sábado, 3 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody é decepcionante do início ao fim

Malek no papel de Freddie Mercury
“Bohemian Rhapsody” tinha tudo para ser uma grande cinebiografia. A história do cantor Freddie Mercury é rica e diferente de muitos que viveram no show business e no tempo do surgimento das mega bandas de estádio no século XX. Por si só é exótico um cara que nasceu no Zanzibar, na África, passou a infância na Índia e depois foi forçado a imigrar para a Inglaterra por causa de uma revolução no seu país, começou a estudar design e de repente se junta com um quase dentista, um quase físico e um quase engenheiro mecânico para montar uma banda que seria uma usina de hits nos anos 70 e 80. 

Mas “Bohemian Rhapsody” é um filme preguiçoso que não entrega sequer o básico, que seria uma cinebiografia careta, linear e pautada por momentos históricos da banda e do seu vocalista. É um trabalho superficial, errático, que não acrescenta nada de novo ou relevante à biografia do Queen ou do próprio Freddie, uma das grandes vozes da história do rock.

O filme, por exemplo, tangencia questões importantes que mereciam ser mais aprofundadas. Listo algumas: por que a relação de Freddie com a família é tão fria e cheia lacunas? Como foi a sua infância em Zanzibar e na Índia, onde, aliás, ele começou a aprender piano? Que tipo de influência ele pode ter sofrido dessa vida nestes dois lugares? No que a família, a imigração o influenciaram ou não para ser o que ele se tornou? Por que negar o nome e as origens? São questões que poderiam ter sido feitas e não foram respondidas. No filme, sua família é quase uma ponta na história. 

A própria relação de Freddie com sua homossexualidade, bem como seus conflitos internos, carência e solidão não são devidamente tratados/aproveitados para tentar compreender quem era Freddie. Em resumo, é um filme que entrega muito pouco.

É claro que a produção sofreu diversos problemas. Inicialmente, Freddie seria interpretado por Sacha Baron Cohen, mas divergências com o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor, acabaram dinamitando a sua participação. O lugar acabou sendo ocupado por Rami Malek, conhecido por sua participação na série de TV “Mr Robot”, mas que entrega um Freddie apenas aceitável e nada marcante.

Depois disso, o próprio Bryan Singer foi demitido da produção faltando duas semanas para o fim das filmagens. Direção esta que caiu no colo de Dexter Fletcher. Mas o filme acabou tendo mesma cara dos últimos trabalhos de Singer, com pouca profundidade na abordagem dos personagens e trabalhos aquém do esperado. “X-Men: Apocalipse” (2016) é um exemplo.

De fato, “Bohemian Rhapsody” apenas se escora nas boas canções do Queen, especialmente as que representaram turning points na carreira da banda - “Bohemian Rhapsody”, “Love of my life”, “We Will Rock you”, “I want to break free”, “We are the Champions”, “Another one bites the dust”- para trazerem um conforto no coração do espectador. Teria sido mais proveitoso e barato, porém, ouvir um greatest hits do Queen no Spotify.

O roteiro de Anthony McCarten e Peter Morgan, este responsável por filmes muito bons como “O último rei da Escócia” (2005), “A Rainha” (2006), “Frost/Nixon” (2008) e “Rush” (2013) também peca ao não fornecer informações básicas, colocar o Rock in Rio num tempo e espaço aleatórios entre 1975 e 1985 e criar diálogos ruins. Nem parece que tinha ali uma banda criando grandes hits. E mesmo estes momentos de criação dos músicos soam fake e sem alma.

Se Malek está longe de ser marcante, mas também não compromete uma engrenagem que é falha do início ao fim, os atores que fazem os demais integrantes da banda – sempre vistos pela narrativa com extrema generosidade – são fracos. Gwilym Lee (Brian May), Ben Hardy (Roger Taylor), Joseph Mazzello (John Deacon) está ali para não comprometer e serem as peças sóbrias da egotrip de Freddie Mercury. Já o empresário Paul Prenter (Allen Leech) é pintado como o vilão do filme, o responsável pelos atritos entre Freddie e o resto da banda e até pela separação temporária dela.

Assim, “Bohemian Rhapsody” atravessa suas 2h15min devendo muito. Seus momentos mais marcantes acabam por ser a cena de Malek na chuva, quando Freddie resolve sair do fundo do poço para retomar a carreira com o Queen e a apresentação histórica no Live Aid de 1985, um ponto fundamental para a banda e Freddie, e colocado num contexto em que o cantor tinha acabado de saber que estava com Aids, doença que acabaria contribuindo para a sua morte seis anos depois. Mas infelizmente toda a linha do tempo do Queen no filme não bate sequer 70% do que aconteceu realmente. Assim como o espectador sai do cinema sem saber sequer o nome de um disco da banda.

Singer, aliás, optou por colocar um pocket show fake do Queen dentro do filme para retratar a performance no Live Aid. Não sei se foi a melhor opção. Pareceu-me sim uma opção preguiçosa. Pois não era um filme e nem um verdadeiro show do Queen, trazendo ruídos para todos os lados. 

Assim “Bohemian Rhapsody” termina com a falsa sensação de sair por cima, quando na verdade deixou mais buracos e um pouco de entretenimento num filme absolutamente dispensável. 

Cotação da Corneta: nota 3,5.


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