domingo, 5 de junho de 2011

Um bom Mel Gibson

Esqueça por 90 minutos o imbecil que Mel Colm-Cille Gerard Gibson se tornou participando de lamentáveis episódios de espancamento de namoradas. Tente esquecer por 90 minutos o patético antissemitismo do ator americano de 55 anos que dirigiu aquele banho de sangue chamado “A Paixão de Cristo” (2004). Seja superior a ele, dispa-se dos preconceitos e observe em “Um novo despertar” o bom ator que Mel Gibson pode ser quando quer e encontra uma boa história pela frente.

Terceiro trabalho como diretora de Jodie Foster, “Um novo despertar” conta a história de Walter Black, um diretor de uma fábrica de brinquedos maluco, depressivo e com tendências suicidas que um belo dia, depois de ver toda a sua vida familiar e profissional destroçada pelo seu comportamento auto-destrutivo resolve dar a volta por cima de um jeito peculiar: sendo ventríloquo da própria vida através de um castor de pelúcia. Daí o nome original do filme ser “The Beaver”, “O Castor” em inglês.

A ideia de Walter é esquecer todo o passado e começar de novo. Guardar todas as lembranças numa caixa hermeticamente fechada dentro do cérebro e reiniciar a vida, dar o reboot a partir daquele ponto, a partir do momento em que o castor assume o comando dela.

Pode soar uma ideia patética e realmente quem não embarca na viagem do filme o acha alternado entre o ridículo e o sentimento de descrença do tipo “isso não acontece na vida real”. Mas, convenhamos, isso é cinema né. Se você não embarca nessa aposta meio doidona, vai viver a sua própria vida e seja feliz.

E é em Gibson que Jodie Foster aposta para que o discurso do roteirista Kyle Killen tenha alguma veracidade dentro do cenário esquizofrênico que Walter Black vive. Mais do que a depressão é a loucura o seu grande mal. O novo despertar de Walter nada mais é do que um universo paralelo inventado pela sua mente doentia para que ele pudesse viver mais um pouco na sociedade e adiar o inevitável encontro com o manicômio mais próximo.

Em meio a tudo isso, há uma família tentando se reestruturar. A própria Jodie Foster vive Meredith, a esposa de Walter que sustenta a família e busca um pouco mais de carinho de todos, entre eles o filho mais velho, Porter (Anton Yelchin), que por não gostar das atitudes e da vida que o pai leva persegue obsessivamente em si todos os sinais possíveis que o possam fazer ser parecido com ele para eliminá-lo.

O próprio Porter é um desajustado que tem a incrível capacidade de mimetizar as ideias difusas dos seus colegas de escola e transformá-las em belos trabalhos ou textos, como o que prepara para Norah (Jennifer Lawrence), a paquera do jovem e ela também uma desajustada artista de pichações de rua que cerceia a sua arte e quer se ver distante dela após a trágica morte do irmão mais novo.

Enquanto a vida de Meredith com o Walter/Castor vai melhorando e o filho mais novo, Henry, descobre um novo pai que ele não conhecia e o ajuda a construir coisas e liberar sua criatividade, Porter não consegue aceitar que a mãe tenha aberto a casa para novamente receber o pai que por anos foi um estorvo na família. É aqui que Jodie Foster abre caminho para uma lavagem de roupa suja da família Black que para ela pode servir de espelho para muitas famílias de todos os cantos do planeta.

Mas é claro que Meredith vai se cansar da vida de ventríloqua, vai querer o marido de volta, mas não vai perceber que o sonho temporário de um tratamento para atingir uma cura era uma utopia e que o caso de Walter é mais grave do que ela podia imaginar.

E Gibson mostra que por trás daquele monstro descrito lá em cima ainda vive um bom ator que diante de um papel como esse ainda pode mostrar algumas qualidades como no passado. Lembre do guerreiro escocês William Wallace em “Coração Valente” (1995), filme pelo qual ele ganhou um Oscar de direção e outras quatro estatuetas. Lembre de como nos divertimos com Martin Riggs, o impagável policial porra-louca dos cinco filmes da série “Máquina Mortífera”, ou do seu divertido Bret Maverick, em “Maverick” (1994), quando contracenava com a amiga Jodie Foster. Do herói Benjamim Martin de “O Patriota” (2000) ou “O preço de um resgate” (1996) e “O Troco” (1999). E não esqueça de Mad Max. Nunca se esqueça de Mad Max e a trilha sonora da velha Tina Turner.

Interpretações que mereciam ganhar um Oscar? Provavelmente não, mas trabalhos honestos que representam um pouco mais do que qualquer idiotice que esse cara tenha feito para manchar a própria carreira e agora precisar do apoio de amigos como Jodie para mostrar que diante de uma câmera ainda pode dar um caldo.

E assim voltamos a “Um novo despertar”. Que o título em português sirva de inspiração para Mel Gibson olhar para trás e começar de novo. Mas sem esquecer o passado, nem enlouquecer de vez como Walter Black.

Nenhum comentário: