quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Tenet e o cinema pretensiosamente complexo de Nolan

Tenet tem personagens desinteressantes
Não é de hoje que o cineasta Christopher Nolan gosta de trabalhar com temas complexos e/ou conceitos científicos pouco conhecidos do espectador comum. Foi assim em “A origem” (2010), quando falava da extração memórias através dos sonhos, e também em “Interestelar” (2014), com suas teorias sobre buraco de minhoca e viagens no tempo. Mesmo em “Amnésia” (2000), o filme que o fez começar a ficar conhecido, Nolan já falava sobre uma história de estrutura complexa que alternava o tempo cronológico e o tempo invertido conforme as cenas surgiram coloridas ou em preto e branco na tela.

Intercalado com estas produções ditas complexas, Nolan produziu filmes mais palatáveis, mas sem descuidar de algumas de suas virtudes. Cenas bem filmadas, a beleza de suas tomadas, o excelente uso do som. São elementos que podem ser vistos tanto na sua trilogia do Batman (2005–2012), quanto em “Dunkirk” (2017).

Assistir a “Tenet” tendo essa perspectiva de sua carreira, é ver o diretor andando em círculos dentro da sua zona de conforto. Seu novo filme, lançado neste confuso ano de 2020 em meio a pandemia de coronavírus, é um suco de tudo o que Nolan já produziu. Com suas virtudes e defeitos.

“Tenet” pretende ser uma história de espionagem, onde um agente chamado apenas de Protagonista (John David Washington) precisa impedir a eclosão da terceira guerra mundial em uma trama que envolve viagens no tempo e conceitos com o de inversão da entropia.

A ideia de Nolan é que seu filme funcione como um palíndromo. Um palíndromo é uma palavra ou frase que pode ser lida tanto da direita para a esquerda, quanto da esquerda para a direita. Ou seja, em “Tenet”, palavra, inclusive, que é um exemplo de palíndromo, a sequência de acontecimentos pode ser lida/vista tanto em sua ordem cronológica, quanto em sua versão invertida. Pelo menos esta é a intenção.

Não é por acaso, inclusive, que “Tenet” tenha este nome. Palavra cuja tradução para o português significa princípio, mas num sentido de dogma ou doutrina, tenet é uma das cinco palavras latinas do quadrado Sator, encontrado em uma série de achados arqueológicos pela Europa. São elas: Sator, Arepo, Tenet, Opera e Rotas. Tenet está no meio deste quadrado formando uma cruz. Arepo é mencionado no filme, assim como Opera, que é onde se inicia a ação e Sator, nome do vilão vivido por Kenneth Branagh.

Nolan não vai muito além na explicação do palíndromo. Parece ser apenas uma pista que ele joga na tela para que desvendemos e nos leve ao que mais lhe interessa que é o conceito de entropia e inversão da entropia, que consiste na ideia de inverter o sentido do tempo das moléculas. Nolan usa de licença poética para usar esta possibilidade, que já foi testada em laboratório em escala microscópica, para construir toda uma história a partir da inversão do tempo. E claro que em algum momento passado e futuro literalmente se chocam num tempo presente misturando tudo, em algo que pode deixar o espectador um pouco confuso.

Mas Nolan se esforça para explicar e ser até didático, como na cena em que, no início do filme, a personagem Bárbara, interpretada por Clémence Poesy, tenta explicar para o Protagonista como funciona o conceito da bala reversa. E aqui temos um problema do filme. Por querer ser complexo, Nolan faz questão de explicar tudo ao longo de 2h30min de filme. O que faz com que o filme tenha problemas em sua evolução. É mais interessante quando ele joga na tela símbolos de fácil identificação, como os respiradores usados por quem está invertido, e os times vermelho e azul, identificando quem está em ordem cronológica correta ou invertida.

Paradoxalmente, Barbara ainda diz em sua explanação para que o Protagonista, e, consequentemente, nós todos, não tentemos entender. Só sentir. O problema é que fazer o espectador sentir não é uma virtude de Nolan. “Tenet” tem os personagens mais desinteressantes da carreira do diretor. Os arcos narrativos do Protagonista, de Sator e de Kat (Elizabeth Debicki) são extremamente pobres. Nenhum deles gera empatia, carinho, ódio, qualquer tipo de sentimento no espectador. Suas motivações não convencem. Eles estão ali, apenas porque estão e se fossem outros ali não fariam qualquer diferença.

O Protagonista é alguém que rejeita um trabalho, mas em cinco segundos muda de ideia para impedir a Terceira Guerra Mundial. Mas ao conhecer Kat, figura feminina com quem não demonstra qualquer interesse e sequer teve tempo para nutrir qualquer sentimento por ela, resolve que sua missão mudou: é preciso salvar ela do seu marido abusivo. Afinal, o que é a Terceira Guerra Mundial perto da missão virtuosa de salvar uma mulher indefesa? (inserir sinal de ironia).

Sartor é aquele vilão caricato de filme B num dos piores momentos da carreira de Kenneth Branagh. Ele está ali para gritar com a mulher, fazer cara de mal e inverter a lógica do vilão. Afinal, lembremos que é tudo invertido nesta história. Ele é um vilão que quer se matar para destruir o mundo. Já Kat é uma figura gélida na história. Zero emoção. Zero camadas. Está preocupada com o filho, mas tudo está sob controle. Odeia o marido e quer se livrar dele, mas é facilmente convencida a esperar a hora certa. E quando chega o seu momento, que ainda não era a hora certa, mas poxa, não deu para esperar, o diálogo com Sartor é um pouco constrangedor. E no fim tudo se resolve sem grandes dramas.

No fim, o personagem mais interessante acaba sendo Neil (Robert Pattinson). Ele é o que tem mais desenvolvimento na história e cria alguma empatia. E acaba por representar o princípio e o fim de tudo em ciclo que vai se repetindo.

O ápice do palíndromo de Nolan acontece na meia hora final do filme. E é aqui que Nolan mostra o quanto é bom diretor para imagens e som. A batalha final dos exércitos entre si e contra o traficante de armas é o momento mais marcante do que Nolan já havia ensaiado na perseguição de carros no meio do filme. Ali, os dois exércitos atacam o lugar ao mesmo tempo, mas metade na evolução natural do tempo e metade invertido. Com isso, Nolan cria momentos realmente muito bons, como a destruição e reconstrução de um mesmo prédio em diferentes pontos. A batalha é bem interessante e expõe as virtudes do diretor, ainda que neste ponto do filme, o interesse pela história já se perdeu consideravelmente. Vai-se na onda movido pela curiosidade de como aquilo acaba.

“Tenet”, portanto, tem virtudes e defeitos. Está longe de ser um dos melhores filmes do Nolan e é onde seus defeitos estão mais escancarados do que suas virtudes evidenciadas. Não é um mau filme, trabalha com ideias interessantes e tem um certo grau de ousadia. Mas se tecnicamente é até bonito, é um filme fraco de personagens e com uma história que quer ser mais complexa do que se fazer entender ao espectador comum. Para Nolan, neste filme o importante era ser difícil. E ser difícil não é necessariamente sinônimo de genialidade.

Cotação da Corneta: nota 7.



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