sábado, 10 de janeiro de 2009

Sob o domínio da máfia

Perto da Camorra, os traficantes de drogas brasileiros são crianças inocentes e até um problema fácil de controlar. A máfia italiana que tem sua sede em Nápoles, mas comanda diversos negócios ilegais em todo o mundo, só não conseguiu esconder parte de sua história para um jornalista que com muita coragem escreveu “Gomorra”. Um dos livros mais vendidos atualmente, o corajoso trabalho de Roberto Saviano lhe custou a liberdade de ir e vir ao desnudar boa parte dos negócios da máfia.

Hoje Saviano tem que andar com seguranças, pois está marcado para morrer. A máfia italiana chegou a pedir a cabeça dele numa bandeja até o Natal. Não conseguiu, mas Saviano já reconheceu temer a morte.

Do livro, surgiu um projeto maior capitaneado pelo diretor Matteo Garrone, que resolveu filmar "Gomorra" com a anuência e supervisão do roteiro do próprio Saviano. O resultado é um trabalho merecidamente aplaudido pelos festivais que passou por mostrar sem rodeios e com extrema crueldade - porém bem mais leve do que o livro apresenta - o trabalho da máfia de Nápoles que comanda desde o tráfico de drogas a negócios envolvendo o lixo, pirataria, contrabando de armas, moda, etc. São muitos os tentáculos da Camorra. Nenhum deles passa pela legalidade ou por negociações sérias.

Quem passa na frente dela é dizimado. Quem atrapalha os negócios, também. O filme mostra que a Camorra não perdoa ninguém e age com a arrogância de quem comanda o país. Num dos seus melhores trechos, Franco (Toni Servillo), uma espécie de Don Corleone sem o charme ou traquejo de Marlon Brando, vira para um enojado Roberto (Carmine Paternoster), que pede demissão de seu trabalho por não agüentar a maneira escusa como o chefe conduz seus negócios, e diz com o olhar de quem é invencível: “Nós colocamos essa merda de país na Europa”.

Muito comparado a “Cidade de Deus” aqui no Brasil, “Gamorra” só guarda semelhança com o filme de Fernando Meirelles ao retratar o submundo do tráfico. De resto, as diferenças são marcantes. “Gamorra” é cru. O som das balas cruelmente atingindo a cabeça de mais uma vítima da máfia ecoa na sua mente enquanto Garrone passa para a próxima cena como quem acabou de filmar um prosaico piquenique.

Apesar de tamanha frieza, ela reflete brilhantemente o pensamento da máfia. A morte, afinal, é um negócio. “Gomorra” não tem o impacto visual de “Cidade de Deus”. Você não vê corpos estrebuchando. Apenas o seco e intermitente estrondo dos tiros e corpos envolto em poças de sangue. Além da limpeza posterior.

É outra proposta. Não significa que um filme seja melhor do que outro. São apenas maneiras diferentes de se fazer esse tal de cinema. O impacto de “Gomorra” é sonoro.

Por outro lado, a maneira como jovens são recrutados, sempre tendo que mostrar de alguma forma um misto de coragem e crueldade, une os dois trabalhos. Se Dadinho tem que atirar a queima-roupa na mão de uma criança em “Cidade de Deus”, Totó (Salvatore Abruzzese) deve ser marcado com um tiro a queima-roupa protegido apenas por um colete a prova de balas. É o suficiente para deixar uma marca sem feri-lo e para provar que ele está pronto para encarar a morte de frente e trair até quem sempre esteve ao seu lado, como Maria (Maria Nazionale).

“Gomorra” não é pop como “Cidade de Deus”, mas reflete tão bem a dura realidade de Nápoles quanto o trabalho de Meirelles fala sobre o tráfico de drogas no Rio. É um trabalho tão corajoso quanto o livro de Saviano e que dá cores, feições, som e imagem a ele. Dá uma cara à máfia. E ela é aterrorizante e como num labirinto sem saída, apesar dos esforços do governo e da polícia italiana para encontrar uma.

2 comentários:

Lion disse...

belo espaço, camarada!

Anônimo disse...

Valeu. Volte e comente sempre.
abraço,
marcelo