sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Eastwood busca vingança e comete mesmo erro que vitimou Jewell

Olivia Wilde no papel de Kathy Scruggs
Tenho profundo respeito pelo cinema de Clint Eastwood. Acho-o um dos grandes diretores da história de quem poderíamos reunir pelo menos dez filmes incríveis e brilhantes. Mas o Clint que emerge em “O caso Richard Jewell” (“Richard Jewell”, no original) está muito longe de ser o gigante de “Os imperdoáveis” (1992), “Menina de Ouro” (2004) ou “Gran Torino” (2008). O Clint que filma o roteiro de Billy Ray é o que parece buscar uma vingança numa história que, na verdade, foi cheia de erros, com muitos culpados e alguns inocentes. 

Para falar de “O caso Richard Jewell” é preciso contar a história do seu protagonista, vivido de forma bastante convincente pelo ator Paul Walter Hauser. Jewell era um segurança com um passado problemático, mas extremamente dedicado e fiel aos preceitos da lei e profundamente respeitador das forças de segurança americanas. Empregado nos Jogos Olimpicos de Atlanta-96, ele virou um herói da noite para o dia ao descobrir uma bomba durante um show do evento. Sua ação salvou a vida de centenas de pessoas. 

Como o filme mostra, Jewell, porém, foi alvo de uma investigação que é praxe em qualquer atentado terrorista deste tipo. É aí que começa o pesadelo dele e de sua mãe, Bobi (Kathy Bates). E que começam os erros cometidos pela imprensa. 

É inegável que a vida de Jewell foi virada de cabeça para baixo por causa de uma reportagem irresponsável que carregava nas tintas e o acusava de ser um terrorista sem qualquer prova concreta e apenas baseada num passado interpretado de forma simplória pela imprensa é público em geral. Mas se a reportagem do jornal “Atlanta Connection” foi equivocada, Eastwood usa do mesmo artifício em seu filme para escolher a jornalista Kathy Scruggs (Olívia Wilde) como a vilã de tudo. Não há sequer margem para uma interpretação mais acurada dos fatos ou para a exibição de um outro lado. Scruggs é pintada como uma mulher agressiva que faz de tudo por suas histórias. Inclusive transar com uma fonte para conseguir uma boa história. 

Sem que a jornalista pudesse se defender, o filme a joga na parede da mesma forma que Jewell fora jogado há 24 anos. É quando o filme deixa de ser cinema para se colocar mais como uma peça de vingança. E isso não parece ser necessário nem mesmo sequer sob o ponto de vista de licença de dramaturgia. 

Não é difícil encontrar perfis sobre Scruggs na internet. Ainda mais depois que o filme veio à tona. Neles encontramos relatos de uma jornalista extremamente competitiva, difícil de lidar, mas competente pela sua busca por furos e com um enorme grupo de fontes dentro da polícia e de diversos órgãos de segurança. Algumas reportagens e ex-colegas a relatam como uma “groupie” de policiais, mas não num sentido negativo que este termo costuma carregar, e sim por ser uma seguidora de perto do trabalho da polícia. Se o seu perfil dividia opiniões, principalmente por sua personalidade forte que resvalava na arrogância, todos são unânimes em afirmar que Scruggs jamais transou com qualquer fonte para conseguir uma informação. Tinha sim relações com policiais como qualquer um poderia ter quando se convive com um determinado grupo, mas nunca para conseguir vantagens no trabalho. 

Eastwood, pegou estas informações e carregou nas tintas para dar a ela um perfil simplório de “jornalista que se deita com fonte”, quando na vida real ela era muito mais complexa. É claro que ela e o jornal erraram grosseiramente, mas a vida não é feita de heróis e vilões de forma maniqueísta como o filme pinta. 

Rockwell, Bates e Hauser: bom trabalho dos atores
Jewell, porém, teve a sua redenção. Scruggs, que faleceu em setembro de 2011 de overdose, não teve essa chance. Viveu os cinco anos seguintes à sua reportagem assombrada pelo que escrevera e com dificuldades financeiras pelos processos que enfrentou até que encontrou um fim miserável aos 42 anos. Seu destino, inclusive, sequer é mencionado no desfecho do filme. Ao contrário dos de Jewell e sua mãe. 

Isso afeta a experiência do filme? Depende do ponto de vista de cada um. O filme tem seus méritos e talvez seja o melhor desta recente fase de Eastwood de contar a vida do típico homem comum que se torna um herói americano. É superior a “Sully: o herói do Rio Hudson” (2016), e muito melhor do que o fraco “15h17: Trem para Paris” (2018). 

A interpretação de Hauser também não deixa de ser cativante pela sua entrega ao papel quase mimetizando o verdadeiro Jewell. Assim como Sam Rockwell também dá um brilho especial como o advogado do personagem principal. Kathy Bates e Olivia Wilde também estão bem nos seus papéis, o que faz com que o filme seja muito mais interessante pelo trabalho destes quatro atores do que pela história em si. 

Mas Eastwood podia ter feito um filme melhor e não mais um filme. “O caso Richard Jewell” tem suas falhas, tem imprecisões históricas e enfraquece seu roteiro pela própria postura do diretor. Por outro lado, é bom acompanhá-lo e refletir como uma obra ou reportagem pode destruir a vida de alguém e pensar na responsabilidade que se tem na mão quando se divulga algo com tamanhas imprecisões. Isso vale para o que Jewell sofreu, mas também para Scruggs. No fim, o filme mostra-se mais interessante pela lição que Eastwood não queria passar, mas seu erro é a mostra de como ainda é necessário evoluir. 

Indicações ao Oscar: Atriz coadjuvante (Kathy Bates).

Cotação da Corneta: nota 7.

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