terça-feira, 14 de novembro de 2017

A paixão de Van Gogh

A beleza do trabalho dos diretores de Van Gogh
Depois de mais de um século de indústria cinematográfica, é muito difícil encontrar algum filme que traga algo de original e diferente do que já tenha sido feito. Mas parece-me que os diretores Dorota Kobiela e Hugh Welchman conseguiram esse feito em pleno 2017. Boa parte da beleza de “A paixão de Van Gogh” (Loving Vincent, no original) está na ousadia de sua execução.

Foram cinco anos trabalhando numa cinebiografia diferente de qualquer outra coisa que já tenha sido feita sobre outro artista. “A paixão de Van Gogh” é uma animação toda feita com pintura a óleo e tinta no estilo que consagrou o pintor holandês (infelizmente só) após a sua morte, em 1890, aos 37 anos. Um total de 120 artistas pintaram 65 mil fotogramas utilizando a mesma técnica de Van Gogh para dar vida a esse filme que é de uma beleza ímpar e um deleite para os fãs do pintor.

O objetivo da diretora polonesa e do seu colega inglês era fazer com que as obras de Van Gogh falassem por si, ganhassem vida na tela. Em uma hora e meia, vemos muitas telas e muitas referências aos trabalhos do artista. Vemos personagens reais retratados por ele nos seus quadros ganharem vida e um papel ainda mais relevante do que meros rostos em telas pós-impressionistas.

Mas tratando-se de Van Gogh, o filme não ficaria apenas na ousadia do formato. “A paixão de Van Gogh” também foge do tema tradicional das cinebiografias, que costumam contar a história do artista da infância até a morte. O filme prefere criar uma narrativa detetivesca procurando investigar como o pintor teria falecido.

Oficialmente, Van Gogh, cometeu suicídio ao atirar em si mesmo no dia 27 de julho de 1890. Mas há teorias de que ele poderia ter sido assassinado, por acidente ou não, por René Secretan, um jovem que vivia implicando com o pintor na cidade francesa de Auvers-sur-Oise. O filme resolve explorar isso e as declarações contraditórias de personagens que conviveram com o artista em seus momentos finais na França.

Com isso, a ação se passa justamente um ano depois de sua morte. Na ocasião, uma carta nunca enviada para o seu irmão, Theo Van Gogh, surge nas mãos do jovem Armand Roulin (Douglas Booth), que, antes de enviá-la para a agora viúva de Theo, irmão mais novo de Van Gogh e que morreu seis meses depois do pintor.

Roulin traça a linha de investigação conversando com todas as pessoas que de alguma forma conviveram com Van Gogh em Auvers-sur-Oise. Entre elas, personagens pintados pelo artista, como Marguerite Gache (Saoirse Ronan) e o doutor Gachet (Jerome Flynn, o Bronn de “Game of Thrones”).

Os diretores consideram que surgiram várias declarações contraditórias sobre a morte de Van Gogh, que permaneceria hoje, mais de 100 anos depois, cercada de mistério. A tese do assassinato já havia sido defendida em 2011 pelos biógrafos do escritor Steven Naifeh e Gregory White Smith. E o próprio reconhecimento de René Secretan no fim da vida dizendo que havia atormentado demais o pintor, conhecido por suas psicoses e depressões reforçaram, para os diretores, a tese do potencial assassinato.

Mas a película não toma uma posição. Apresenta os argumentos e deixa em aberto para o espectador pensar sobre qual poderia ter sido o final deste artista genial. O que não deixa de ser uma boa postura.

Embora “A paixão de Van Gogh” tenha sido um filme trabalhoso e que demorou um longo tempo para ser feito, os diretores não pretendem abandonar o estilo de animação pintada que fizeram com este trabalho. Pelo menos por mais um filme. O próximo objetivo de Dorota e Hugh é uma película de terror todo pintado baseado nos trabalhos que Goya fez no fim de sua vida. Desde já estou ansioso pelo resultado dessa nova jornada.

Enquanto ele não chega, “A paixão de Van Gogh” ganhará uma nota 8.

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