sábado, 4 de junho de 2011

A primeira aula

Inaugurada em 2000, a franquia dos X-Men se tornou uma das melhores entre as adaptações dos quadrinhos apoiada não apenas nos efeitos especiais, mas no bom desenvolvimento da história sobre os mutantes que “usam os seus poderes para proteger a humanidade que os teme e odeia” – e no que isso gera num debate acerca do racismo e de uma suposta pureza genética em substituição ao ideal nazista da supremacia ariana – e nas ótimas atuações dos seus três principais atores: Hugh Jackman (Wolverine), Patrick Stewart (professor Charles Xavier) e Ian McKellen (Magneto).

Capitaneada por Bryan Singer no início, a trilogia só deu uma escorregada no terceiro filme, dirigido por Bratt Rattner, quando optou por ser meramente um filme de ação e deixou de lado assuntos bons para serem explorados como a saga da Fênix do ponto de vista puramente dos quadrinhos ou a questão da cura dos mutantes, que seria uma continuidade daquele debate com o racismo como pano de fundo.

Apesar desse leve desvio de rota, a franquia fez sucesso arrecadando muito dinheiro nos cinemas do mundo inteiro e sair dos trilhos para pegar uma nova rota seria uma aposta ousada e ainda bastante arriscada. Mas foi esse o desafio que o mesmo Bryan Singer dos dois primeiros filmes se impôs ao ajudar a escrever a história da origem dos jovens mutantes que formariam o supergrupo X-Men e dos próprios mutantes na Terra na década de 60 do século passado em “X-Men: primeira classe”, que acaba de entrar em cartaz.

Como se trata do início da história do grupo, o filme dirigido por Matthew Vaughn não pôde contar com a trinca de atores que carregaram a trilogia nas costas até 2006 (a não ser por uma hilária ponta de Jackman no papel de Wolverine) e aposta em novos e menos midiáticos mutantes para reiniciar uma história do zero e contar a origem de tudo.

O resultado dessa aposta é mais do que satisfatório. “X-Men: primeira classe” não deve nada aos três primeiros e ganhou em James McAvoy (o novo professor X) e Michael Fassbender (o novo Magneto) substitutos a altura dos mestres Stewart e McKellen.

Base do primeiro filme dos X-Men, o confronto de ideias e estilos dos amigos e rivais Charles e Magneto é mais uma vez a linha mestra que permeia o trabalho de Vaughn. O diretor usa os dois personagens para mostrar que eles se tornarão líderes de todas as gerações de mutantes que dali nasceriam sempre num confronto entre fazer o que é certo e proteger a humanidade apesar da aversão, temor e horror que ela tem pelos nascidos com o gene X a mais, ou simplesmente esmagá-las porque os mutantes são a nova ordem, um estágio a frente da civilização e superiores, logo, devem prevalecer como espécie dominante numa corruptela da teoria darwiniana da evolução das espécies e, por que não?, uma versão mutante do nazismo.

A primeira turma dos X-Men com o seu olhar 43
No meio dos dois, há um inspirado Kevin Bacon (e há quanto tempo eu não digo isso) vivendo Sebastian Shaw, o líder do Clube do Inferno, cujo plano é simplesmente destruir a humanidade provocando uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética. Estamos nos anos 60 e a real crise dos mísseis de Cuba é usada como plano perfeito para inserir os até então escondidos e párias mutantes na história da humanidade.

Com uma identidade alemã, Shaw foi também um oficial nazista e responsável pela morte da mãe de Magneto, quando o jovem judeu Erik Lehnsherr viu sua família ser jogada num campo de concentração nazista. O filme, aliás, começa exatamente como o primeiro trabalho dos X-Men. Desconfio até que seja a mesma cena. O início da película mostra a origem de Magneto e a primeira vez que Erik manifesta os seus poderes (os poderes de todos os mutantes começam a surgir na adolescência deles).

O episódio do assassinato da mãe é o que vai mudar toda a história de Magneto, que crescerá sempre em busca da vingança e nunca confiará na humanidade porque ele sempre vai acreditar que quem é capaz de jogar pessoas diferentes (no caso judeus) numa câmara de gás, muitos deles depois de sofrerem com experimentos científicos, fará o mesmo ou pior com os mutantes se estes não se defenderem.

Charles, porém, acredita no trabalho em conjunto, na bondade da maior parte da humanidade e que exatamente por serem um avanço na genética, os mutantes precisam dar o exemplo, colaborar, proteger os humanos e ensiná-los a não temer o que é diferente deles.

Apesar das diferenças e da sede de vingança de Erik, até o fim do filme os dois ainda estarão juntos. A película mostra exatamente a migração de Magneto para, digamos, “o lado negro da força”, logo após ser o responsável pela irreversível lesão na coluna de Xavier e o assassinato de Shaw. Até lá, eles recrutam mutantes para formar a primeira turma de alunos dos X-Men.

Assim ficamos conhecendo personagens que não haviam aparecido antes ou fizeram pequenas pontas, como o Fera (Nicholas Hoult), Banshee (Caleb Landry Jones) e Destrutor (Lucas Till), que é Alex Summers, irmão de Scott, o Ciclope conhecido por todos os fãs dos quadrinhos. No filme também aparece pela primeira vez com destaque a doutora Moira McTargget (Rose Byrne), que virá a ser uma grande parceira de Xavier e comandará uma divisão da futura escola para jovens superdotados dele na Ilha Muir, na Escócia. Além de Mística, vivida pela indicada ao Oscar deste ano por “Inverno da Alma” Jennifer Lawrence, que tem sua origem e passagem do lado dos bons para o dos maus contada também em “Primeira Classe”, e da Rainha Branca/Emma Frost (January Jones, numa interpretação patética e parecendo uma boneca de porcelana), uma telepata tão poderosa quanto Xavier.

Todos, porém são meros coadjuvantes perto das ótimas interpretações de McAvoy e Fassbender que monopolizam o filme e o tornam ainda mais interessante porque conseguem passar a ternura da amizade sincera entre os dois personagens junto com as diferenças de ideias e o afastamento sem que isso abalasse um profundo respeito mútuo e a sinceridade e reconhecimento da importância de um para o outro.

Resta saber agora o que Vaughn - ou outro diretor - fará no próximo passo dessa nova seqüência dos X-Men. Agora os caminhos das estradas estão delimitados e Magneto precisará colocar o seu plano em ação. Se a história seguir para um próximo momento do grupo de mutantes, será a hora de entrarem em cena o Homem de Gelo, Ciclope, Fênix e Arcanjo, que junto com o Fera formaram o passo seguinte dos X-Men. Mas será que o estúdio vai deixar mais uma vez o personagem mais interessante de todos, o Wolverine, de fora?

Nenhum comentário: