sábado, 10 de maio de 2025

Book Review: “As últimas testemunhas” e “A canção da espada”

A guerra é meu livro de história. Minha solidão…Perdi a época da infância, ela fugiu da minha vida. Sou uma pessoa sem infância, em vez de infância tenho a guerra” (pág. 34).

“A infância acabou… Com os primeiros tiros. Uma criança vivia dentro de mim, mas já ao lado de alguma outra pessoa…” (pág. 191).

“Aos dez anos fui para o primeiro ano. Mas eu era grande e sabia ler, seis meses depois me passaram para o segundo ano. Eu sabia ler, mas não escrever. Me chamaram para o quadro, era preciso escrever uma palavra com a letra “u”. Fiquei parado pensando horrorizado que não sabia como se escrevia a letra “u”. E já sabia atirar. Atirava bem” (pág. 109).

Nos tempos sombrios em que vivemos do ponto de vista geopolítico, Svetlana Aleksiévitch é uma das autoras mais necessárias. A jornalista bielorrussa é responsável por dar voz à dor extrema causada pelos desmandos e irresponsabilidades de políticos e poderosos. Seus livros são como facadas na alma do qual é difícil se recuperar. Contudo, fundamentais para entender o horror da guerra, o horror da fome, o horror da máquina de propaganda governamental e como as vidas são dilaceradas quando há um conflito armado. Inclusive, a vida dos sobreviventes.

É muito difícil ler seus livros. Talvez nem tanto ou nem tão doloroso quanto foi para ela escrever todos eles. Lembro de ter assistido a uma palestra dela na Feira Literária de Paraty (Flip) de 2016 em que ela dizia que já sofreu muito com tantos livros sobre guerras e que não consegue mais escrever sobre isso. Na ocasião, ela disse que gostaria de escrever sobre o amor em seu próximo trabalho.

“As últimas testemunhas” é exatamente sobre a guerra. Mais uma vez, ela se debruça sobre a Segunda Guerra Mundial, chamada pelos russos e soviéticos de Grande Guerra Patriótica, tema de “A guerra não tem rosto de mulher” (1983) e de parte de “O fim do homem soviético” (2013). Desta vez, o objetivo do livro é colher depoimentos de adultos que eram crianças durante a Segunda Guerra. As últimas testemunhas daquele conflito, as últimas vozes a serem ouvidas que ainda estão vivas enquanto a sociedade parece esquecer o quão terríveis foram aquelas primeiras quatro décadas do século XX. A forma é a mesma literatura oralizado que consagrou o seu trabalho como escritora.

Dois sentimentos perpassam os depoimentos de “As últimas testemunhas”: a perda da infância e a necessidade de amadurecer muito antes do tempo causado pelo impacto da guerra. É de uma enorme dor no coração ler os relatos de homens e mulheres que foram meninos e meninas que perderam a chance de estudar no tempo certo, de brincar no tempo certo, de ter uma vida normal. Crianças que sabiam atirar, mas mal sabiam ler e escrever. Crianças que passaram fome e se viram separadas de seus pais.

E é muito doloroso ver como estás crianças viraram adultos com traumas para o resto da vida.

Em todos os seus livros, Aleksiévitch nos convida a experienciar o terrível mal através dos depoimentos de quem se abriu com ela para uma entrevista.

A autora faz a sua parte para que a história não se repita. É uma pena que vivamos tempos tão enevoados em que entregamos o poder a incompetentes mal-intencionados que podem nos levar a caminhos tão sombrios quanto os documentados pela autora.

“Acredito que os homens que matamos ficam inseparavelmente ligados a nós. Os fios de suas vidas, tornados fantasmagóricos, são tecidos no nosso pelos Destinos, e o seu peso assombra-nos até uma lâmina afiada nos roubar finalmente a vida”. (Pág. 135)

“Nesses tempos, raramente utilizávamos essa designação, Inglaterra. Era então um sonho, mas Alfredo, na sua fúria, levantava a cortina desse sonho e eu soube que ele queria que o seu exército continuasse para norte, sempre para norte, até que deixassem de existir o Wessex, e East Anglia, e a Mércia e a Nortúmbria para existir apenas a Inglaterra. (Pag 287)

Há muito tempo que eu desejava ler algo do escritor e historiador Bernard Cornwell. Talvez influenciado por inúmeros filmes e séries baseados nos seus livros, mas também pelos períodos históricos que ele aborda, que sempre me interessaram. Por acaso caiu na minha mão um dos livros das chamadas Crônicas Saxônicas e mesmo sendo o quarto de uma série de seis livros, eu peguei para ler.

Como eu já tinha visto a série da Netflix, “O Último Reino”, foi mais fácil não se perder e entender os personagens. mas arrisco-me a dizer que daria para ler o livro mesmo sem este conhecimento prévio. Claro que seria melhor acompanhar as crônicas do início, mas o início do livro dá um panorama sobre o ponto da história em que estamos posicionados.

Dá para dizer que foi muito bom acompanhar agora na literatura um pedaço da história de Uhtred de Bebbanburg, o saxão criado com dinamarqueses que virou o guerreiro que prestou juramento a Alfredo, então rei de Wessex, no território que futuramente viria a ser conhecido como a Inglaterra.

As Crônicas Saxônicas contam exatamente este período da história inglesa. As invasões e ocupações vikings e a luta dos saxões para os expulsarem enquanto os quatro reinos começam a se formar em um só. Uhtred é um personagem fascinante. Ainda que seja muito mais fictício do que real, acompanhar os seus feitos em meio a fatos históricos que realmente aconteceram e outros que foram usados por Cornwell apenas para fins literários nos faz pensar como a história humana é cercada de barbárie. Nada diferente de hoje em dia, mas é fato que o mundo já foi bem pior.

Fato é que Cornwell é um ótimo contador de histórias. E sua ficção histórica me deixou fascinado. Definitivamente pegarei em algum momento os outros livros das Crônicas Saxônicas para ler. Como ainda não vi a última temporada de “O Último Reino” e o filme posterior a ela, ainda tenho muito o que acompanhar e me surpreender com a saga de Uhtred de Bebbanburg.

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