sexta-feira, 3 de abril de 2015

Cotação da corneta: 'Cinderela'

Arrasou no vestido, amiga
Casamento é uma coisa que pode te fazer perder a cabeça. Que o diga Richard Madden, que perdeu literalmente a sua no Casamento Vermelho de "Game of Thrones". Mas Madden não desistiu do sagrado matrimônio. Desde que ele seja feito em uma realidade menos sangrenta e mais lúdica. Por isso, aceitou o convite para viver o príncipe de "Cinderela". Afinal, sempre se pode dar uma segunda chance a esta instituição cuja falência já foi decretada por muitos, mas aparentemente segue firme e forte.

E Madden é o príncipe mais tradicional possível dos contos de fada. Jovem, bonito, bondoso, gentil, cavalheiro, justo e apaixonado por uma jovem pela qual não deveria se apaixonar, pois ela é de baixa renda. E todos querem afastá-la dele por causa disso. Sempre o velho conflito financeiro. O amor é cego, amigos. E os opostos se atraem.

E a Corneta conseguiu enfiar dois clichês no mesmo parágrafo porque no fundo quer dizer que Cinderela é apenas um filme lindamente tradicional. Começa até com um "Era uma vez..." É praticamente como se o desenho da Disney fosse agora filmado com atores e um orçamento generoso. Coisa de US$ 95 milhões. Se é bom, é outra história. Deixarei para você, caro leitor, decidir por si mesmo, embora a minha nota esteja no fim deste post.

É curioso pensar que em meio a releituras pop de contos de fada como os pavorosos "Branca de neve e o caçador" (2012), "João e Maria: caçadores de bruxas" (2013) e um mix best of de vários "fairy tales" como "Caminhos da floresta" (2014), a Disney tenha decidido usar Cinderela para voltar ao roots.

Pois em Cinderela não tem pontos fora da curva. A garota faz o que deve fazer, o príncipe faz o que deve fazer, estão lá todos os ícones do conto de fadas e os valores de bondade, amor e esperança que norteiam o mundo encantado da Disney. O máximo que vemos é uma Cinderela com personalidade diante da madrasta e que sabe o que quer e busca o seu objetivo com firmeza. O príncipe é dela e ninguém tasca. Afinal, uma mulher totalmente passiva não ia dar para engolir em 2015.

O filme também gera uma pequena reflexão. Num mundo de heroínas fortes como Frozen e fora dos padrões de beleza como a Fiona de Shrek, a Cinderela pura, que leva os valores de coragem e bondade da mãe como bastiões de sua vida, quase uma santa, ainda cabe? Ainda interessa às crianças uma jovem de um tempo que não é mais o nosso? A julgar pela quantidade de cópias dubladas nos cinemas a resposta é sim. Deixemos como reflexão para cada um. Corneta também é filosofia.

Para pilotar essa nave encantada a escolha de Kenneth Branagah parece ter caído como uma luva. Branagah é conhecido por levar para as telas do cinema as adaptações de William Shakespeare "Henrique V" (1989), "Muito barulho por nada" (1993), "Hamlet" (1996) e "As you like it" (2006), além de ter atuado como Iago em "Otelo" (1995). Como não lembrar daquele Iago, um precursor de Frank Underwood falando conosco durante o filme? Ou seja, podemos dizer que Kenneth Branagh só não entende mais de Shakespeare do que a Barbara Heliodora. E se você entende de Shakespeare, entende de realeza, reis, príncipes e donzelas.


Além disso, é preciso respeitar quem faz o solilóquio de Hamlet.


Branagah conduz um filme com o metrônomo ligado. Tudo é inegavelmente perfeitinho em um trabalho cujo roteiro não exige grandes desafios e os atores não precisam fazer grande esforço.

A história é aquela de sempre. A jovem Cinderela vive num mundo maravilhoso e próspero com os pais e é tratada como uma princesa. Tem poucos amigos humanos, mas tem uma ligação direta com os animais. É amiga de todos, inclusive dos ratos. E se comunica com eles. Impressionante como a Disney adora camundongos.

Mas os seus pais morrem e as dificuldades financeiras surgem. Pior, Cinderela é tratada como uma empregadinha de quinta categoria pela madrasta e pelas irmãs postiças barangas. Tudo sem direitos trabalhistas!

Mas o dia da virada há de chegar, amigos. Não há mal que sempre dure. Basta ter fé e acreditar na magia. O príncipe dará um grande baile em que escolherá a noiva para governar o reino ao seu lado. Ninguém ajuda Cinderela. A madrasta esculacha o seu vestido, o povo de nariz em pé do palácio quer empurrar o príncipe para uma espanhola de Zaragoza com jeito de dançarina de flamenco é um pega-rapaz.

Cinderela, no entanto, não vai se abater. Com a ajuda da fada marinha (Helena Bonham Carter), surgirá no castelo linda, loura, com um vestido azul celeste e sapatinhos de cristal que no mundo real custam os olhos da cara. Fala-se em mais de R$ 14 mil. Mas dizem que eles são muito confortáveis.

Cinderela manda um beijinho no ombro para as rivais, toma o príncipe para ela e dança, dança, dança como se não houvesse amanhã. Flerta com o príncipe e vai para o jardim secreto dele. Em volta do casal, as invejosas morrem de raiva.

Só que 0h Cinderela precisa vazar. O encanto é como um iogurte: tem prazo de validade curto. E a carruagem vai virar abóbora. Cinderela corre desembestada para casa antes que o príncipe a veja vestida sem as roupas de grife e a maquiagem bem feita.

Todavia, vocês sabem como são os homens. Diante de uma mulher que se faz de difícil é que o príncipe corre atrás mesmo. E a partir daí começa a busca incessante dele. Quem calçar o sapatinho de cristal leva o príncipe e o reino numa promoção imperdível. Bom, ai todos sabemos que é questão de tempo para Cinderela e seus ratinhos mudarem de patamar na sociedade e irem para o castelo do rei, deixando de vez a princesa espanhola no vácuo. E a madrasta. E as irmãs postiças.

Cinderela não chega a ser um filme espetacular, mas também não é uma bomba completa. Tem lá o seu valor e talvez agrade aos fãs de contos de fadas. Da parte da corneta o filme de Kenneth Branagah vai ganhar uma nota 5,5.

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