sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Nem tão “Bon” nem mais tão “Jovi”

Graziella afasta do rosto o cabelo castanho enquanto coloca o cigarro na boca com a mão esquerda. A noite é agradável. Não há nuvens no céu e a perspectiva é de tempo bom para as próximas horas. É tudo o que ela esperava para fechar em grande estilo as suas férias de um mês no Rio de Janeiro regadas a tudo o que um turista gosta de fazer com idas ao Pão de Açúcar e ao Corcovado. Sem contar as suas paixões: o skate e escaladas, que ela filmou com o que a tecnologia tem de melhor e pode compactar. Hoje em dia somos todos japoneses, eu diria. Mas Graziella não.

Graziella era de Roma, Itália, país que ela fala cantando e com o sotaque que nem o seu inglês perfeito deixa esconder. Se evita o gestual típico do povo italiano para evitar o clichê, os traços no rosto e a beleza não deixam dúvidas que se trata de uma ragazza romana. Estava no Rio para passar férias. Viu todos os prazeres que a cidade pode oferecer e na reta final resolveu se permitir uma pequena extravagância: assistir ao show do Bon Jovi.

“Eu nem sabia que eles iam tocar aqui. Foi muita sorte. Logo que eu vi a publicidade do show corri para comprar o meu ingresso. O meu voo parte amanhã para a Itália. Tomara que seja um show inesquecível”, diz a jovem, sorrindo e sonhando que Jon Bon Jovi, o cantor-galã de voz meio fanha, o guitarrista Richie Sambora, o tecladista David Brian, o baterista Tico Torres e o baixista Hugh McDonald toquem a sua música favorita.

“Always”, sempre Always”, conta ela, fazendo um jogo de palavras enquanto a fumaça do seu cigarro se espalhava na noite em que o DJ parecia ser fã de Chris Cornell na sua fase “Audioslave”, pois tocou simplesmente o primeiro disco inteiro da hoje extinta banda.

Para Graziella, porém, só o Bon Jovi importava. Para aplacar a fome de três horas grudada na grade da área do povão, onde vip não é bem visto - diria até abominado – um saco de batatas fritas industrializadas com refrigerante em copo de plástico. Latinhas são proibidas. Regra, no entanto, que é fragilizada com o apagar das luzes.

Para passar o tempo entre um cigarro e outro, ela revê os vídeos que fez com sua câmera. Manobras de skate, rapel, foram férias radicais que terminarão com 22 músicas da banda de Nova Jersey em, para muitos, decepcionantes 2h15m. Esperava-se três horas, tempo gasto em São Paulo para um set tão generoso quanto melhor, segundo os presentes dos dois lados da Dutra.

Nada que incomodasse Graziella nem outros italianos presentes numa curiosa invasão da Apoteose. Será que tem a ver com a descendência italiana de Jon? Especulações que servem apenas para alimentar a conversa.

“Desde 2003 que eles não vão para a Itália. Por isso não podia perder essa chance”, disse a moça que abre a boca e faz cara de espanto quando fica sabendo que no Brasil a banda não pisa desde 1995.

Nesse hiato de 15 anos, quase nada mudou no Bon Jovi, banda que sempre foi previsível, com discos previsíveis e de letras simples. Ao mesmo tempo, é inegável que Jon e sua banda sabem fazer hits e canções que tocam o seu público. O inexplicável é que eles não tenham aproveitado esse cardápio generoso de 27 anos de estrada de uma forma mais sábia o que resultou num show de altos e baixos incompreensível para uma banda que poderia ter feito um espetáculo apenas de altos e com pouquíssimos baixos. E tome de críticas por ausências “importantes” como a balada das baladas do Bon Jovi, “I’ll be there for you”. Sem contar “Bed of Roses”, “Sleep when I’m dead”, “This ain’t a love song”, etc... O álbum “These Days”, aliás, um dos melhores do grupo, foi pouco aproveitado. Apenas sua faixa-título foi tocada. Assim mesmo a pedido de um fã e num (verdadeiro) bis após o show. Nada que aplacasse a ira de alguns fãs.

Graziella está empolgada e nem percebe o início frio, chocho com “Lost Highway” e a seqüência com “We weren’t born to follow”. Tico se esforça nas baquetas e Richie dá com seus solos relevância musical ao Bon Jovi. O problema é que o frontman, no aparente “peso” dos seus 48 anos não canta mais como outrora. Não que Jon fosse um cantor do primeiro time. Não. Jamais será um Freddie Mercury ou um Bruce Dickinson só para ficar com dois exemplos de excelentes cantores de rock. Mas o passado condena e o registro musical está ali naqueles pequenos disquinhos que compramos e nos fazem comparar. Jon sequer arrisca aqueles agudos banhados a glitter dos tempos de cabelos rebeldes e muita purpurina de discos como “7800º Fahrenheit” (1985), “Slippery When Wet” (1986) e “New Jersey” (1988).

No repertório do show, surgem algumas boas surpresas como “Born to be my baby” e “Runaway”, sendo esta do primeiro disco da banda, de 1984. Outra conclusão que se chega é que o público presente parece realmente preso ao passado. As canções de álbuns mais recentes como “Bounce” (2002), “Have a Nice Day” (2005), “Lost Highway” (2007) e “The Circle” (2009), o motivo da atual turnê são recebidas friamente como interlúdios bons para ir ao banheiro ou comprar algo para comer. Só Graziella parecia empolgada, o que mostra o quanto a relação de cada povo com a música é diferente. O que é inesquecível para ela, é dispensável para muitos presentes na Apoteose e vice-versa.

Claro que boa parte do set é indispensável para ambos. Todos vibram com “You give love a bad name”, terceira música do show e que finalmente levantou a plateia, “It’s my life”, “Keep the faith”, “Wanted dead or alive” e “Livin’On a Prayer”, que fecha oficialmente o show com um simpático mosaico de vídeos no telão com várias pessoas cantando a música em diferentes situações. Ponto positivo para Jon e sua trupe.

Outro ato de coragem que quebrou um tanto quanto o estigma de banda previsível dito acima foi quando Jon pegou o set list e o rasgou dizendo: “Esse era o set list”. A partir daí uma certa dose de improviso tomou conta da noite e algumas canções foram sendo despejadas enquanto outras iam sendo esquecidas. Daí, talvez, a explicação para o show ter durado menos. Ou então, a banda tava mesmo de saco cheio, tinha tomado todas na noite anterior para comemorar o aniversário de 57 anos do seu baterista e resolveu ir embora mais cedo.

O tempo "curto" gerou protestos. Após o show ouvi de alguns fãs que o espetáculo tinha sido uma merda. Creio não ter sido para tanto, mas certamente foi abaixo da expectativa e com um set muito fraco desde o momento que Jon rasgou o papel.

Quem viu o Rush dois dias depois, porém, banda bem mais velha que o Bon Jovi, sentiu que faltou fôlego aos americanos. Nada, porém, que abalasse as convicções de Graziella, que encararia as dez horas de voo para casa de sorriso nos lábios e alma lavada. Não há crítica que abale o amor de uma fã.

Abaixo o set list e alguns dos bons momentos do show:

“Lost Highway”
“We Weren't Born to Follow”
“You Give Love A Bad Name”
“Born to Be My Baby”
“Superman Tonight”
“The Radio Saved My Life Tonight”
“Just Older”
“Runaway”
“It's My Life”
“Bad Medicine”
“Homebound Train”
“What Do You Got? ”
“Always”
“Happy Now”
“Thorn in My Side”
“Someday I'll Be Saturday Night”
“Who Says You Can't Go Home”
“Love's the Only Rule”
“Keep The Faith”
“Wanted Dead or Alive”
“Livin' On A Prayer”

“These Days”
"We weren't born to follow", "You give love a bad name" e "Born to be my baby"

"It's my life"
"Someday I'll be saturday night"
"Keep the faith"
"These Days"
"Livin' On a Prayer"

2 comentários:

Lion disse...

Belo texto, bróder!

marcelo alves disse...

Obrigado. A gente se esforça.
abs,
marcelo