a vida de Marcus também fica sem rumo, só lhe restando a saudade e uma desesperadora necessidade de ouvir pelo menos uma última palavra do irmão, o que o levará a incontáveis charlatães. Pelo menos até ele cruzar com Lonegan.

É uma grande coincidência que em meio a tantos filmes espíritas de sucesso no Brasil, Clint Eastwood e o roteirista Peter Morgan – de “Frost/Nixon (2008), “A Rainha” (2006) e “O último rei da Escócia” (2006) – tenham realizado um trabalho com uma temática tão presente entre os seguidores dessa religião. Conduzindo a sua câmera com extrema delicadeza e quase que abrindo mão da trilha sonora, Eastwood parece tatear sobre o tema ao mesmo tempo em que busca respostas para o que há nesse além da vida.

É como se tentasse especular sobre o que vem depois da escuridão, se é que há uma escuridão, uma vez que tantas histórias de experiências de quase morte relatam luzes brilhantes e sentimentos de paz e tranqüilidade.

Ao mesmo tempo, “Além da vida” é um exercício de como lidar com a solidão e uma perda de rumo diante de algo inevitável que é a morte. E aí, o diretor não fala apenas da perda da vida em si, mas também do vazio profissional causado pelo fácil descarte e substituição no emprego, pela sensação de abandono e solidão quando você se vê sozinho num mundo que não conta mais com a proteção de quem estava ali próximo de você. Ou mesmo o vazio de alguém que busca a simplicidade de uma vida normal e não consegue ser compreendido nem por quem é da própria família e supostamente deveria querer o seu próprio bem. É um pouco se reinventar diante de uma suposta escuridão ou ausência de saídas.

“Além da vida” certamente não é o melhor filme de Clint Eastwood, mas é um dos mais interessantes e de um refinamento que é próprio do diretor que nas últimas décadas tem se dedicado a lapidar diamantes para expô-los nas salas de cinema para deleite geral. E nessa trajetória de 35 trabalhos atrás das câmeras até aqui, Eastwood já se mostra há algum tempo um diretor maduro que sempre tem o que dizer e que merece sempre ser ouvido.

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