segunda-feira, 2 de abril de 2018

Aventura nostálgica pela cultura pop

Que viagem, amigo

Steven Spielberg quase conseguiu. Não fosse pelas lições de moral, por um vilão ruim, uma cena no final meio nada a ver e o clichê do nerd genial e solitário, “Jogador nº 1 seria um filme top da filmografia do diretor americano. Mas alguns pequenos percalços fizeram o seu novo trabalho perder alguns pontos. No entanto, podemos dizer que “Jogador nº 1” é o seu melhor filmes desde “Lincoln” (2012). E podemos dizer também que é uma excelente diversão para todas as idades. 

“Jogador nº 1” é uma viagem nostálgica pela cultura pop do século XX. São incontáveis os “Easter eggs” que Spielberg espalha por todo o filme baseado no livro de Ernest Cline. Tem King Kong, Godzilla, heróis dos quadrinhos - incluindo uma rápida aparição do carro do Batman da série de tv dos anos 60 - citações a “De volta para o futuro” (1985-90), “O Iluminado” (1980), “Brinquedo Assassino” (1988), “Nos embalos de sábado à noite” (1975), filmes do diretor John Hughes e aos seriados japoneses como “Jaspion” e “Changeman” (aquela batalha no final do robô com o monstro gigantes é de escorrer uma lágrima de emoção de quem foi criança entre os anos 80 e 90) e, claro, aparições dos mais diferentes videogames possíveis. De “Mortal Kombat” aos clássicos jogos de Atari. Para não falar na trilha sonora com clássicos de Van Halen, Depeche Mode, Twisted Sister e tantos outros. 

Tudo isso e muito mais faz com que “Jogador nº 1” seja um dos filmes mais pops que você vai ver nos últimos tempos.  É um olhar diferente de Spielberg para o passado. Para um diretor que acostumou-se a falar sobre um passado duro - e podemos citar só como exemplos “Munique” (2005), “O resgate do soldado Ryan” (1998), “Amistad” (1997) e “A lista de Schindler” (1993) - seu novo filme é como olhar para o passado com o sorriso terno de quem revê “E.T. - O Extraterrestre” (1982) acompanhado de uma aventura moderna, mas que na essência é nos moldes das clássicas aventuras de Indiana Jones com uma linguagem pop de “Prenda-me se for capaz”. (2002). Ou seja, é um Spielberg em boa forma. O que é ótimo depois da decepção de “The Post” (2017). 

“Jogador nº 1” é de certa forma um um Indiana Jones moderno com toque vintage. No futuro sombrio e pós-apocalíptico de sempre (ninguém imagina um futuro legal. Ninguém na arte acredita mesmo na humanidade), Tye Sheridan vive Wade Watts, um garoto que tem uma vida na Columbia pobre, feia e devastada, mas, como todos os seres humanos, tem uma vida paralela no mundo virtual e paradisíaco do OASIS, onde você pode ser o que e quem você quiser e viver as mais incríveis aventuras. 

Parsifal e Art3mis em seus trajes de gala
Nesse lugar teoricamente paradisíaco, ele vive sob um avatar de nome Parsifal. E não é por acaso que ele têm esse nome. Personagem de um antigo poema alemão, Parsifal é o protagonista da ópera de Richard Wagner de mesmo nome. O significado do seu nome é “inocente casto”. Parsifal é o que atravessa o jardim mágico de Klingsor, destrói o castelo, cura as feridas do rei Amfortas e assume a condição de rei do Graal. A jornada do nosso Parsifal do filme de Spielberg é extremamente semelhante ao da ópera wagneriana. 

Ao seu lado, Parsifal tem a companhia de Art3mis (Samantha, no mundo real), personagem vivida por Olívia Cook. Também não é por acaso que ela tem o nome da deusa da caça, da lua e da magia e que na mitologia grega é descrita como a melhor caçadora entre os deuses e homens. É exatamente isso que Art3mis é no OASIS. E por essa característica ela é admirada por Parsifal. 

Os dois têm a companhia de Aech (Lena Waithe), Dalto (Win Morizaki) e Sho (Philip Zhao na jornada que tem aquele jeitão de RPG. Após a morte de Halliday (Mark Rylance), o criador do OASIS, um desafio é lançado. Quem conseguir encontrar as três chaves que Halliday deixou espalhadas no mundo virtual consegue ter o controle do OASIS. 

É claro que isso desperta a ambição da empresa de Sorrento (Ben Mendelsohn), que deseja obter o controle do jogo para controlar o mundo. E aqui temos o calcanhar de Aquiles do filme. Sorrento é um vilão extremamente caricato e idiota. É um filhinho de papai que quer de qualquer maneira obter o brinquedo mais legal do momento. 

Uma pena, pois um vilão ruim que não se pode odiar ou ao menos admirar por suas vilanias até a forma como ele cai pode estragar um filme. Parsifal merecia um antagonista melhor. 

Da mesma forma que os espectadores mereciam um final mais interessante. Era de se esperar que “Jogador nº 1” tivesse um desfecho feliz bem ao gênero dos filmes tradicionais. Porém, a cena do Sorrento conseguindo abrir caminho no meio de mais de cem pessoas só porque tem uma pistola não dá. Que rebelião é essa que não resiste a um revólver?

E quando ele finalmente chega até Wade/Parsifal não dá um tiro porque fica maravilhado com a vitória dele e com o ovo dourado nas mãos do rival. Por favor, né. É o tipo de lição de moral que Spielberg deveria evitar. Ok, o bem precisa vencer o mal. Mas não vem dar recado por meio de indiretas. Ou diretas, como a mensagem no fim de que é preciso viver mais no mundo real. 

Ainda assim, “Jogador nº 1” é uma agradável diversão. As cenas dentro do OASIS são incríveis e muito bem feitas. Parece um videogame em que você está jogando ali. E mal ou bem, a história te prende ainda que o roteiro tenha a estrutura clássica dos três desafios do herói em sua jornada. As etapas sendo vencidas aos poucos etc... É o de sempre, mas quando bem feito não é ruim. 

Cotação da Corneta: nota 7,5

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