quarta-feira, 11 de novembro de 2015

007 contra a Corneta Atômica

Bond se mete numa fria, mas não perde a pose
Eu sempre disse que Daniel Craig nunca serviu para ser James Bond. Nada contra suas eventuais qualidades como ator. Ele apenas não tinha classe para o papel. Quatro filmes depois eu.... Mantenho a minha opinião, é claro, porque eu sou teimoso. Mas não apenas por isso. É difícil esquecer os erros cometidos nos filmes: sair do mar de sunguinha branca numa citação desastrada a Ursula Andress, se apaixonar, chorar, sofrer, onde já se viu isso? O cara é um agente 00 com licença para matar. Não pode se preocupar com romancezinhos. Só faltou casar igual ao George Lazenby. 

Paradoxalmente Craig fez alguns dos melhores filmes da série. Se "Cassino Royale" (2006) era bem mais ou menos (o que é uma pena, pois o livro é ótimo), a coisa melhorava em "Quantum of Solace" (2008) e chegava quase a perfeição em "Skyfall" (2012), quando, além de uma ótima história, percebemos o início da retomada dos valores tradicionais do nosso herói. 

Devemos tudo isso ao diretor Sam Mendes, que assumiu as rédeas da franquia no último filme e começou a consertar os estragos. Veio "Spectre" e atingimos o ápice da retomada, quando tudo se coloca nos eixos exatamente como os fãs gostam. 

- Tem Martinis batidos, não mexidos
- Tem Bond seduzindo as mulheres
- Tem Bond levando toco da Moneypenny
- Tem Bond, James Bond
- Tem um capanga cinco vezes mais forte que o Bond, mas que vai perder a luta no final
- Tem ótimas Bond Girls
- Tem Bond dirigindo um maravilhoso Aston Martin numa excelente perseguição pelas ruas de Roma (o lugar mais lindo para se fazer uma perseguição de carro, um dos lugares mais lindos do universo)
- Tem o herói se livrando de situações perigosas tranquilamente e sem se esquecer de ajeitar a abotoadura ou fechar o paletó (uma marca no estilo de Craig, quase um bordão imagético).
- Tem excelentes vilões
- E tem... Hummm não posso contar. Mas, vocês sabem, os mortos sempre teimam em voltar, como somos avisados no início do filme. 

"Spectre" encerra um ciclo ao mesmo tempo em que inicia outro. Nele, Bond perceberá que até aquele momento estava apenas enxugando gelo e não tratando do verdadeiro problema da humanidade. Um tal de Franz Oberhauser (Christoph Waltz, perfeito toda vida como um vilão clássico da franquia), que comanda uma organização terrorista com tentáculos em todas as partes do mundo e lugares mais improváveis. Talvez tenha um cara da Spectre do seu lado enquanto você lê este post. 

Neste momento, o MI-6 está vivendo um problema sério. Seus métodos tradicionais com o uso de agentes secretos são questionados dentro do governo britânico. Uma fusão com o MI-5 está sendo organizada e seu novo chefe, chamado apenas de C por Bond em referência a um palavrão deselegante na língua inglesa, quer trocar agentes por drones. É um tolinho adepto da espionagem de resultados e contra o romantismo, a espionagem-arte, a espionagem-moleque e a tradição dos agentes 00. 

C é interpretado por Andrew Scott, o Moriarty da série "Sherlock". A interpretação de Scott é fantástica. Ele está o perfeito filho da puta de dar raiva, com ecos na insanidade do Moriarty da série. Benedict Cumberbatch que o diga. 

Enquanto isso, Bond e sua eterna cara de jagunço está sozinho no campo e lutando  contra o relógio em uma investigação feita como último pedido da antiga M de Judi Dench antes do surgimento do novo M de Ralph Fiennes. Ele não tem o apoio de ninguém, a não ser dos amigos Moneypenny (Naomie Harris) e Q (Ben Wishaw), o gênio responsável por suas engenhocas. E, claro, a doutora Madeleine Swann (Léa "Azul é a cor mais quente" Seydoux), a Bond Girl da vez. E ainda tem a Mônica Bellucci de espartilho, amigos. Essa é o Bellucci que deu certo. 

A busca por desvendar os mistérios dessa organização misteriosa leva Bond da Cidade do México em meio aos festejos do Dia dos Mortos, a encantadora Roma, passando por Áustria, Marrocos e Londres, é claro. Bond transita em poucos dias entre um calor de 50 graus mexicano ou marroquino e o frio extremo austríaco. Tudo sem ficar doente. Eu queria ter na minha casa um estoque da vitamina C potente que esse cara toma. 

Desde o início do filme num belo plano-sequência de tirar o fôlego na capital mexicana até o desfecho londrino, tudo acontece no intuito de descobrir o que é e, eventualmente, desmantelar a Spectre. Tolinho, isso jamais acontecerá. A Spectre é como a Hidra nos “Vingadores”. 

Acrônimo em inglês para Executiva Especial de Contra-inteligência, Terrorismo, Vingança e Extorsão, a Spectre é a organização criminosa que trouxe mais dores de cabeça para o 007. Era liderada pelo seu arqui-inimigo, Ernst Stavro Blofeld, que, teoricamente morreu no filme de 1981, "007 somente para seus olhos". Na ocasião, o agente secreto era vivido por Roger Moore. 

Ela volta agora repaginada e com o filme entrando na discussão da vigilância completa de toda a humanidade a partir da proposta de unificação das agências secretas no que eles chamam de Nove Olhos. 

Mas toda essa trama é acessória perto de qual é a grande proposta do filme: a gênese do vilão. Tudo é trabalhado para se chegar no que Oberhausen se transformará para sempre. Mas até lá Bond tem que participar de perseguições mirabolantes e se virar nos 30 para salvar a humanidade, proteger a garota e tomar uns Martinis, porque ninguém é de ferro. 

Em meio a uma era de blockbusters no ritmo veloz de Usain Bolt, "Spectre" é um pouco mais contemplativo e classudo como um bom filme do passado do 007. Talvez alguns o achem chato, mas este fã saiu do cinema querendo ver o filme de novo. Méritos do diretor, dos roteiristas e do trabalho dos atores. Uma pena que a música-tema do Sam Smith com todos os seus 378756578 falsetes (mais do que toda a carreira do A-Ha) seja tão ruim. É um calcanhar de Aquiles do filme maior até do que o Craig, que já está até mais simpático.

"Spectre" abre uma gama de possibilidades para o futuro. Tal qual a sequência de filmes feitas por Sean Connery, o surgimento de um vilão (lá atrás era Blofeld) representa uma nova guinada na franquia. E se Craig não voltar, só espero que o próximo ator seja escolhido com sabedoria. Ser o James Bond é um emprego muito difícil. Não é para qualquer um. Enquanto o futuro não chega, a corneta dará uma nota 8,5 para "Spectre". E ficará os próximos anos aguardando ansiosamente pela chegada do novo filme.
"





Nenhum comentário: