quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mergulho psiquiátrico de Von Trier

Kirsten Dunst nada feliz com o casamento
O dinamarquês Lars Von Trier gosta de uma polêmica. Dois anos depois de provocar vaias e aplausos com o seu “Anticristo” em Cannes, ele voltou ao palco do tradicional festival de cinema francês para virar persona non grata após suas declarações controversas de que entendia Hitler. A piada de mau gosto ofuscou o seu “Melancolia”, bom filme que então fora exibido no festival, mas não impediu a atriz Kirsten Dunst de deixar a premiação com a Palma de melhor atriz.

“Anticristo” e “Melancolia” guardam algumas semelhanças. Primeiro as óbvias: a presença da atriz Charlotte Gainsbourg e uma abertura com uma composição clássica e imagens em câmera lenta. Lá o escolhido era Händel, aqui Von Trier atacou de “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner (ouça no vídeo no fim do post). Logo Wagner, o nazista Wagner, e o diretor ainda me elogia Hitler. Queria brincar com fogo.

Uma terceira semelhança é que suas histórias não deixam de ser um certo “drama psiquiátrico”. Se em “Anticristo” Charlotte vive uma mãe em luto eterno e numa dor profunda pela culpa da morte do filho e acaba mergulhando num estado de loucura enquanto o marido psicólogo vivido por Willen Defoe tentava buscar formas de curá-la, em “Melancolia” Kirsten Dunst é a protagonista que navega entre um estado melancólico e a profunda depressão a partir da noite do seu casamento.

Dividido em duas partes, “Justine” e “Claire”, nomes das personagens de Kirsten e Charlotte, “Melancolia” começa com o casamento de Justine, uma noite que teria tudo para ser de muita felicidade numa festa organizada por sua irmã, Claire, com o dinheiro do marido ricaço John (Kiefer Sutherland, cuja imagem não consigo dissociar do Jack Bauer. Sempre acho que ele vai puxar uma arma, torturar alguém em busca de informação ou dizer um dos seus bordões do tipo “Do it, now!!”).

No início Justine parece feliz com Michael (Alexander Skarsgard) e o casal tira de letra e com bom humor um imprevisto com a limusine que não consegue passar por uma rua estreita. Mas é um filme de Von Trier. Não poderíamos esperar que a noite fosse feliz. Aos poucos Justine mostra que sua felicidade é aparente, é para o mundo exterior e o casamento e a vida feliz é algo enfadonho. Justine sofre de depressão. Por isso entendemos a preocupação extrema de Claire com a irmã. A mesma ainda tem que se preocupar com a mala da mãe, Gaby (Charlotte Rampling), mulher que não acredita no casamento e na tal felicidade a dois e faz questão de deixar isso claro no meio da festa. E Rampling está maravilhosa soltando o seu veneno nas poucas cenas que participa.

A verdade é que Justine já não consegue mais disfarçar que o casamento para ela não faz mais qualquer sentido assim como a sua própria vida. Ela tenta manter a capa de felicidade para justificar a festa, mas nada daquilo tem importância e ela mergulha numa profunda depressão após jogar tudo para o alto.

Paralelo ao caso de Justine, “Melancolia” conta a história de um planeta de mesmo nome do título da película que estaria em rota de colisão com a Terra. A possibilidade da morte, que John garante que não acontecerá, paralisa e deixa transtornada Claire, pois ela não consegue entender que seu filho pequeno não terá um futuro por conta dos caprichos da natureza.

Lendo informações sobre o filme, descubro que Trier resolveu filmar essa história após uma sessão de terapia quando ele se tratava de depressão. Na ocasião, o terapeuta lhe informou que uma pessoa depressiva tende a reagir mais calmamente do que as demais diante de uma situação de grande pressão porque ela já tem a expectativa de que coisas ruins vão acontecer.
Kirsten Dunst nua diante de Melancolia

O diretor pegou esse fiapo de informação para fazer o seu muito particular filme-catástrofe. Diante da iminência de o planeta ser atingido pelo Melancolia, Justine e Claire mudam completamente de lado. Justine, que mal conseguia tomar banho sozinha se acalma e até se entrega ao destino inevitável numa bela cena em que Kirsten Dunst aparece nua ao “luar da melancolia” (não podia deixar de destacar isso e postar a foto ai de cima). O fim do planeta representa para ela o fim da dor, o fim de uma vida sem sentido e finalmente a paz que ela nunca teve.

Para Claire, saber que a morte lhe baterá a porta em uma semana é desesperador. Ela “recebe o diagnóstico” de que tem uma semana de vida e não consegue aceitar. Pensa no futuro que o filho não terá e em tudo o que não realizou. As palavras pessimistas de Justine obviamente não a reconfortam e ela passa toda a segunda parte buscando um fiapo de esperança que a mantenha sã. No final, ambas acabarão aceitando o seu inevitável destino.

“Melancolia” é um bom filme, mas me deixou com uma pontinha de decepção por ser exatamente o que se propõe a ser. Esperava algo mais desafiador como “Anticristo” e outros trabalhos anteriores de Von Trier que o forçam a ter mais imaginação.

Mas é impossível assistir ao filme sem celebrar a ótima atuação de Kirsten Dunst. A atriz de 29 anos que até então era conhecida por interpretar a Mary Jane, a namorada de Peter Parker na trilogia do “Homem-Aranha” (entre 2002 e 2007), e a rainha Maria Antonieta no dispensável filme de Sofia Coppola de 2006, tem aqui o seu primeiro grande papel e encara muito bem o desafio. Kirsten é um dos pontos altos do filme e sua atuação é daquelas que valem o ingresso. Ela tem aquele olhar melancólico, derrotado, devastado e depois passa perfeitamente sua serenidade pós-depressiva.


É uma atuação irretocável. Quem vê “Melancolia” entende os motivos que a levaram a ser premiada em Cannes e Kirsten acaba sendo o ponto alto do filme mais óbvio de Von Trier.


4 comentários:

Anônimo disse...

Eu tenho que confessar que eu geralmente fico entediado para aprender a coisa toda no entanto eu acredito que você pode adicionar algum valor. Bravo!

Lavínea disse...

Super concordo, Marcelo!
Vi o filme ontem e, quando terminou, fiquei um tempo parada pensando: "Foi por isso que fizeram tanto estardalhaço?"
O filme é bom e só. E Kirsten Dunst é divina em cena.

marcelo alves disse...

Exatamente. Von Trier pode fazer coisa muito melhor.
beijo,
marcelo

marcelo alves disse...

Obrigado Anônimo. Pena que você não se identificou, mas obrigado. Volte sempre.