domingo, 10 de janeiro de 2010

Um olhar sobre Lula

É inegável que a história de vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva rende um filme. É inegável também que exatamente por ele ainda ser o presidente da República e estarmos num ano eleitoral, o momento da estréia de “Lula, o filho do Brasil” nos cinemas não foi dos mais propícios.

Eu até acredito (ou quero acreditar) nas declarações do diretor Fábio Barreto de que o objetivo do filme não era fazer política, mas contar a história de um brasileiro e de sua mãe. O problema é que acreditar em Barreto também significa classificá-lo como para lá de ingênuo, pois é óbvio que por mais que essa não fosse a sua intenção, seu filme tem potencial eleitoral.

Certamente “Lula o filho do Brasil” não vai eleger sozinho a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente mais popular da história do país, mas pode muito bem angariar algumas centenas de milhares de votos decisivos numa campanha que promete ser acirrada. Dilma decididamente vai faturar ao ser carregada embaixo dos braços daquele homem de vida sofrida e que teve uma ascensão heróica à Presidência da República. Um homem que venceu apesar de todas as adversidades e é um exemplo a ser seguido por todos aqueles que ainda lutam por um lugar ao sol.

Heróica, aliás, é uma palavra que incomodou muitos críticos do filme, que acusaram o diretor e os roteiristas Fernando Bonassi, Denise Paraná e Daniel Tendler de mitificar o personagem, tornando-o quase uma santidade.

De fato, até a fase adulta de Lula, Barreto mostra um personagem quase perfeito. É o menino de lábia fácil que convence qualquer um a comprar uma laranja, o garoto que defende a mãe contra os arroubos violentos do pai, Aristides (vivido pelo sempre ótimo Milhem Cortaz), como se um moleque falando grosso com o pai bêbado fosse fazê-lo parar. É o trabalhador dedicado, o galanteador que conquista todas as mulheres. Enfim, seus erros são omitidos e suas virtudes são amplificadas exponencialmente. E nada disso era necessário, pois Lula já é um personagem por si só forte e cheio de nuances.

Mas quando Rui Ricardo Diaz assume o papel de Lula na fase adulta, acredito que Barreto consegue um pouco mais de equilíbrio. A oposição ao governo, perdida, que bate sem saber onde, como e de que jeito apressou-se em berrar que o filme era uma glorificação do presidente e esqueceu-se de lembrar de uma passagem interessante da película que mostra como Lula tomou o poder no Sindicato dos Metalúrgicos.

Insatisfeito por ter sido desautorizado pelo então presidente do sindicato, Feitosa (Marcos Cesana), Lula foi cobrar explicações dele. Após uma discussão, da revelação de algumas irregularidades feitas pelo próprio Feitosa, e do discurso que era necessário ter sangue novo no comando do sindicato, veio a proposta, diria eu, indecente: “Tu fica até o fim do teu mandato, depois sai de fininho”. Em seguida, um “companheiro” avisa que é Lula que sairá candidato.

Corta para a reunião do sindicato em que Lula com a sua conhecida capacidade de se comunicar com as massas aproveita para elogiar o tão criticado, odiado, corrupto e vaiado presidente antes de avisar que era preciso de sangue novo e de mudança. “Alguém diferente”, diz o seu irmão num belo slogan de campanha em outra passagem do filme em que ele tenta convencer aquele Lula que reconhecia gostar mais de novela do que de política a entrar no sindicato.

Ora, o que Lula fez ali não é muito diferente do que faz no seu atual mandato eivando de credibilidade figuras no mínimo controversas como os senadores Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-AP). Todas aduladas em momentos de crises políticas envolvendo eles ou seus partidos.

Mais do que restrições ideológicas, no entanto, “Lula, o filho do Brasil” poderia ser criticado por outros pontos. Não gosto, por exemplo, da maneira como ele foi montado e editado. O resultado final se pareceu com uma sucessão de esquetes juntadas em duas horas.

É ainda lamentável a omissão no roteiro de uma passagem importante da vida do presidente, o nascimento da filha Lurian que ele teve com a enfermeira Miriam Cordeiro e que causou tanta polêmica na eleição de 89, e a mudança de fatos históricos como o linchamento do dono de uma fábrica que Lula, em suas próprias palavras achava que naquela época “o pessoal estava fazendo justiça”, pois um trabalhador havia sido assassinado pelo mesmo indivíduo. No filme, ele se incomoda com o episódio e acha tudo injusto. É triste porque o próprio Lula sequer evita falar sobre estes episódios. E as omissões só reforçam os argumentos do suposto processo de endeusamento do presidente usados pelos que criticam o filme.

Além disso, há a atuação de Rui Ricardo Diaz, que deixa a desejar na pele do presidente e a partir de determinado momento simplesmente esquece da voz rouca e da língua presa. Isso é primário. Ou faz de um jeito ou de outro. Mudar do nada no meio do filme é que não dá. Causou um estranhamento incrível durante a sessão. Sem contar o português impecável que ele apresenta, bem diferente do “menas laranja” que o próprio Lula já usou em tom de brincadeira para explicar sua evolução lingüística.

A atuação de Rui só não compromete o filme primeiro pela força dramática dessa atriz espetacular que é Glória Pires, um dínamo no papel de dona Lindu, a mãe de Lula, que segura brilhantemente a película a cada vez que aparece em cena. Em segundo lugar, porque o próprio Lula é uma figura tão forte que até o faz esquecer o ator ali presente. É um personagem que suplanta o próprio ator. Mal comparando é como James Bond, que sempre será James Bond independentemente de quem vista o terno (aqui incluído desastres como Daniel Craig e Timothy Dalton).

Entre erros e acertos – refletidos, inclusive, na trilha sonora popularesca, mas com a cara do presidente, que, contudo, tem uma canção instrumental ímpar de Antonio Pinto (compositor de filmes como “O amor nos tempos de cólera” – 2007, “Senhor das Armas” – 2005 e “Cidade de Deus” – 2002) e Jacques Morelembaum -, porém, “Lula, o filho do Brasil” é um bom filme de Barreto. Seguramente o melhor de sua carreira em que se destacava até então “O Quatrilho” (1995). E é um trabalho que será melhor julgado quando Lula estiver distante da presidência e dos embates políticos. Diante da guerra eleitoral que se avizinha, ele será por enquanto arma de combate. Dos dois lados do exército.

Nenhum comentário: