domingo, 13 de julho de 2014

Hier arbeitet (Aqui é trabalho)

Löw comemora com o time/Reprodução DFB
Joachim Löw nunca ganhou um Campeonato Estadual, nem dirigiu um time brasileiro. Então provavelmente não deve ser considerado um grande treinador por Muricy Ramalho. Mas o técnico simboliza na Alemanha uma das frases pelas quais o treinador do São Paulo é conhecido: “Aqui é trabalho”.

Não apenas Löw, mas a história desse time alemão que começou antes mesmo dele. Foi em 2002, quando a Alemanha chegou à decisão do Mundial da Coreia do Sul e do Japão, mas não havia nenhum Felipão nem Parreira naquela delegação para dizer que o trabalho fora excelente. Não havia também cartinha da Dona Lúcia (ou Frau Lucia) ou estatísticas manipuladas para mascarar a realidade. A Alemanha tinha um time ruim que só chegara na final graças ao Mundial quase perfeito do goleiro Oliver Kahn, que pegou até pensamento. Só não conseguiu pegar dois chutes de Ronaldo.

Naquele jogo, os alemães perceberam que estava tudo errado e era preciso mudar para não desaparecer na história. Não viver dos heróis do passado como Fritz Walter, Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Jürgen Klinsmann ou Lothar Matthäus.

Não vou reproduzir aqui toda a história do que aconteceu. Ela é mais do que conhecida e foi bastante recontada nos últimos dias. Vou resumir em um parágrafo. A Federação alemã abriu o cofre, investiu no futebol de base, fortaleceu os clubes e a Bundesliga e investiu na mudança de mentalidade. Catorze anos depois, o Campeonato Alemão é um dos mais importantes do mundo, o de maior público, os clubes são saudáveis e revelam talentos.

Em meio a esse processo, Klinsmann assumiu a seleção em 2004, logo após a Euro. Junto com ele estava Löw, o então auxiliar do ex-atacante. O primeiro desafio era logo a Copa em casa. Havia pressão, mas não teve chorôrô nem coordenador técnico dizendo que o campeão chegou. A Alemanha ainda não estava pronta para ser campeã, mas deu seus primeiros frutos com um excelente terceiro lugar. Junto a Klose, que estava na final de 2002, surgiram Schweinsteiger, Phillip Lahm, Podolski e Mertesacker. Três destes jogadores foram titulares neste domingo, na vitória de 1 a 0 sobre a Argentina, no Maracanã.

Em 2006, a Alemanha já exibia um futebol ofensivo, mais arejado, mas ainda não era um time feito. Ao fim da Copa, Klinsmann saiu e Löw foi promovido ao posto de treinador. O trabalho continuou e os alemães disputaram a sua primeira decisão em 2008, mas perderam a Eurocopa para a Espanha.

Dois anos depois, a Alemanha chegava ao Mundial de 2010 como favorita. Em campo exibiu um futebol de seleção campeã. Foi a melhor equipe da Copa, mas parou numa cabeçada de Puyol na semifinal que deu a vitória para a campeã Espanha por 1 a 0. A geração 2010, no entanto, revelava mais alguns nomes importantes: Khedira, Özil, Boateng, Neuer e Toni Kroos. Müller fora o artilheiro da competição. Estes seis são titulares do time tetracampeão neste domingo e Khedira só não enfrentou a Argentina porque sentiu um problema físico no aquecimento.

A Alemanha agora sim estava pronta, mas não dava sorte. Assim como o time do Bayern de Munique, base da equipe, que sofria para conquistar a Liga dos Campeões, perdendo duas finais para Inter de Milão e Chelsea. Esta em plena Allianz Arena, em Munique. Veio a Euro e novo fracasso na semifinal com a derrota por 2 a 1 para a Itália.

A Alemanha ganhava a pecha de amarelar na hora H. Esse problema começou a ser resolvido no clube, quando o Bayern, onde jogam sete atletas do time atual, finalmente conquistou a Liga dos Campeões. O primeiro peso saia das costas de Neuer, Lahm, Schweinsteiger, Boateng, Thomas Müller e Toni Kroos.

Veio a Copa e a Alemanha mais uma vez era favorita. O time começou de forma arrasadora goleando Portugal por 4 a 0. Teve boas atuações contra Gana e Estados Unidos, mas sem encantar. Sofreu para derrotar na prorrogação uma valente Argélia e jogou o suficiente para derrotar a França por 1 a 0. Até que veio a semifinal contra o Brasil e a Alemanha mostrou o seu melhor futebol, atropelando a seleção com uma histórica goleada por 7 a 1.

Na final, a Alemanha fez mais uma vez uma boa partida, mas teve muito mais dificuldades contra a Argentina, que soube neutralizar o seu jogo em diversos momentos. Os argentinos chegaram a jogar melhor no primeiro tempo, tiveram uma boa chance com Messi no segundo, mas dessa vez a Alemanha estava madura e soube vencer.

Foi a coroação de um trabalho de dez anos, disse Löw após a conquista. Como não concordar com o técnico? A Alemanha não tem um cracaço como Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo, mas tem muitos bons jogadores e um time. E isso é fundamental para vencer. Tenho certeza que os dois maiores jogadores do planeta adorariam jogar na seleção alemã.

O trabalho da Alemanha é tão bem feito que a seleção encerra a sua participação na Copa sabendo que tem time para lutar pelo penta em 2018. Praticamente só Klose se despediu da seleção neste domingo. Aliás, como o maior artilheiro da história das Copas com 16 gols. Dos demais titulares, Lahm terá 34 anos em 2018 e Schweinsteiger, 33. Poderão ser reservas muito úteis em um grupo promete estar ainda mais forte e poderá contar com nomes importantes que não vieram ao Brasil como Marco Reus e Schmelzer. E outros ainda vão surgir na fábrica de talentos alemã.

Nos dez anos de trabalho, Löw sempre premiou o talento e o jogo ofensivo. A Alemanha tinha um futebol mais vertical, de velocidade e encantava mais do que a Espanha em 2010. Mas parou no tik-taka. Quatro anos depois, Löw aproveitou o entrosamento do Bayern de Pep Guardiola e exibiu uma Alemanha no que a imprensa local chamou de “tik-taken”, uma versão alemã e mais moderna do tik-taka. E um pouco mais objetiva.

Foi um time que tinha um centroavante (Klose), mas tocava a bola com um meio-campo extremamente talentoso formado por Schweinsteiger, Khedira, Toni Kroos e Özil. Todo mundo aqui sabe jogar bola. E a grande sacada de Löw na semifinal foi colocar Schweinsteiger como primeiro volante. O craque teve total liberdade e brilhou nos dois jogos decisivos da Copa.

A Alemanha não tem um time perfeito. Jogou a Copa inteira com um zagueiro improvisado na lateral-esquerda (Höwedes). Tem um esquema que funciona muito bem com suas linhas de defesa, meio-campo e ataque atuando quase que num espaço de 20 metros e fazendo triangulações, mas ele deixa espaços na defesa que muitas vezes colocaram Neuer cara a cara com atacantes. Mas soube lidar com os seus pontos fracos e se superar para conquistar o Mundial.

Por fim, a lição que fica da vitória da Alemanha, a primeira vitória de um europeu nas Américas, é que o futebol do Velho Continente está muito a frente do Sul-Americano. Já são três Copas consecutivas e duas finais formadas apenas por europeus (Itália x França em 2006 e Espanha x Holanda em 2010). Taticamente e tecnicamente, as principais equipes da Europa estão muito a frente dos times e seleções de Brasil e Argentina. Embora a Colômbia tenha sido uma das seleções que mais gostei neste Mundial.

É preciso trabalhar. E demora para dar frutos. Neste domingo, Löw foi campeão mundial após dez anos de trabalho e três vezes em que bateu na trave (duas Euros e uma Copa). E ele já tem uma equipe preparada para voltar a brigar pelo título na Euro-2016 e na Copa da Rússia, em 2018. Afinal, o trabalho tem que continuar.

Nenhum comentário: