terça-feira, 11 de setembro de 2007

Quebra-cabeça remontado

Há dez anos João Moreira Salles tinha uma excelente história num incrustado quebra-cabeça só agora montado. Desde a sua infância, o personagem rondava a vida da criança que brincava de mordomo e veio a se tornar documentarista. Santiago é o personagem, o mordomo, o filme agora realizado e uma visita à própria história de João Moreira Salles.

“Santiago”, o documentário, foi um dos primeiros trabalhos a ser filmado por João e pode ser o último a ser lançado como ele já andou dizendo. Ameaças à parte, é um filme obrigatório para os estudantes de cinema por sua experiência com a linguagem e seu tom quase que em on e off. São dois trabalhos em um. É o documentário e o making off do trabalho mostrando o porquê de cada cena, de cada quadro, de cada movimento. Nada fica sem explicação. Nada fica sem reflexão.

O fato de ser obrigatório para os estudantes de cinema não exclui todos os outros que podem acompanhar um filme tocante pela delicadeza e simplicidade. É impossível não simpatizar com aquele argentino que por décadas serviu à família dos Moreira Salles, apaixonado pela história das grandes dinastias e famílias da humanidade. Um mordomo de dia e historiador – por vezes músico - à noite.

Era uma figura multifacetada que acumulava o conhecimento de milênios sem perder a humildade dos grandes homens. Quanto não se pode aprender sobre a vida diante de Santiago. Sobre a paixão por algo, as dores e os desafios da vida. Quanto disso, João Moreira e seu irmão Walter Salles levaram para a tela em suas obras? Talvez seja uma questão que nem eles podem responder.

“Santiago” é um documentário vivo, um quebra-cabeça sendo montado com o passar dos minutos. Por isso que João Moreira Salles só percebe ao final, quando seu personagem já havia morrido, o pecado que cometera. Apesar de tanto carinho e dedicação, Santiago nunca deixou de ser o empregado servindo ao patrão.

A relação de distanciamento, inspirada num filme japonês citado pelo diretor na obra, é, inconscientemente, a relação patrão-empregado. João aqui, atrás de sua câmera dando ordens do tipo “faz assim”, “faz aquilo”, “agora repete olhando para a câmera”. Santiago lá obedecendo ao “Joãozinho”.

João encerra o documentário com o profundo e amargo sabor da culpa. No final não passava de um patrão excêntrico obrigando o empregado a participar de seu filme. Dias depois diria que aprendeu muito com o filme. Certamente cada um sai com uma lição e mais incomodado da sala de cinema.

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