sábado, 13 de novembro de 2021

"Duna" é um filme grandioso

Paul nunca abandona a mãe
Originalmente um longo romance de ficção científica de Frank Herbert, “Duna” parecia infilmável. Afinal, como jogar para a tela um livro de mais de 600 páginas com uma gama relativamente grande de personagens importantes e várias tramas relevantes? Foi um desafio que o diretor canadense Dennis Villeneuve pegou para si. E tal qual um fremen cavalgando nas costas de um verme de areia, Villeneuve dominou muito bem o desafio.

“Duna” (“Dune: part 1”, no original) é um filme grandioso, solene, irresistivelmente belo e uma adaptação respeitosa e cirúrgica do livro de Herbert. Será preciso ser muito chato e cri-cri para que o fandom de “Duna” torça a cara para este filme. Estão ali todo os elementos do livro explorados com a minúcia que 2h35min de uma adaptação de aproximadamente metade do livro permitem. As casas são destacadas, os conflitos políticos, a questão envolvendo o meio ambiente, a luta pela especiaria, os interesses particulares das Bene Gesserit. a jornada do herói Paul Atreides (Thimothée Chalamet).

É claro que “Duna” não é um filme perfeito. E nem o melhor filme de Villeneuve. Mas isso diz mais sobre as qualidades de um diretor que já realizou trabalhos como “Blade Runner 2049” (2017), “A Chegada” (2016), “Sicário: Terra de Ninguém” (2015) e “Incêndios” (2010) do que depõe contra o seu trabalho em construir o mundo e os conflitos imaginados por Herbert.

Entre os acertos de “Duna” estão as escolhas de Villeneuve. Primeiro focar sua adaptação em uma parte do livro e não em sua totalidade. Assim, “Duna” pôde ter um ritmo mais lento, trabalhar mais a construção de seu universo e copiar até diálogos inteiros do livro. Segundo, escolher no meio de tudo focar na jornada do jovem Paul Atreides, filho do Duque Leto (Oscar Isaac) e, para os habitantes de Arrakis, o escolhido. Tudo gira em torno de Paul enquanto a trama política e ecológica fica como pano de fundo. Com destaque também, mas num patamar um pouco abaixo. Talvez isso não fosse o mais interessante para quem gosta mais das tramas políticas de “Duna”. Mas era preciso fazer escolhas e Villeneuve fez as dele.

Esteticamente é preciso destacar a trilha sonora inspirada de Hans Zimmer, que soube dar corpo à grandiosidade visual do filme. Também vejo como pontos positivos, detalhes das escolhas de Villeneuve como o uso da Voz, espécie de poder mental exibido pelas Bene Gesserit. O tom meio aterrorizante pareceu ser correto. Também foi boa escolha a sutileza que se exibem as especiarias, quase invisíveis para olhos mais distraídos, mas sempre ali relativamente brilhando em sua cor alaranjada e misturada a areia do deserto. Assim como o conceito dos escudos dos personagens.

Outro acerto foi a estética dos vermes do deserto, assustadores, meio escuros, sem um rosto aparente e raramente aparecendo em sua plenitude. Villeneuve soube ainda emular muito bem a forma como o deserto se movimenta como se fosse um mar de areia tão bem descrito no livro de Herbert.

Por outro lado, muito do que torna “Duna” grandioso pode incomodar o espectador comum. Por vezes, o filme de Villeneuve parece frio e sem alma. Crítica que “Blade Runner 2049” também já sofrera. Eu discordo. Acho que ele tem a força em sua beleza e os personagens carregam muito desta alma do filme desde as menores participações até Chalamet. E como estão bem Isaacs, Rebecca Ferguson, Stellan Skarsgaard, Javier Barden, Josh Brolin, Jason Momoa, Charlotte Rampling e outros. Cada ator entrega bem o que seu personagem pede.

É questionável também o modo como o filme termina. Me parece que só não causará incômodo e estranhamento em quem leu o livro, pois este grupo já conhece o que está por vir. Mas quem nunca pegou na obra de Herbert e vai conhecer o universo pela primeira vez pode ficar frustrado, mesmo que tenha sido enredado pela beleza do filme.

Haveria outro momento melhor para encerrar esta primeira parte? Talvez. Faltou um clímax ao filme? Provavelmente. Contudo, não foi exatamente ruim que a primeira parte terminasse com o amadurecimento de Paul, a sua necessária morte metafórica, enquanto a segunda deve se ocupar mais com a ascensão de Muad’Dib.

“Duna” correspondeu a muitas das expectativas. Sua grandiosidade, porém, só terá um atestado definitivo quando a parte 2 ganhar a luz do dia. Até lá, no entanto, nos contentemos com uma primeira parte cheia de predicados.

Cotação da Corneta: Nota 8,5.



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