Que viagem, amigo |
Steven Spielberg quase conseguiu. Não fosse pelas
lições de moral, por um vilão ruim, uma cena no final meio nada a ver e o
clichê do nerd genial e solitário, “Jogador nº 1” seria um filme top da
filmografia do diretor americano. Mas alguns pequenos percalços fizeram o seu
novo trabalho perder alguns pontos. No entanto, podemos dizer que “Jogador nº
1” é o seu melhor filmes desde “Lincoln” (2012). E podemos dizer também que é
uma excelente diversão para todas as idades.
“Jogador nº 1” é uma viagem nostálgica pela cultura
pop do século XX. São incontáveis os “Easter eggs” que Spielberg espalha por
todo o filme baseado no livro de Ernest Cline. Tem King Kong, Godzilla, heróis
dos quadrinhos - incluindo uma rápida aparição do carro do Batman da série de
tv dos anos 60 - citações a “De volta para o futuro” (1985-90), “O Iluminado” (1980), “Brinquedo
Assassino” (1988), “Nos embalos de sábado à noite” (1975), filmes do diretor John Hughes e aos seriados japoneses como
“Jaspion” e “Changeman” (aquela batalha no final do robô com o monstro gigantes
é de escorrer uma lágrima de emoção de quem foi criança entre os anos 80 e 90)
e, claro, aparições dos mais diferentes videogames possíveis. De “Mortal
Kombat” aos clássicos jogos de Atari. Para não falar na trilha sonora com
clássicos de Van Halen, Depeche Mode, Twisted Sister e tantos outros.
Tudo isso e muito mais faz com que “Jogador nº 1”
seja um dos filmes mais pops que você vai ver nos últimos tempos. É um
olhar diferente de Spielberg para o passado. Para um diretor que acostumou-se a
falar sobre um passado duro - e podemos citar só como exemplos “Munique”
(2005), “O resgate do soldado Ryan” (1998), “Amistad” (1997) e “A lista de
Schindler” (1993) - seu novo filme é como olhar para o passado com o sorriso terno de
quem revê “E.T. - O Extraterrestre” (1982) acompanhado de uma aventura moderna,
mas que na essência é nos moldes das clássicas aventuras de Indiana Jones com
uma linguagem pop de “Prenda-me se for capaz”. (2002). Ou seja, é um Spielberg
em boa forma. O que é ótimo depois da decepção de “The Post” (2017).
“Jogador nº 1” é de certa forma um um Indiana Jones
moderno com toque vintage. No futuro sombrio e pós-apocalíptico de sempre
(ninguém imagina um futuro legal. Ninguém na arte acredita mesmo na
humanidade), Tye Sheridan vive Wade Watts, um garoto que tem uma vida na Columbia pobre,
feia e devastada, mas, como todos os seres humanos, tem uma vida paralela no
mundo virtual e paradisíaco do OASIS, onde você pode ser o que e quem você quiser e viver as mais incríveis aventuras.
Parsifal e Art3mis em seus trajes de gala |
Nesse lugar teoricamente paradisíaco, ele vive sob
um avatar de nome Parsifal. E não é por acaso que ele têm esse
nome. Personagem de um antigo poema alemão, Parsifal é o protagonista da ópera de Richard Wagner de mesmo nome. O significado
do seu nome é “inocente casto”. Parsifal é o que atravessa o jardim mágico de
Klingsor, destrói o castelo, cura as feridas do rei Amfortas e assume a
condição de rei do Graal. A jornada do nosso Parsifal do filme de Spielberg é
extremamente semelhante ao da ópera wagneriana.
Ao seu lado, Parsifal tem a companhia de Art3mis
(Samantha, no mundo real), personagem vivida por Olívia Cook. Também não é por
acaso que ela tem o nome da deusa da caça, da lua e da magia e que na mitologia
grega é descrita como a melhor caçadora entre os deuses e homens. É exatamente
isso que Art3mis é no OASIS. E por essa característica ela é admirada por
Parsifal.
Os dois têm a companhia de Aech (Lena Waithe),
Dalto (Win Morizaki) e Sho (Philip Zhao na jornada que tem aquele jeitão de
RPG. Após a morte de Halliday (Mark Rylance), o criador do OASIS, um desafio é
lançado. Quem conseguir encontrar as três chaves que Halliday deixou espalhadas
no mundo virtual consegue ter o controle do OASIS.
É claro que isso desperta a ambição da empresa de
Sorrento (Ben Mendelsohn), que deseja obter o controle do jogo para controlar o
mundo. E aqui temos o calcanhar de Aquiles do filme. Sorrento é um vilão
extremamente caricato e idiota. É um filhinho de papai que quer de qualquer
maneira obter o brinquedo mais legal do momento.
Uma pena, pois um vilão ruim que não se pode odiar
ou ao menos admirar por suas vilanias até a forma como ele cai pode estragar um filme. Parsifal merecia um
antagonista melhor.
Da mesma forma que os espectadores mereciam um
final mais interessante. Era de se esperar que “Jogador nº 1” tivesse um
desfecho feliz bem ao gênero dos filmes tradicionais. Porém, a cena do Sorrento
conseguindo abrir caminho no meio de mais de cem pessoas só porque tem uma
pistola não dá. Que rebelião é essa que não resiste a um revólver?
E quando ele finalmente chega até Wade/Parsifal não
dá um tiro porque fica maravilhado com a vitória dele e com o ovo dourado nas
mãos do rival. Por favor, né. É o tipo de lição de moral que Spielberg deveria
evitar. Ok, o bem precisa vencer o mal. Mas não vem dar recado por meio de
indiretas. Ou diretas, como a mensagem no fim de que é preciso viver mais no
mundo real.
Ainda assim, “Jogador nº 1” é uma agradável
diversão. As cenas dentro do OASIS são incríveis e muito bem feitas. Parece um
videogame em que você está jogando ali. E mal ou bem, a história te prende
ainda que o roteiro tenha a estrutura clássica dos três desafios do herói em
sua jornada. As etapas sendo vencidas aos poucos etc... É o de sempre, mas
quando bem feito não é ruim.
Cotação da Corneta: nota 7,5.
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