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Costner ambiciona um épico como os do passado |
A ideia de Costner, que volta a dirigir um filme duas décadas depois de “Pacto de Justiça” (2003), era criar um épico americano como os grandes épicos do passado. “Horizon” tem um que de “E o vento levou…” (1939) e almeja contar uma saga como a que vemos em “Assim caminha a humanidade” (1956). Olhando por esse prisma, Costner enaltece uma inocência que soa muito artificial e falsa no mundo de 2024. Todo aquele jogo de cena de corações palpitantes entre Frances (Sienna Miller) e Trent Gephart (Sam Worthington), essa paixão inocente e cheia de dedos que emerge em meio a tragédia vivida por Frances não encontra muito eco no cinema do século XXI.
Ao criar este mise-en-scène, Costner parece sentir falta destes diálogos quase puros do cinema do século passado. O problema é que a modernidade, entre outras coisas, nos tornou cínicos e práticos. Num mundo em que o Tinder e aplicativos semelhantes são lei e nos exibimos feito carne no açougue em busca da atenção e desejo do outro, a pureza que Costner tenta evocar no filme é quase caricata.
A problemática indígena
“Horizon” almeja contar em quatro partes a saga da colonização do Oeste dos Estados Unidos durante o século XIX. Uma história marcada por massacres, conflitos e sangue como boa parte da história humana.
E aqui temos o maior problema do filme. Parece que Costner tem uma nostalgia de como os indígenas eram retratados nos velhos faroestes de John Wayne e reproduz o mesmo em seu filme. Na visão do diretor, os indígenas são violentos, impulsivos, cruéis matadores de mulheres e crianças que se colocam como um entreposto para o natural avanço da civilização. Não há em “Horizon” uma única linha que dê voz aos indígenas, que estão vendo as suas terras serem arbitrariamente tomadas pelos brancos colonizadores. Para dizer o mínimo, isso é desonesto. Outros poderiam usar palavras menos polidas e não estariam de todo errados.
Em “Horizon” voltamos no tempo ao identificar os indígenas como vilões, ainda que seja a invasão dos brancos que afasta a caça dos povos que já ali estavam. Isso, no entanto, não interessa para Costner. A luta em “Horizon” é a da resistência do homem branco para vencer e conquistar aquela terra inóspita. E os indígenas são apenas o obstáculo.
É uma pena que “Horizon” opte por uma narrativa tão canhestra, pois o filme tem virtudes. A começar pela beleza. Quem gosta de faroeste se fartará com as paisagens de tirar o fôlego, com os signos que acompanham o gênero, com a narrativa lenta e descentralizado do seu filme, que não tem exatamente um protagonista, mas uma série de personagens tentando construir a sua história entre erros e acertos em meio às inóspitas terras do Oeste. É como se o filme fosse quase um “Guerra e Paz” da conquista do Oeste americano.
No entanto, a sua primeira parte mostrou também os velhos preconceitos de um cinema que não cabe mais no século XXI. Vamos ver se a segunda parte corrige um pouco o rumo dessa narrativa que ecoa a um passado do qual sabemos que existe, mas não devemos nos orgulhar.
Os mesmos truques de Axel Foley
Assim como “Horizon” evoca a um cinema do passado que não existe mais, “Um tira da pesada 4”, evoca a um cinema dos anos 80 que também não parece encontrar eco nos nossos cínicos tempos. Aparentemente, o diretor Mark Molloy e a Netflix não tinham nenhum interesse em renovar o público da franquia ao reativá-la.
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Axel Foley, o malandro de Detroit |
Para dar conta disso, Foley usa os mesmos truques do passado. Se faz passar por personagens inventados por ele, inventa histórias, usa o seu carisma e simpatia e, assim, vai decifrando o enigma da investigação que ajudará a sua filha e os seus velhos amigos de Hollywood.
É delicioso ver Eddie Murphy fazendo as mesmas presepadas dos anos 1980. Eu dei muitas gargalhadas ao longo do filme, mas, lembremos, os tempos atuais são outros, o tenho dúvidas se as falsas narrativas criadas por Foley convencem as novas gerações na era da múltipla informação em que descobrimos a vida inteira de uma pessoa com alguns cliques.
É preciso exercitar muito a suspensão de descrença para acreditar que Foley é bem-sucedido como policial encrenqueiro graças a seu carisma e criatividade. Funciona demais para o público que cresceu com Foley e tem uma nostalgia desse cinema simples e sem muitas preocupações com frases batidas como “desenvolvimento de personagem” e “não consigo me conectar com o personagem”.
Mas será que Foley conseguiu atingir as camadas mais jovens? Sendo um filme da Netflix, é difícil saber pela falta de parâmetros como a bilheteria. Seja como for, “Um tira da pesada 4” é divertido demais ainda que repita ipsis litteris o estilo de 40 anos atrás.
O que me leva a questão: até onde a nostalgia pode ser boa? Entre Costner e Molloy, penso que repetir os erros do passado é um limite minimamente aceitável. “Horizon” é bonito, mas indigente com os povos indígenas e isso é inaceitável. “Um tira da pesada 4” é demasiado inocente, mas gostoso e divertido demais a ponto de podermos ignorar o cinismo do nosso mundo por pelo menos duas horas.
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