segunda-feira, 20 de março de 2017

Um engodo chamado 'A Bela e a Fera'

Aula de dança de salão no castelo da Fera
Todo mundo sabe que a Hermione Granger devia ter ficado com o Harry Potter. Até a J. K. Rowling sabe. Mas por um erro terrível da escritora, isso não aconteceu e ela ficou com o inútil do Rony. O lado bom dessa experiência é que ela deu o EXPERTISE necessário para a Emma Watson se meter em outra roubada: ser obrigada a se apaixonar por um cruzamento genético-mágico de um búfalo com um leão e um lobo que fala. 

Não fosse por seus minutos finais, "A Bela e a Fera" seria a maior história de zoofilia amorosa da humanidade (e do, digamos, mundo animal). Mas como o bicho se transforma em homem no final (fala sério né, não existe spoiler de uma história que já foi filmada pelo menos cinco vezes). Mas como eu dizia, como ele se transforma em homem no final, a história acaba sendo convencional e nenhum pastor famoso poderia implicar com ela. Então, esse famoso pastor resolveu implicar com um personagem gay. Se aquilo, aquelas cenas absolutamente normais o incomodam, imagina se ele estivesse vendo "24 horas: Legacy", onde o principal agente e um dos principais analistas de sistemas da CTU formam um casal em crise e discutindo a relação em meio a atentados terroristas. Ele ia pirar.

A mitologia de "A Bela e a Fera" remonta ao século XVIII, quando Gabrielle-Suzanne Barbot, também conhecida como a dama de Villeneuve, escreveu o conto original dessa historinha de amor. Nos anos 40, um filme francês estrelado por Josette Day (então a Bela) e Jean Marais (então a Fera), foi produzido, mas o cinema ainda era uma arte muito jovem e ninguém que você conhece viu essa versão. Foi quando a Disney pegou a história, modificou, adaptou, simplificou, pasteurizou e a tornou mais palatável em um meloso desenho animado dos anos 90 que "A Bela e a Fera" ganhou corações e mentes pelo mundo. 

Mas um novo século nasceu. Era hora da Disney faturar um qualquer com uma nova versão dessa história. Dessa vez com atores. Dessa vez no chamado "live action". Mas o que dizer de "A Bela e a Fera" versão 2017? É melhor que o desenho? É. Pelo menos parece um pouquinho menos brega. É um bom filme? Hummmm, é adocicado demais. O filme tem mais açúcar que sorvete de doce de leite com beijinho de coco. Enfim, não é recomendado para diabéticos. Além disso, é bobinho né. Esse papo lúdico da Disney não se sustenta nesse mundo selvagem em que vivemos onde não se pode confiar mais nem na carne que comemos. 

"A Bela e a Fera" é um musical. Logo, cada ida à feira é um acontecimento cantado e dançado. Nunca vou me acostumar com isso. Mas é desse jeito que conhecemos a Bela (Emma Watson), jovem inteligente e ávida leitora de romances que vive no pacato vilarejo de Villeneuve onde, basicamente, nenhum homem presta. Naquela época, não havia Tinder, então ninguém podia se oferecer para um date sabendo previamente que o match estava garantido. Eram tempos de romance raiz. Não era como os encontros nutella de hoje. Então o que Gaston (Luke Evans) fez? Chegou junto da Bela cantando e dançando numa roupa cheia de babados e falando: "Bela, how you doing? Quer se casar comigo? Eu sou o melhor partido do vilarejo e só quero você. Só você que me fascina. Só você, que me alucina. Só você que me faz delirar, com o seu jeito de amar". 

Bela não se deixou seduzir pelo latin lover Gaston. O problema é que, além dele ser grosseiro, machista (mas que tem até um amigo gay) e sem noção, a Bela não se sentia atraída por aquilo. Sabe como é. Ela é demisexual. Ela precisa de um envolvimento emocional, conhecer antes a pessoa para gostar dela. 

O tempo vai passando, Bela fica somente com seus livros sem o menor medo de ficar para a titia (aunty em francês de Villeneuve) e virar uma mendiga. Ela quer mais é ganhar o mundo e sair viajando por aí (claramente uma aquariana). 

Mas um dia, seu pai fica preso num castelo mal assombrado onde só é inverno e tem lobos selvagens na floresta. E ainda é habitado por um monstro terrível de chifres enormes. Quase Winterfell. Bela não aceita e troca de lugar com o pai. Promete ficar lá presa para sempre pelo amor ao pai.

A partir daí o filme adota o seu lado "Fica comigo", com um relógio (Ian McKellen) e um candelabro (Ewan McGregor) fazendo as vezes de Fernanda Lima. A Fera (Dan Stevens) precisa conquistar a Bela para quebrar o feitiço de uma bruxa e todos voltarem a ser humanos como em tempos passados. Mas a Fera não tem muito tato né. Não vê uma mulher há tanto tempo. 

Mas com a ajuda de seus empregados acessórios e mobílias a coisa começa a fluir. E todas aquelas fases do amor no cinema (blergh!!) vão acontecendo. A rejeição, a briga, uma certa afeição... E quando a Fera resolve abrir a sua biblioteca enorme e emprestar seus livros para a Bela rola uma palpitação no coração da jovem. Lembremos que ela é uma leitora voraz. Apesar do péssimo gosto de achar que "Romeu e Julieta" é a melhor obra de Shakespeare. Miga, não é nem uma das dez melhores. 

Na tentativa de conquistar a Bela, a Fera faz até o que todo homem rico faria para conquistar uma mulher. Vai com ela para Paris, é claro. Já naquele tempo, a capital francesa encantava as moças de todos os vilarejos. Mesmo sendo mais suja e com mais ratos do que hoje em dia. Mas ele se esforçou. Vamos na Notre Dame, fazer compras na Champs-Èlysee, blá-blá-blá. 

Bela já estava caidinha pela Fera, pelo seu jeito doce e arredio, pela sua forma incomum de jantar sem talheres. O golpe final acontece no baile de duas pessoas, quando ela, em seu vestido amarelo La La Land, dança com ele e suas roupas cheias de babadinhos (era uma tendência naquela época). 

A essa altura do filme, eles já estão praticamente apaixonados e a gente já está cansado de tanta música e tanto açúcar e tomado por um profundo TÉDIO. Meu deus! Vai acontecer alguma coisa minimamente relevante? Cheio de trabalhador ali e ninguém vai subir na mesa e gritar contra a reforma da previdência? 

Não. Nada acontecerá além da mensagem da Disney de que o amor supera todas as barreiras e vence no final (argh!). 

"A Bela e a Fera" é até bem feitinho. A Emma Watson até canta satisfatoriamente e o Luke Evans está caricato como a sua versão desenho animado de 91. Mas, convenhamos, não merece tanto cartaz assim. Tem uns momentos que são absolutamente chatos, beirando o insuportável e outros cheios de fru-frus e guti-gutis e um jeitinho sonhador com os olhinhos virando que dá vontade de sair correndo da sala. E as músicas são chatas demais. Gente, as canções de "La La Land" ainda estão vivas na memória. Não dá para estrear outro musical assim tão perto. Mas até que a experiência foi melhor do que eu imaginava. O filme ganhará da Corneta uma nota 5.

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