domingo, 2 de junho de 2019

No cinema, Elton é maior que o Queen

Taron incorpora Elton John em um de seus shows
Sir Elton John está se despedindo dos palcos. A "Farewell Tour" vai até dezembro de 2020, com o último show previsto para Londres. Aos 72 anos, o cantor dono de dezenas de sucessos, quase todos compostos ao lado de Bernie Taupin, parceiro de mais de 50 anos de amizade, quer se dedicar mais aos filhos que adotou junto com o companheiro David Furnish. Com a proximidade do fim de uma carreira brilhante, torna-se quase inevitável as homenagens e os registros biográficos. Além de uma biografia, já se pode ver no cinema a versão de David Fletcher para a vida de Elton. E, por que não pensar nisso?, do próprio Elton John. 

“Rocketman” tem a cara do cantor inglês. É uma viagem lírica sobre uma jornada de dificuldades, dor, solidão, vícios, mas também da sua beleza artística de quem costuma-se chamar ou não de inigualável. E, goste-se ou não de Elton John, ele é inigualável. 

O filme tem muitos acertos. Por trás da já mais do que batida fórmula da jornada de um artista composta por infância-adolescência-sucesso-decadência-redenção, Fletcher trouxe um pouco de frescor ao adotar duas medidas que foram certeiras para que seu filme disse bem sucedido. 

A primeira está na aposta da um Elton John contando a sua história numa sessão de terapia. O filme começa justamente no seu momento mais dramático, quando Elton se interna para cuidar dos vícios em álcool e drogas. Mas só percebemos de fato isso mais para frente. 

A aposta na terapia acaba sendo como um acerto de contas de Elton com seu próprio passado. Não que o artista em sua vida real pareça ter qualquer ressentimento com isso. Se havia uma questão a resolver, a imagem que ele passa é a de paz hoje em dia. Mas ali, no fundo do poço, Elton tinha muito a resolver com os amigos que afastou, a sensação de solidão causada por um pai ausente que lhe negava o mais básico dos carinhos, e até com a mãe, cuja relação foi de altos e baixos, ainda que ela tivesse lhe dado apoio para a sua carreira. Era um apoio tímido, mas ela o incentivava. 

E nesse ponto a entrada triunfal de Taron Egerton vestido de diabo (fantasia perfeita para a ocasião), é o cartão de visitas do filme. Sua atuação é um parênteses que faço na argumentação para contar que Taron é o terceiro mérito do filme. Ele também é a prova de que para interpretar um artista não é preciso meramente copiar o mesmo. Taron não chega a ser fisicamente parecido com Elton. Mas soube incorporar o espírito do personagem aliado apenas ao detalhe dos dentes da frente separamos e do corte de cabelo. Ninguém nega que parecia o próprio Elton na tela. 

Mas faiávamos da sessão de terapia. Ali, Elton enfrenta seus fantasmas das três fases da vida. A infância em negação do pai, a juventude lutando para se firmar, a idade adulta lidando com o sucesso e os vícios. Cada fase um problema que vai se acumulando até chegar ao fundo do poço. Foi uma boa aposta de Fletcher. 

Outro ponto positivo de “Rocketman” está no uso das musicas. Em qualquer cinebiografia de um músico, as musicas naturalmente aparecem para contar a história daquele momento cronológico do artista. Os lançamentos, os sucessos etc... Em “Rocketman”, optou-se por usar uma linguagem de musical com números para uma série de sucessos de Elton que não guardam muita relação com as fases da vida do cantor. “Saturday Nights Alright”, por exemplo, é cantada num número da infância dele e ilustra também a passagem para a juventude, quando o cantor ainda não era uma estrela. 

Essa estratégia trouxe um ganho é um aproveitamento real das canções de Elton que vão para além da mera jukebox rolando na tela (ouviu, “Bohemian Rhapsody”?). As canções têm vida e ilustram passagens e sentimentos da vida de Elton John, trazendo um ganho para o filme. 

E elas não são meramente reproduzidas. Temos aqui outra vantagem do filme. Elas ganham novos arranjos e nova alma pela voz de Taron, que canta em todos os momentos do filme. 

Foi um desafio brutal ao qual ele se impôs e, acredito, teve sucesso em sua empreitada. Taron dá personalidade ao filme ao encarnar todas as fases de Elton, suas inúmeras vestimentas espalhafatosas e seus excêntricos óculos coloridos, duas de suas marcas registradas do ponto de vista estético. 

Principalmente dado ao fato de ter sido feito recentemente e por sua premiação injusta no Oscar, é inevitável comparar “Rocketman” com “Bohemian Rhapsody”. Ainda mais porque Fletcher assumiu as duas semanas finais de filmagem do filme sobre o Queen que até então era comandado por Bryan Singer. O problema é que não há sequer modelo de comparação dentro ou fora da tela. 

Dentro da tela, “Rocketman” é muito superior em todos os aspectos. Da montagem à interpretação dos atores. Do roteiro à escolha de como contar a história. Fora dela, claramente a postura de Elton John sobre o filme que contaria a sua vida foi muito mais liberal e honesta que a de Bryan May e os demais integrantes do Queen. Elton queria mostrar a vida dele como foi. É isso inclui as doses cavalares de drogas, álcool e sexo as quais ele nunca negou que tomou.  Já o Queen tolheu e manipulou a história de Freddie Mercury para contar uma narrativa doce e chapa branca na tela. 

Ao ver “Rocketman”, o que fica, na verdade, é a sensação de como “Bohemian Rhapsody” poderia ter sido muito melhor e mais honesto com a história de outro grande artista que foi Freddie Mercury. 

Para os fãs de Elton John e até os que não são tão fãs da sua música, “Rocketman” é uma boa viagem sobre a complexidade e a rica visão artística de um cantor como Elton, exímio pianista, compositor de sucessos que ficaram para a história é que certamente deixará um legado quando as luzes do seu último show se apagarem. 

Cotação da Corneta: nota 7,5

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