domingo, 23 de janeiro de 2011

Um filme nada Biutiful

Tudo o que Woody Allen fez de positivo por Barcelona em “Vicky Cristina Barcelona” (2008), Alejandro González Iñarritu tratou de destruir em “Biutiful”. Se com o diretor americano, vemos uma cidade solar, palco de amores, casais apaixonados, uma vida hedonista e belíssimos cenários, com o mexicano acompanhamos uma espécie de lado B de Barcelona, algo nada bonito ou simpático.

É a miséria humana. Com Iñarritu, a bela praia de Barceloneta só serve de cova para despejar imigrantes chineses ilegais que morrem em um depósito num fundo de quintal da cidade. A Ramblas, famosa rua da cidade, é um antro de senegaleses vendendo produtos baratos e drogas, muitas drogas. Já a igreja da Sagrada Família é uma obra faraônica encravada no meio de uma quase favela de uma cidade que expõe a olho nu as duras desigualdades e preconceitos que a população que ali vive sofre. É o horror e a miséria. Uma Barcelona como você nunca viu quando foi lá como turista. “Biutiful” é sofrimento. Não existe felicidade num único fotograma das duas horas e meia de película.

Curiosamente, o protagonista da bela Barcelona de Woody Allen é o mesmo da terrível Barcelona de Iñarritu. Javier Bardem é Uxbal, um marginal qualquer, um cafetão sociológico que ganha dinheiro explorando imigrantes ilegais em Barcelona sob a pecha de que os está ajudando a conseguir emprego e a trabalhar na Europa, a terra das oportunidades que não são encontradas na China e na África.

Enquanto tenta ser um bom pai para os seus dois filhos pequenos, Uxbal tem que lidar com sua mulher, Marambra (Maricel Alvarez), que vive dando para o seu irmão, Tito (Eduardo Fernández), e sofre de transtorno bipolar, e descobre que tem apenas dois meses de vida por causa de um câncer de próstata em estágio muito avançado. Pode piorar? Pode. Uxbal também ganha um dinheiro extra fazendo bicos explorando os seus dons sensitivos. Ele consegue entrar em contato com os mortos para buscar uma palavra de conforto para os parentes que ainda estão sofrendo a dor da perda de entes queridos.

Iñarritu não economiza no sofrimento de todos. Ele quase tem prazer em mostrar o quanto a vida é, para ser bem direto, uma merda. Perto de “Biutiful”, “Amores Brutos” (2000), “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006) são filmes quase positivos. Isso porque aqui ele chega no limite da dor a ponto de uma mulher que sentava no meu lado no cinema exclamar: “Meu Deus, por que esse homem não morre logo!”.

“Biutiful” é o primeiro filme de Iñarritu sem o parceiro e roteirista Guillermo Arriaga. Depois da briga de egos entre os dois, o próprio Iñarritu resolveu assinar o roteiro junto com Armando Bo e Nicolás Giacobone. A diferença mais visível do seu trabalho atual em relação aos anteriores é o abandono da estrutura narrativa de três histórias que num determinado momento se encontram.

Agora tudo é centrado em Bardem. Ele é o elo de ligação que irá flutuar sobre os três momentos do filme: A sua história com a mulher problemática e bipolar, o drama dos senegaleses que vendem drogas na cidade, e a vida dos imigrantes chineses na fábrica de bolsas falsificadas, cujo dono vive um caso homossexual com o sócio, mas mantém as aparências com uma família supostamente feliz, apesar da desconfiança da esposa de que aquela Coca é Fanta.

Digamos que Iñarritu tenha invertido a lógica de suas narrativas para dar uma variada num momento em que muitos resolveram imitá-lo. Até o Clint Eastwood como você pode ler no post abaixo.

O resultado é satisfatório. “Biutiful” não é o melhor filme do diretor (continuo preferindo “21 Gramas”), mas é intenso, pesado e uma porrada na alma. Você sai do cinema meio grogue e se sentindo mal pelo estado de degradação humana a que Iñarritu te expõe. Definitivamente, esperança e felicidade não são palavras encontradas no dicionário do diretor. Só dá para ficar bem é com a ótima atuação de Bardem, o ator que viveu os prazeres, as dores e os desafios dos extremos destas Barcelonas de Woody Allen a Alejandro González Iñarritu.

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