quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Um Matrix elevado à quarta potência

Quando foi lançado em 1999, “Matrix” foi chamado de revolucionário pelas técnicas de filmagem desenvolvida pelos irmãos Wachowski copiadas em dezenas de filmes e paródias que vieram posteriormente. Em meio a tanta tecnologia, seu roteiro navegando entre o real e o imaginário também era celebrado e gerou de teorias mirabolantes a matérias de capas de revistas científicas. E estar dentro ou fora da Matrix ganhou ares de discussão filosófica.

Onze anos depois, o diretor americano Christopher Nolan chama Freud para entrar nessa conversa e eleva o potencial de Matrix a quarta potência nos presenteado com um dos melhores filmes do ano.

“A Origem”, título em português para “Inception”, é uma viagem pelo subconsciente com a materialização de seus desejos, medos, ideias e o benefício de que o pior que lhe pode acontecer é acordar.

No filme, Leonardo Di Caprio é Cobb, um agente especializado em roubar informações da mente dos indivíduos. Para isso, ele invade os sonhos de quem precisa roubar as informações ou faz a pessoa entrar no seu ou no sonho de outros de sua equipe para viver uma experiência quase real.

O problema é que quanto mais complexa a informação, maior deve ser o seu mergulho no inconsciente. O que pode levá-lo ao limbo e uma conseqüente vida vegetativa no mundo real.

Tudo, porém, começa a complicar quando Cobb e seu parceiro Arthur (Joseph Gordon-Levitt) recebem do empresário Saito (Ken Watanabe) uma missão das mais complicadas. Eles não têm que roubar informações, mas inserir uma ideia na mente de Robert Fischer (Cillian Murphy), filho de um magnata que acabara de morrer. É preciso convencer, ou melhor, fazer Fischer ter a ideia natural de que ele deve dividir a fortuna do pai.

Algo aparentemente simples, mas que exige um esforço sobre-humano, pois a ideia precisa nascer naturalmente, não pode ser uma mensagem ou um delírio destacado num sonho. Em inglês, inception significa “o começo de uma organização ou atividade oficial”. O que Cobb aceita fazer, portanto, é criar um mundo paralelo, uma história completa com diversas camadas para fazer Fischer atingir menos do que a luz. É para que ele viva um momento de “pré-eureca”. Que ele sonhe com um estalo que o fará formar uma ideia que parecerá ser sua e não uma encomenda de uma multinacional que compete com a do pai dele.

Cobb, assim, reúne uma nova equipe formada por ele, Arthur, o próprio Saito e mais a arquiteta Ariadne (Ellen Page), Eames (Tom Hardy) e o químico Yusuf (Dileep Rao). O objetivo é plantar a ideia de forma que ela pareça ser do próprio Fischer. Para isso, porém, Cobb e seu time terão que entrar em três camadas de sonhos criando sonhos dentro dos sonhos de Fischer, mergulhando mais profundamente no inconsciente do jovem empresário. Tudo isso com Cobb tendo que lidar com a culpa da morte de sua mulher, Mal (Marion Cotillard), numa relação fundamental para a história criada pelo diretor. O próprio Cobb já foi um perfeito arquiteto de sonhos, mas teve que abrir mão de fazer suas próprias construções para não ter problemas com a mulher que ainda vive em suas lembranças e que ele não deixa partir.

É aqui que Nolan subverte completamente o tempo e o espaço criando uma seqüência de acontecimentos em dobras espaços-temporais oníricas e embaralhando as cartas até o fim para que fiquemos sempre com a pulga atrás da orelha sobre o que é verdadeiro e o que não passa de projeção, lembrança ou criação da mente sonhadora.

Se a comparação com “Matrix” é a mais próxima da nossa realidade, não é a primeira vez, no entanto, que Nolan joga com projeções de real e imaginário na tela. Ele fez o mesmo em “O Grande Truque” (2006), em que dois mágicos vividos por Hugh Jackman e Christian Bale duelavam em apresentações marcadas por truques supostamente simples, mas que flertavam com a magia num enredo que ia se descortinando aos poucos.

Um descortino em camadas como foi o próprio mergulho de Batman (Christian Bale) na sua transformação de herói em vilão de Gotham em “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (2008), que, aliás, terá uma nova continuação, a terceira dirigida por Nolan. Ou mesmo Leonard (Guy Pearce), o personagem principal de “Amnésia” (2000) que tenta resolver um crime ao mesmo tempo em que lida com a doença de sofrer a perda de memória recente.

Experiências que Nolan levou para “A Origem” e com mais verba no bolso criou cenários fantásticos como a Paris que se dobra até os prédios se encaixarem com perfeição num retângulo em três dimensões para contar uma história em que tempo, espaço ou gravidade são absolutamente relativos. E da suposta realidade ao limbo, tudo depende da perspectiva de quem vive e de como e da intensidade em que se vive.

Nenhum comentário: