domingo, 6 de março de 2022

"The Batman": Quando apenas a vingança não é o suficiente

O Batman de Pattinson em busca de um caminho
Depois de cinco anos e três filmes com uma versão “velha e cansada” mostrada nos filmes mais recentes interpretados por Ben Affleck, fez bem ao Batman retornar às origens de sua história. Versão imaginada pelo diretor Matt Reeves, “The Batman” é um dos filmes mais inspirados do Homem-Morcego. Uma versão pé no chão e calcada em temas da atualidade que não víamos desde “O cavaleiro das trevas” (2008).

Misto de trama de investigação, ação e thriller psicológico, “The Batman” tem todos os elementos para os que gostam da versão mais detetive do vigilante de Gotham. E personagens absolutamente cinzentos, com uma moral maleável em uma Gotham sinistra e tomada pela corrupção em todas as escalas do poder.

O filme de Reeves mostra um jovem Batman lutando e reconhecendo que vem falhando no combate ao crime. Numa Gotham estrangulada pela corrupção e violência em todos os níveis, Bruce Wayne (Robert Pattinson) está obcecado pelo seu alter ego. Movido pela vingança contra todos os criminosos como forma de buscar uma resposta pela morte dos seus pais na infância, Wayne passa tanto tempo como Batman que ele é mais conhecido por ser um bilionário recluso do que pelas ações filantrópicas que seu pai comandava.

Em dois anos, o Batman consegue construir uma reputação de terror e onipresença nas trevas suficiente para aterrorizar qualquer criminoso com poucos recursos, que desaparece apenas por ver o sinal do morcego no céu.

Mas nada disso é suficiente. O Batman de Pattinson é inexperiente, mal visto pela polícia e vem falhando em proteger uma cidade cada vez mais decadente e que está passando por um processo eleitoral para eleger o novo prefeito.

É neste cenário que surge um novo assassino em série pronto para “desmascarar” os podres de Gotham. Em sua nova versão, o Charada (Paul Dano, numa interpretação impecável) é um vilão que se acha um salvador em uma missão. Expor as mentiras de Gotham e aniquilar os protagonistas da decadência moral e corrupta da cidade. E para completar com sucesso o seu plano, o Charada precisa usar o Batman como parte de uma trama criada por seus jogos de palavras.

E assim temos uma dinâmica interessante entre herói e vilão, uma busca de gato e rato que envolve outros personagens relevantes da cidade e com o Batman descobrindo a teia de crimes e imoralidade que vai escalando até a sua própria família.

Aterrorizante e inspirada num criminoso real, o Zodíaco, esta é uma das melhores versões do Charada. Uma versão que funciona perfeitamente com o clima soturno com pitadas de noir e inspiração gótica que o filme de Reeves quer mostrar.

Se “Cavaleiro das Trevas” era um filme sobre terrorismo com o Coringa sendo o arquétipo do terrorista psicopata em uma década que muitos filmes refletiam sobre a guerra ao terror comandada pelos Estados Unidos, “The Batman” é um filme que obriga todos os seus personagens a olharem para as raízes do problema em aspecto macro (toda a cidade) e microscópico (em suas próprias vidas) para enxergarem que a corrupção tem bases muito sólidas e muito perto de todos nós. E a cidade só se encontra em profunda decadência por causa de todos os atores que são protagonistas dela.

E isso inclui o próprio Batman, que passa o filme inteiro afirmando ser a vingança. Ainda que tenha limites que não ultrapassa como, por exemplo, cometer um assassinato, ele ainda é um homem tomado pela sede de sangue, pois a morte de seus pais é ainda fresca em sua memória. O Batman de Pattinson em sua jornada precisa entender que ao mesmo tempo em que deve inspirar medo nos bandidos, precisa que o seu sinal, o sinal do morcego no céu enevoado e chuvoso de Gotham, seja o da esperança para o cidadão comum.

Ao seu redor, temos dois personagens importantes que, de certa forma, o ajudam a entender a necessidade de buscar um outro caminho. James Gordon (Jeffrey Wright), o bastião incorruptível da polícia de Gotham, e Selina Kyle (Zoe Kravitz), ela também em busca de uma vingança pessoal em uma Gotham em que as famílias criminosas, os Maroni e os Falcone, ainda se digladiam pelo poder. Ainda que os Maroni estejam em decadência e Carmine Falcone (John Turturro) seja a voz mais forte por trás das sombras do poder da cidade.

E quem expõe as chagas da cidade acaba por não ser o Batman. Aos olhos do Charada, o Batman é um grande enxugador de gelo que prende batedores de carteira, enquanto não ataca o verdadeiro problema: o poder da corrupção que se imiscui na alta sociedade. O poder que à luz do dia veste a capa da justiça diante da imprensa, mas ao anoitecer mergulha nos mais profundos pecados na boate comandada pelo Pinguim (Colin Farrell, irreconhecível e muito bem no papel).

São estas as feridas que o Charada expõe e, com o seu discurso de ódio e extremismo, consegue angariar seguidores por toda a cidade, ultrapassando ele mesmo os limites e tornando-se ele próprio um agente do caos e da…. vingança.

Por isso o Charada se vê como um espelho e um parceiro do Batman em sua luta. E o Batman se enfurece em negação diante desta possibilidade, pois, no fundo, sabe que está caminhando sob um terreno pantanoso em sua cruzada de vingança.

Selina, Gordon, Alfred (Andy Serkis), Pinguim, Charada, Falcone, Thomas e Martha Wayne… todos são peças de um quebra-cabeça que vão indicando os sinais aos quais o Batman e, consequentemente Bruce Wayne, precisa prestar atenção para refletir como ele de fato pode fazer a diferença em Gotham.

É fascinante o trabalho de Matt Reeves em construir um filme tão rico do Batman, ainda que não tenha sido nada inovador seja em roteiro ou linguagem. “The Batman”, porém, tem o mérito de beber nas fontes certas para criar uma história calcada no melhor do gênero de thriller policial para construir um filme de super-herói que se desvia do padrão mais colorido, cômico e com proporções grandiosas estabelecido nos últimos anos para trazer uma história pé no chão. Afinal, o que não faltam são vilões terríveis e de carne e osso para combater nas quadras das nossas próprias cidades.

Nota 9.



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